Coluna

Só pode haver um no segundo turno das eleições

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Com a filiação de Bolsonaro ao PL e o lançamento das candidaturas de Moro e Doria, a primeira rodada de prévias para as eleições chega ao fim. - Luis Blanco/Governo de SP
Muitas águas ainda vão rolar no moinho da direita, onde só há espaço para um no segundo turno

Olá! Os competidores se acotovelam na largada da corrida presidencial, mas nem Bolsonaro nem o coronavírus estão dispostos a ir embora tão cedo.

 

.Ainda não chegamos ao fim. O surgimento de uma nova variante da covid-19 vai adiando indefinidamente o fim da pandemia. Portadora de dezenas de mutações genéticas, a ômicron é potencialmente mais contagiosa e mais letal, especialmente entre os mais jovens. Identificada na África do Sul, já está presente em diversos países da Europa - a Alemanha já registra o maior número de mortos em nove meses - e pode ter graves consequências globais, segundo a OMS, graças à desigualdade na distribuição global das vacinas: com a corrida das farmacêuticas pelos mercados mais rentáveis e as vacinas estocadas nos países ricos, o continente africano tem menos de 25% da população vacinada. Uma combinação favorável para novas variantes. Além disso, a dúvida é se as vacinas existentes são capazes de garantir a imunização diante da nova variante ou se novas fórmulas serão necessárias para combater o vírus. No Brasil, a nova variante foi identificada inicialmente em dois missionários não vacinados vindos da África do Sul e depois no sudeste e no Distrito Federal. Felizmente, por aqui a cobertura vacinal abrangente pode ser um bloqueio à disseminação da variante. Porém, já há consequências práticas, como o cancelamento das festas de réveillon e de carnaval. Mais grave, uma possível nova onda acendeu o sinal de alerta para a combalida economia: 4 milhões de brasileiros cruzaram a linha de pobreza na pandemia, tecnicamente estamos em recessão, com as exportações impactadas pela queda dos preços dos commodities, e 191 mil vagas com carteira assinada foram fechadas em 2020. As piores notícias que Bolsonaro poderia receber para a campanha de reeleição, além do notório fracasso do governo federal em gerir a crise.

.Nada nessa mão. Um dos maiores truques de Bolsonaro é vender derrotas como se fossem vitórias. É o caso da aprovação de André Mendonça para o STF. O novo ministro fez a lição de casa para a sabatina, com respostas treinadas, mesmo que o discurso laico não tenha durado cinco minutos. Mas por pouco Mendonça não teve o mesmo destino que Marcelo Crivella. A aprovação só ocorreu graças a uma intensa mobilização da bancada evangélica, que avalia que Bolsonaro não apenas não se envolveu, como ainda atrapalhou. Vitaminados, agora os evangélicos querem emplacar Damares Alves como vice de Bolsonaro ou Eliziane Gama na chapa de Moro. A filiação ao PL é outra derrota vitoriosa. Afinal, mesmo com toda máquina pública, Bolsonaro teve imensas dificuldades em conseguir uma legenda. E o PL já começou a cobrar a conta, em cargos, numa relação em que ninguém confia em ninguém. Vencedor mesmo na filiação foi o centrão que costurou junto um acordo para dividir as futuras presidências da Câmara entre PP e Republicanos. Aliás, com a formalização do orçamento secreto, o centrão já garantiu seu plano B, assegurando o controle sobre emendas, o suficiente para uma reeleição de Arthur Lira e também para manter certa independência do próximo presidente, seja ele quem for. A única vitória real da família esta semana foi a manutenção do foro privilegiado de Flávio Bolsonaro, remetendo o caso para o TJ carioca, onde a leniência em tratar o esquema deve garantir o sossego da família. Empolgado, Bolsonaro quer aproveitar a onda para controlar definitivamente o Coaf, origem das denúncias, enquanto continua afastando opositores na Polícia Federal.

.Dick Vigarista e a Quadrilha de Morte. Com a filiação de Bolsonaro ao PL e o lançamento das candidaturas de Moro e Doria, a primeira rodada de prévias para as eleições chega ao fim. Mas muitas águas ainda vão rolar no moinho da direita, onde só há espaço para um no segundo turno. É provável que Bolsonaro aposte na mesma fórmula de 2018, fake news e ataques, agora turbinado com tempo de TV. Já o ponto de partida da terceira via é a conquista de cerca de 15% dos eleitores que não pretendem votar nem em Bolsonaro nem em Lula, segundo Thomas Traumann. Mas isto não é suficiente e quem quer que pretenda chegar ao segundo turno terá que bater Bolsonaro, aproveitando a oportunidade da nova queda na aprovação do governo, que está abaixo de 20%. Para isso, Sérgio Moro aposta em se apresentar como o anti-Lula original, ganhando apoio dos bancos e ao mesmo tempo capturando votos de bolsonaristas arrependidos. Mas também se tornou alvo tanto de Ciro Gomes e João Doria, quanto de Bolsonaro, como ficou claro no evento de filiação do capitão ao PL. Moro tem a vantagem de contar com uma claque mais barulhenta, tem o melhor desempenho nas pesquisas dentre os candidatos da terceira via, mas sua atuação como juiz e ministro da Justiça foi um desastre. Além disso, conhecido como caçador de políticos, caso eleito, como ficaria a relação de Moro com o Congresso? Há ainda outros problemas. O “incorruptível” pode até ter a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa. Em compensação, João Doria tem experiência de governo e pode gabar-se de ter iniciado a vacinação contra a covid-19 no Brasil, mas consegue contar com a antipatia de seu próprio partido, assim como do eleitorado. Enquanto isso, de camarote, Lula segue inconteste nas intenções de voto, ampliando a vantagem sobre seus possíveis adversários.

.Bolsonópolis. Além do agronegócio e da bancada da bala, um setor que realmente contou com o apoio intransigente de Bolsonaro no governo foi a mineração. Assim como na ditadura, quando o coronel Curió construiu uma cidade com seu nome em torno do garimpo, Bolsonaro ergueu a sua sob as águas do Rio Madeira. Além de enfraquecer a fiscalização e desmontar o Ibama, como já havia feito com o desmatamento, não faltaram discursos do Planalto sugerindo a legalização do garimpo ilegal. Segundo a própria Agência Nacional de Mineração, há pelo menos 220 lavras de garimpo ilegal, especialmente em terras indígenas e “protegidas”. Com a alta do preço do ouro e a notícia de descoberta de jazidas no rio, uma cidade sobre balsas foi formada rapidamente, financiada pelo agronegócio, justamente com a intenção de formar uma “barreira” que impedisse o despejo. Apesar das denúncias do Greenpeace e do Ministério Público, o governo foi lento na reação, permitindo que pelo menos 300 dragas deixassem temporariamente o local. Outras 131 foram destruídas pela Polícia Federal. Ainda assim, os garimpeiros já anunciaram que devem retornar. A ação também reforça o fracasso da suposta tutela do Exército sobre a Amazônia, afinal foi o general Mourão quem avisou publicamente a data da operação. Mas quem se preocupa, não é mesmo? Afinal, na convivência com o centrão, as Forças Armadas também aprenderam a lição e se fartaram de emendas para garantir sua sobrevivência seja lá quem for o vencedor das eleições. E para as consciências pesadas com a destruição ambiental, o Congresso oferece a regulamentação do mercado de carbono que, além de politicamente correta, promete tornar a preservação ambiental economicamente rentável.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Thomas Piketty: “Estamos em uma situação semelhante à que levou à Revolução Francesa”. Mais uma vez os ricos não querem pagar a conta, por isso o economista francês vê possibilidades de rupturas políticas no horizonte. Por Marc Bassets, no El País.

.O passo a passo da união entre mercado financeiro e agronegócio. No Joio e o Trigo, João Peres explica a valorização do agronegócio na bolsa de valores de 2016 para cá.

.A bancada do like: Google e iFood montam tropa de choque no Congresso. Conheça a Frente Digital, que desde 2019 faz lobby para as Big Techs no legislativo. Por Tatiana Dias, no Intercept Brasil

.Guilhotina #143 - Rejane Carolina Hoeveler. A historiadora Rejane Carolina Hoeveler fala sobre o Conselho das América, e sua atuação das ditaduras militares ao neoliberalismo. No Diplomatique Brasil.

.A expansão repentina dos negócios da família Dallagnol. No GGN, Luis Nassif mostra o milagre da multiplicação de apartamentos, casas de luxo e empresas que envolvem a família Dallagnol.

.Qual o lugar de Deus no futebol? A partir do futebol, Milly Lacombe discute o papel de amparo e acolhimento das igrejas onde o Estado ou falta ou só entra armado e para matar.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo