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Como o acesso facilitado a armas de fogo beneficia as milícias no Rio de Janeiro?

Dados obtidos pelo Brasil de Fato apontam 2021 com a maior emissão de registros de CAC dos últimos três anos no estado

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Acesso a armamentos está ocorrendo em contexto que não houve nenhum avanço com relação as regras de controle - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A circulação de armas de fogo e munições está maior e mais fácil no país.Brasil de Fato, via Lei de Acesso à Informação (LAI), obteve do Comando do Exército um levantamento referente aos certificados de registros de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), que apontam 2021 com a maior emissão de licenças nos últimos três anos. 

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Ao todo, 4.076 certificados de registros foram expedidos até agosto de 2021, um número 21,4% maior do que todo o ano de 2020 e 47,4% maior do que em 2019. Os números obtidos pela reportagem mostram os CACs emitidos na primeira Região Militar (1° RM) que engloba os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, de 2018 a 2021. 


Certificados licenciados nos últimos anos/ Fonte: Comando do Exército, dados obtidos via Lei de Acesso à Informação / Tabela: Brasil de Fato

Por trás desses dados, há problemas graves na ordem da Segurança Pública trazidos pelos quatro decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), no início do ano, que flexibilizaram as regras para a compra de armas, munições e equipamentos para a fabricação de munições caseiras. 

Entre as novas medidas estabelecidas pelo Chefe do Executivo, está o aumento do número de armas permitidas em cada categoria das CACs. Hoje, atiradores podem obter até 60 armas; já caçadores o limite é de 30 e colecionadores são 10 armas. Além disso, os decretos desclassificaram uma série de itens que eram considerados Produtos Controlados pelo Exército (PCEs). Hoje, um CAC pode ter acesso, por exemplo, a um fuzil semiautomático calibre 7.62, que era de uso restrito. 

Milícias e CACs

De acordo com Bruno Langeani,  gerente do Instituto Sou da Paz e autor do livro recém-lançado “Arma de fogo: Gatilho da violência no Brasil” da editora Telha, no contexto do estado do Rio de Janeiro, a flexibilização do acesso às armas e munições para os CACs feita por Bolsonaro favoreceu, principalmente, o crime organizado.

Para ele, o direito dos CACs portarem a sua arma em "qualquer itinerário" e "independentemente do horário, assegurado o direito de retorno ao local de guarda do acervo" é um prato cheio para o crime.

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“Esse porte que foi dado ilegalmente para os CACs, no fundo também facilita o trabalho de milícia, porque antes, tinha que depender de recrutamento de policiais, bombeiros e militares para contratar seus integrantes, justamente porque essas categorias tinham porte de arma, podiam circular armados livremente. Quando você dá essa prerrogativa de porte, você facilita esse recrutamento da milícia, assim, é possível expandir com outras pessoas desde que essas pessoas tirem o seu CAC junto do Exército”, explica Langeani, que é mestre em políticas públicas pela Universidade de York, no Reino Unido.

Além de facilitar o recrutamento para o crime organizado, as mudanças oriundas dos decretos de Bolsonaro diminuíram os custos para que as facções tenham acesso às armas de fogo. Um fuzil que poderia sair anteriormente ao custo de R$ 50 mil, hoje chega a R$ 14 mil, segundo o gerente do Sou da Paz. 

“A diferença é que antes do governo Bolsonaro, se a facção criminosa quisesse comprar um fuzil, ela tinha que roubar de forças de segurança, ou buscar por tráfico em outro país, isso implica em mais riscos, porque a pessoa pode sofrer punição por tráfico internacional, significa que ela vai ter que fazer uma compra em dólar, pagar um transporte em longa distância e tudo isso fazia com que essa arma chegasse ao Brasil por R$ 40 ou 50 mil. Agora, a gente tem essa arma podendo ser vendida para mais de 400 mil CPFs e com fornecimento dentro do Brasil por R$ 14 mil”, detalha o pesquisador que lança na sexta-feira (3) o seu livro na Livraria Mandarina, em São Paulo. 

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O acesso a armamentos está ocorrendo num contexto em que não houve nenhum avanço com relação as regras de controle,  rastreabilidade e marcação de armas e munições, o que torna a situação ainda mais preocupante.

“Tanto Polícia Federal, quanto Exército não têm feito uma grande fiscalização desses grupos armados, fábricas e clubes de tiro e a gente, mesmo nesse contexto, esta tendo uma explosão da quantidade de entidades que teriam que ser fiscalizadas e não vão ser por falta de fiscalização ou de uma estrutura de trabalho para Exército e Polícia Federal”, destaca. 

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse