Rio de Janeiro

Violação de direitos

Análise | Segunda parte: Moro, o ex-juiz que rasgou a Constituição, por Jorge Folena

Retornamos à série que iniciamos na semana passada para tratar das gravíssimas violações cometidas por Moro

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Lembramos que não é papel de magistrados atuar politicamente ou interferir em eleição; sendo expressamente proibido pela Constituição aos juízes dedicarem-se à atividade político-partidária - Marcos Corrêa / Fotos Públicas

Retornamos à série que iniciamos na semana passada para tratar das gravíssimas violações à Constituição, promovidas pelo ex-juiz federal Sérgio Moro. Vimos que, para realizar seu projeto político pessoal, ele não hesitou em trabalhar sistematicamente contra os interesses do país, e, com seus atos, favoreceu descaradamente os mais ricos e os interesses estrangeiros, em detrimento da soberania do Brasil, mas, ao final, não apresentou nenhum resultado concreto do seu alardeado combate à corrupção.

Depois de tudo isso, encontra-se hoje ao lado de vários políticos de direita, sob grave suspeição de enriquecimento. Em sua sanha justiceira, o ex-juiz Sérgio Moro, além de desrespeitar diversas instituições políticas do Estado brasileiro, como demonstramos no artigo anterior, não teve nenhum apreço nem respeito pelo exercício da advocacia. 

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Tanto assim foi que, na Reclamação 23.457/PR, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Roberto Teixeira (cujo escritório defende o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva)  ingressou nos autos para denunciar que o seu telefone celular e o ramal-tronco do seu escritório foram grampeados, sendo feitas interceptações de suas conversas e de seus colegas com diversos clientes, o que teria sido autorizado pelo ex-juiz federal, responsável pelos casos da Lava Jato na 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, no Paraná.

Como amplamente divulgado pela revista Consultor Jurídico em 17 de março de 2016 (um dia após a interceptação ilegal do telefone do Palácio do Planalto, ocorrida em 16 de março de 2016 e executada por ordem de Sérgio Moro), a pedido da força tarefa da Lava Jato de Curitiba, o ex-juiz federal responsável pelo caso determinou a quebra do sigilo telefônico do escritório de advocacia que presta serviço para defender o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, nos autos do Pedido de Quebra de Dados e/ou Telefônico número 5006205-98.2016.4.04.7000/PR.

De forma dissimulada, no pedido da referida força tarefa e na decisão do ex-juiz Sérgio Moro, utilizaram a empresa LILS Palestras como sendo a investigada e titular do telefone (11) 30XX-33XX, quando o número, na verdade, pertencia ao mencionado escritório do seu advogado de defesa; mediante tal artifício, interceptaram diversas ligações do escritório com seus clientes.

Na verdade, esse ardil constituiu uma gravíssima violação às prerrogativas da advocacia e representou agressão desmedida à atividade, que é indispensável à Administração da Justiça e cujos atos são considerados invioláveis, como garantia do Estado Democrático de Direito. 

Essas condutas do ex-juiz federal revelam-se reprováveis e deveriam ser aprofundadas para responsabilizá-lo pelos ataques que desferiu contra as prerrogativas da advocacia, tão necessárias para a garantia da ordem democrática.

Entretanto, o desprezo do ex-juiz federal à Constituição e à ordem democrática não parou por aí: às vésperas da eleição presidencial de 2018, divulgou ilegalmente uma delação de Antônio Palocci, mediante o estratagema de anexar ao processo o depoimento da delação por ele feita anteriormente, sem que nenhum dos advogados de defesa tivesse solicitado isso.

Este fato é de conhecimento geral e teve forte influência na campanha eleitoral, cujo vencedor e eleito Presidente da República foi Jair Bolsonaro, a quem Sérgio Moro foi servir como Ministro da Justiça. 

Lembramos que não é papel de magistrados atuar politicamente ou interferir em eleição; sendo expressamente proibido pela Constituição aos juízes dedicarem-se à atividade político-partidária. 

O episódio traz à lembrança, mais uma vez, a manifestação de Deltan Dallagnol para o ex-juiz Sérgio Moro, quando afirmou: “... Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (...). Seus sinais conduzirão multidões...”.  Também nos recorda o desejo manifestado por Deltan, em 2017, de “promover um grau de renovação política”, como divulgou a Revista Consultor Jurídico em 01/02/2021.

Logo após o segundo turno da eleição de 2018, o ex-juiz federal, ainda no exercício da magistratura e no comando dos processos da operação Lava Jato, reuniu-se no dia 06 de novembro com Jair Bolsonaro, como amplamente divulgado à época pela mídia:

“Moro diz que não era próximo de Bolsonaro e recebeu sondagem para ministério 5 dias antes do 2º turno. Juiz federal, que aceitou integrar o governo de Bolsonaro, diz que a primeira vez que conversou pessoalmente com Bolsonaro foi em 1º de novembro deste ano. (2018)”. 

É estarrecedor que, além de liberar uma delação feita anteriormente, “requentada” com o objetivo de influenciar na vontade dos eleitores, o ex-juiz federal (ainda no exercício do cargo e a poucos dias da realização do segundo turno da votação) tenha se reunido com o candidato vencedor da disputa presidencial, vindo logo em seguida a fazer parte do seu governo, num nítido projeto de poder político, executado quando ainda magistrado, e pelo qual levou indevidamente à prisão o principal opositor de Jair Bolsonaro, que era exatamente o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, acusado sem quaisquer provas pela força tarefa da Lava Jato.

O governo que o ex-juiz, responsável pela Lava Jato, Sérgio Moro, ajudou a construir é o mesmo que, desde 1º de janeiro de 2019, ataca quase que diariamente a ordem constitucional e agride as instituições políticas, como o Parlamento e o Supremo Tribunal Federal, a imprensa e as entidades da sociedade civil (como a Ordem dos Advogados do Brasil).

Além de tentar acuar, sistematicamente, os seus opositores com pedidos de investigação policial com base na revogada Lei de Segurança Nacional da ditadura militar (Lei 7.170/83), os povos indígenas e quilombolas, as comunidades LGBTQIA+ e as mulheres; o mesmo que apoia a queimada das florestas; que permite a disseminação da COVID-19 pelo país, pois nada faz para combater a doença que já matou milhares de brasileiros (mais de 613 mil pessoas); o mesmo governo que defende o armamento indiscriminado dos seus apoiadores, numa clara ameaça à ordem democrática e institucional; o mesmo que tem mais de 100 pedidos de impeachment formulados contra o ocupante da Presidência da República. 

Sem dúvida, o ex-juiz Sérgio Moro, quando à frente da Lava jato, fez com que muitos brasileiros tivessem suas reputações destruídas e que vidas fossem perdidas, como as de Dona Marisa Letícia, perseguida por ser esposa do ex-presidente Lula da Silva (e que, mesmo depois do seu óbito, continuou tendo o seu nome enxovalhado pela Lava Jato, comandada pelo ex-juiz), e de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, que se suicidou após ser injusta e indevidamente encarcerado em decorrência desta nefasta operação. 

Fica muito claro que o ex-juiz federal empregou mecanismos judiciais de repressão para perseguir inimigos políticos e se serviu da estrutura do seu cargo de magistrado para se projetar politicamente.

Sua atuação favoreceu a eleição de parlamentares que chegaram ao ponto de ofender criminalmente os ministros do Supremo Tribunal Federal, o próprio Tribunal e defenderam o retorno do draconiano Ato Institucional número 05, de 13 de dezembro de 1968. 

O ex-juiz federal que comandou a operação lava jato, por meio de uma sucessão de atos notórios praticou uma série de violações à Constituição que levaram à fragilização da ordem democrática, implantada a partir da Nova República, que hoje permite que as instituições políticas sejam cotidianamente atacadas e agredidas por pessoas autoritárias e com nítidas características fascistas. 

Portanto, o ex-Juiz Federal Sérgio Moro, como também os integrantes da Força Tarefa da Lava jato de Curitiba,  deveriam responder por todos os atos que provocaram a instabilidade institucional, que tantos danos causaram e causam até hoje ao país, em atentado direto à ordem constitucional e ao Estado Democrático de Direito, uma vez que, sob o falso argumento de combate à corrupção, promoveram seletivas perseguições políticas, por meio de uma perigosa e articulada organização que se formou dentro da estrutura estatal repressiva e que tinha fins políticos particulares.

Para alcançar seus objetivos, interferiram diretamente nas eleições presidenciais de 2018 e favoreceram a vitória de Jair Bolsonaro e da extrema direita, que hoje ameaçam e atacam abertamente as instituições políticas, a democracia e a vida dos brasileiros.  De fato, se temos um governo de viés fascista e autoritário no Brasil, Sérgio Moro colaborou muito para que isto ocorresse; sendo ele e Bolsonaro frutos da mesma árvore contaminada, pois ambos desprezam o povo, a soberania e o desenvolvimento do Brasil.

Tendo em mente que, quando era juiz, Sérgio Moro provocou tanta destruição e promoveu tanto desrespeito à Constituição, fico imaginando, então, o que mais ele se atreverá a fazer, sendo Presidente da República.

Na próxima semana, no último artigo da série, falaremos sobre a destruição da ordem constitucional econômica promovida por Sérgio Moro, que colaborou para a ampliação do desemprego e a destruição de importantes empresas brasileiras e abriu o caminho para que a Petrobras viesse a ser controlada por acionistas minoritários norte-americanos, os únicos que hoje lucram com a atividade da empresa que já foi um dia orgulho dos brasileiros.

*Doutor em ciência política (IUPERJ), com pós-doutorado (CPDA/UFRRJ), mestre em Direito (UFRJ) e graduado pela  Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), integrando a diretoria no mandato de 2020/2021, e diretor de Direitos Humanos da Casa da América Latina.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse