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Despejo zero: a luta popular e jurídica continua

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Mesmo após a decisão cautelar do ministro Barroso em junho de 2021, juízes seguiram determinando despejos, que só foram suspensos pelo STF em reclamações constitucionais - Campanha Despejo Zero
A maioria da magistratura brasileira historicamente se centra na defesa da propriedade privada

Em 1 de dezembro de 2021, o Ministro Barroso do STF determinou na ADPF 828 a prorrogação do prazo de suspensão temporária de desocupações e despejos até 31 de março de 2022, tendo em vista que a pandemia não está controlada (cita expressamente a nova variante ômicron em seu argumento) e se observa o aumento do número de pessoas desabrigadas. Ressaltou ainda que a tutela do direito à moradia funciona como condição de garantia da saúde pública.

A nova decisão de Barroso foi importante por dois motivos: a) estendeu seus efeitos também para as áreas rurais, por não existir “justificativa razoável para se proteger pessoas em situação de vulnerabilidade nas cidades e não no campo”; b) adotou o princípio da prevalência da regra mais protetiva, acolhendo os dispositivos da Lei nº 14.216/2021, “tanto por uma postura de deferência institucional, quanto porque a lei foi mais favorável às populações vulneráveis em diversos aspectos”. A decisão foi referendada pela maioria dos ministros do STF.

Essa decisão foi resposta ao pedido feito pelo PSOL em articulação com a Campanha Despejo Zero e é uma ferramenta muito importante para impedir que mais de 123 mil famílias sejam despejadas de suas casas nesse final de ano.

A maioria da magistratura brasileira historicamente se centra na defesa da propriedade privada desconsiderando o atendimento à função social e o direito à moradia adequada de famílias em situação de vulnerabilidade social, contribuindo para a segregação socioespacial.

Esse foi o padrão da atuação de juízes e desembargadores no contexto da grave crise sanitária instaurada em 2020. A pesquisa “Fique em casa? Remoções forçadas e Covid-19” sobre a atuação do judiciário fluminense demonstra que a pandemia não foi uma justificativa relevante para a suspensão de despejos entre 6 de fevereiro de 2020 e 6 de fevereiro de 2021, apesar das orientações dos órgãos de saúde pública para as pessoas permanecerem em casa.

Mesmo após a decisão cautelar do ministro Barroso em junho de 2021, juízes seguiram determinando despejos, que só foram suspensos pelo STF em reclamações constitucionais evitando que milhares de famílias fossem colocadas na rua no contexto da pandemia. E infelizmente há casos em que mesmo com as reclamações constitucionais protocoladas os juízes de primeiro grau seguiram com as ordens de desocupação e despejos, como no caso da Comunidade Dubai, em João Pessoa na Paraíba, onde cerca de 400 famílias foram violentamente desalojadas no último dia 23 de novembro de 2021, sem direito ao contraditório e à ampla defesa.

Em 2017, uma pesquisa sobre conflitos urbanos no poder judiciário identificou que os juízes, em geral, não mobilizam em suas decisões diplomas internacionais e o direito constitucional à moradia adequada. Em recente pesquisa para o Conselho Nacional de Justiça foi identificado que não chegam a 20% os processos em que existe menção a convocação de audiência de justificação de posse; em menos de 2% dos processos há menção às inspeções judiciais; as audiências de conciliação e mediação são apenas mencionadas em 20% dos processos, embora o atual Código de Processo Civil estabeleça a obrigatoriedade para áreas ocupadas há mais de um ano e um dia.

Esse padrão de atuação da magistratura brasileira nos conflitos fundiários exige que os efeitos da cautelar sejam prorrogados enquanto perdurarem os efeitos da pandemia da Covid-19, pois vivemos um aprofundamento da crise social, com aumento do desemprego, do valor da cesta básica, da luz, do gás de cozinha e do preço dos aluguéis. Que a decisão do Supremo possa contribuir para a construção de novos paradigmas para os julgamentos dos conflitos fundiários urbanos e rurais e que sejam construídas políticas públicas de habitação por interesse social, regularização fundiária, reforma urbana e reforma agrária.

#NatalSemDespejos #DespejoZero

*Este artigo foi escrito por Mariana Trotta Dallalana Quintans, Fernanda Maria Vieira, Viviane Carnevale, Matheus Nascimento, Mariana Guimarães, Ana Claudia Tavares e Rafaelly Galossi, integram o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP) Luiza Mahin da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Os autores contribuem com a Campanha Despejo Zero e constroem o Instituto de Pesquisa em Direito e Movimentos Sociais (IPDMS). Hugo Belarmino de Morais - Professor Adjunto do Departamento de Ciências Juridicas da UFPB. Coordenador do Projeto de Extensão e Pesquisa OBUNTU - Observatório Interdisciplinar e Assessoria em Conflitos Territoriais. Membro do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB. Integrante do IPDMS. Erika, coordenação geral da Turma Fidel Castro, pesquisadora do OFUNGO (Observatório Fundiário Goiano/ UFG - campus Goiás). Integrante do IPDMS.

**Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira