INVESTIGAÇÃO

Estado do RJ tem quase 10 mil inquéritos sobre mortes de adolescentes e crianças sem conclusão

Entre crimes dolosos, os homicídios consumados ou tentados provocados por arma de fogo são a maioria

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Ágatha Félix, de oito anos, foi assassinada por um tiro de fuzil durante uma operação policial, no Complexo do Alemão, em 2019
Ágatha Félix, de oito anos, foi assassinada por um tiro de fuzil durante uma operação policial, no Complexo do Alemão, em 2019 - Reprodução/ Facebook

Quase 10 mil inquéritos sobre mortes de crianças e adolescentes tramitam nas delegacias de polícia do Estado do Rio de Janeiro, desde o ano 2000, sem qualquer conclusão. É o que mostra uma pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Rio, que analisou dados da Secretaria de Polícia Civil e do Instituto de Segurança Pública (ISP), de forma comparativa.

De 9.542 casos de homicídios de pessoas de 0 a 17 anos cujas investigações estão em aberto, 79,5% (7.585 de 9.542) são crimes dolosos e 20,5% (1.957 de 9.542), culposos. A cidade do Rio de Janeiro concentra 34,5% do total de casos (3.298 de 9.542 ocorrências).  

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No conjunto geral de crimes dolosos praticados contra crianças e adolescentes, entre 2000 e 2021, os mais representativos são os homicídios consumados ou tentados provocados por projétil de arma de fogo, que correspondem a 62,5% dos crimes dolosos (4.743 de 7.585) e 50% do total (4.743 de 9.542), seguidos dos homicídios relacionados à atividade policial (intervenção policial, oposição à intervenção policial e autos de resistência), que juntos representam 10,7% dos crimes dolosos (811 de 7.585) e 8,5% do total (811 de 9.542).

Sobre os crimes culposos em aberto neste período, a maioria está relacionada com meios de transporte: acidentes de trânsito, colisão com ponto fixo, queda de interior de veículo, queda de composição ferroviária, capotagem, colisão do veículo, atropelamento e atropelamento ferroviário que, juntos, representam aproximadamente 72% dos crimes culposos (1.409 de 1.957). Além desses eventos relacionados a carros e trens, há mortes provocadas por queda da própria altura e projétil de arma de fogo. 

Tempo de espera

Há procedimentos que tramitam desde o ano 2000, mas a média de todos os procedimentos é de 3.060 dias, ou seja, cerca de oito anos e três meses. O tempo menor de tramitação é de 36 dias e o maior, de 21 anos. 
  
A pesquisa comparou, ainda, dados recebidos do Instituto de Segurança Pública, a respeito de registros de ocorrência envolvendo crimes que resultaram na morte de crianças. Do universo possível de comparação (as bases de dados têm períodos distintos) constatou-se que 8 em cada 10 procedimentos ainda estão em aberto (cerca de 81%).

"Precisamos avançar muito no combate às perdas antecipadas de vidas. Essas cifras são vidas. Prevenir é possível, sendo certo que a responsabilização efetiva é uma dessas formas. Esses números são inaceitáveis num país que pretende assegurar, com prioridade absoluta, os direitos de crianças e adolescentes", disse o defensor público Rodrigo Azambuja, coordenador da Coordenação de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado (Coinfância).

Crimes por faixa etária

No  grupo de 0 a 4 anos de idade, o crime que mais afeta essa faixa etária é o homicídio culposo não especificado, com 389 ocorrências, seguido pelo homicídio doloso não especificado, que equivale a 106 casos. Já as crianças de 5 a 9 anos são atingidas, principalmente, pelos crimes culposos relacionados ao trânsito (106 casos), acompanhados da tentativa de homicídio decorrente de projétil de arma de fogo, com 83 ocorrências.

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As faixas etárias de 10 a 11 anos aparecem igualmente afetadas pelos crimes culposos relacionados ao trânsito e tentativa de homicídio decorrente de projétil de arma de fogo, ambos com 68 ocorrências, seguidos de perto, com 67 casos, pela forma consumada deste último crime. 

O grupo de 12 a 17 anos é expressivamente marcado pela ocorrência homicídios dolosos em decorrência de projétil de arma de fogo em sua forma consumada (3.056) e tentada (1.308), acompanhados de perto pelo homicídio doloso não especificado em sua forma consumada (672) e tentada (737). 
     
A pesquisa aponta ainda que os homicídios relacionados à atividade policial (tentados e consumados) são muito expressivos no grupo que compreende as idades de 12 a 17 anos. Enquanto 10,4% dos crimes relacionados a essa faixa etária são desse grupo (802 de 7.675), essa correspondência é menor do que 1% para as demais faixas etárias. Esse grupo representa, ainda, 98,6% das mortes em decorrência de auto de resistência (350 de 356). A capital abrange quase 74% de todas as mortes de crianças e adolescentes classificadas como resultado de auto de resistência (264 de 356).

Depois de analisar as bases de dados remetidas, fica claro que a causa da letalidade varia de acordo com a faixa etária. É preciso investir para reduzir a circulação de armas (maior causa da morte de adolescentes), e em estratégias seguras de trânsito de veículos (maior causa da morte de crianças) - a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça, Carolina Haber, que coordenou o trabalho.

A ideia da obtenção desses dados e realização da pesquisa foi dar luz à discussão do tema, que é foco da Lei 9.180 de 2021, conhecida como Lei Ágatha Félix. Ágatha era uma menina de 8 anos, que foi assassinada por um tiro de fuzil durante uma operação policial, no Complexo do Alemão, em 2019. A lei dispõe, dentre outras coisas, sobre a prioridade de investigação nos crimes cometidos contra crianças e adolescentes e que tenham resultado morte.  

A pesquisa foi realizada pela Diretoria de Pesquisa da Defensoria Pública do Rio, a pedido da Coordenação de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (Coinfância). 

"A pesquisa mostra o que ouvimos de muitas famílias: lentidão e demora na apuração de crimes envolvendo seus filhos. O Estado precisa dar uma resposta a essas mães e pais sobre o que aconteceu com suas crianças", afirmou a defensora Paola Gradin, coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDEDICA), da Defensoria Pública do Rio.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Eduardo Miranda