América central

Com 1ª presidenta mulher, esquerda volta ao poder em Honduras e pode influenciar região

Xiomara Castro obteve a maior votação da história democrática do país após 12 anos do golpe de Estado

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Xiomara Castro celebra vitória para a corrida presidencial ao lado do seu vice, Salvador Nasralla - Luis Acosta / AFP

Honduras fez história ao eleger a primeira presidenta mulher. Xiomara Castro, do partido Liberdade e Refundação, obteve 1,7 milhão de votos contra 1,2 milhão do segundo colocado, Nasry Asfura Zablah, do tradicional Partido Nacional de Honduras. Após 12 anos do golpe de Estado que interrompeu o governo de Manuel Zelaya, esposo de Xiomara Castro, o progressismo volta ao poder com a maior votação da história democrática do país.

O partido Liberdade e Refundação, criado após o golpe de 2009, também obteve a maior bancada do Congresso até momento, com 98% da apuração concluída, com 60 dos 128 deputados. O voto é facultativo e a participação foi de 68,5% do eleitorado. Pela primeira vez, o Parlamento hondurenho também terá uma composição jovem. Cerca de 40% dos legisladores são da geração "millenials", nascidos entre 1981 e 1996.

Para o sociólogo hondurenho Eugenio Sosa, a "rebelião nas urnas" é fruto de anos de resistência das organizações populares contra o golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos.

"Isso representa dois tipos de ruptura. Primeiro contra o bipartidarismo do Partido Nacional e do Partido Liberal. Essa força política que surge a partir do golpe, Liberdade e Refundação, chega ao governo depois da sua terceira eleição. E a outra ruptura é a patriarcal. Em Honduras diziam que uma mulher não podia ganhar, porque a sociedade hondurenha é muito machista", analisa.

Em 2020, Honduras foi o país com a maior taxa de feminicídios da América Latina, com uma média de 33 mulheres assassinadas por mês, segundo levantamento da ONU Mulheres. 

Xiomara Castro defende uma agenda feminista que inclui criar espaços de acolhimento e proteção a mulheres em situação de violência doméstica, também defende a despenalização do aborto e paridade salarial entre homens e mulheres.

De acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), 43% das hondurenhas não possui renda própria.

"Sonhamos, acreditamos, necessitamos e nos urge uma Honduras mais apegada aos direitos e às reivindicações populares", defende Bertha Zúniga Cáceres, coordenadora do Conselho de Comunidades Populares e Indígenas de Honduras (COPINH).


No dia 28 de novembro, cerca de 5,1 milhões de hondurenhos foram convocados a renovar os poderes Legislativo e Executivo / Orlando Sierra / AFP

Xiomara receberá um país em crise, com uma dívida externa em torno de US$ 14,6 bilhões (cerca de R$ 82 bilhões), o que representa 59% do PIB do país. Além disso, 73% da população está em situação de pobreza e cerca de 4 milhões estão desempregados, segundo o Instituto Nacional de Estadística (INE). Honduras também vive uma constante crise migratória, com milhares de jovens hondurenhos partindo nas caravanas de migrantes para os Estados Unidos. 

"Estão entregando um país literalmente em ruínas, fruto do autoritarismo, da corrupção, clientelismo. Três semanas antes das eleições o governo pegou dinheiro dos organismos internacionais, foram bilhões de dólares. Entregavam cerca de 80 dólares por pessoa para que votassem por eles", critica Sosa.

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A posse está prevista para o dia 27 de janeiro. Uma comissão de transição de mandato já trabalha na cerimônia de posse e confirmou a presença do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, do salvadorenho Nayib Bukele e do nicaraguense Daniel Ortega.

"A América Central está com a atenção voltada para Honduras, que pode se tornar uma referência na região. Não tenho dúvida de que ela atenderá processos de integração com diferentes iniciativas que possam surgir", avalia o sociólogo Eugenio Sosa.


Com a eleição de Xiomara Castro, a esquerda volta ao poder após 12 anos do golpe de Estado / Orlando Sierra / AFP

Após conquistar a unidade do campo progressista, Castro apresentou um plano de ação para transitar da "ditadura à democracia" com 30 propostas para os primeiros 100 dias de gestão, que inclui a reversão das privatizações de empresas estatais e das zonas econômicas especiais, que concedem território hondurenhos a transnacionais do setor da mineração.

"Não serão feitas mais concessões para minas a céu aberto e, inclusive, irão reverter concessões já outorgadas e que são lesivas às comunidades. Isso é importante, porque a maioria dos conflitos territoriais que padecemos estão relacionados à questão hidroelétrica, à mineração, com temas relacionados ao território", comenta Bertha Zúniga Cáceres.

Xiomara Castro também promete fazer justiça ao assassinato da ativista ambiental Bertha Cáceres, morta em março de 2016 por defender o território indígena Lenca da instalação de um projeto hidroelétrico. 

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Outro carro chefe da campanha é realizar uma consulta popular para instalar uma Assembleia Nacional Constituinte e construir uma nova Carta Magna para o país. 

"Se perdemos a clareza de que somos nós organizações, pessoas que sofremos com os últimos males, que temos que começar ou retomar diálogos fundacionais, diálogos pela transformação estrutural de Honduras, então não teremos nenhuma mudança substancial ou significativa", analisa Bertha Zúniga, filha de Berta Cáceres.

Edição: Thales Schmidt