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"Lula sabe que o fator ecológico é estratégico e fundamental", diz Leonardo Boff

No último BDF Entrevista do ano, teólogo fala sobre os rumos da sociedade, o papa Francisco e a importância do Natal

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Em entrevista, Leonardo Boff fala sobre Lula, Bolsonaro, o Papa Francisco e os rumos da sociedade
Em entrevista, Leonardo Boff fala sobre Lula, Bolsonaro, o Papa Francisco e os rumos da sociedade - Divulgação
Talvez [Francisco] seja hoje o líder político mais importante da humanidade

Os debates sobre o clima deverão pautar os governos em todo o planeta nos próximos anos. Os desastres relacionados às alterações na temperatura da Terra têm se avolumado e colocam milhões de pessoas em risco, em geral, os mais pobres. 
 
Por isso, os acordos entre nações para barrar essas mudanças se tornaram prioridade nas mesas de negociações. Hoje, inclusive, são impeditivos para a conclusão de avanços comerciais como o, até então, estacionado acordo entre o Mercosul e a União Europeia. 
 
Para o teólogo e ecologista, Leonardo Boff, apesar do Brasil ter perdido o protagonismo nos debates sobre o tema, as eleições de 2022 serão decisivas para retomarmos o trilho do progresso ambiental: 
 
“Há uma razão importante de nós sabermos escolher, já no ano que vem, aqueles que nos vão governar e aqueles que vão cuidar da natureza, porque sem isso nós cometemos um crime contra a humanidade.” 
 
Boff, que é o convidado desta semana no BDF Entrevista, aposta que o candidato petista, Luiz Inácio Lula da Silva, soube reciclar suas propostas de governo e deve apresentar planos robustos para a proteção do meio ambiente no Brasil:
 
“Eu acho que está ocorrendo, em toda a sociedade, especialmente no líder mais importante, que é Luiz Inácio Lula da Silva, e eu posso constatar isso, porque o visitei duas vezes, levei literatura, e ele incorporou como algo estratégico, fundamental, o fator ecológico”, diz o teólogo. 

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“Ele vinha da luta operária, dos direitos dos trabalhadores, o direito a comer, de terem salários melhores, mas não tinha muita sensibilidade para a natureza. Mas agora ele despertou e se deu conta que, ou salvamos nossa natureza, a riqueza ecológica que temos, ou nós não vamos ter futuro para o Brasil e para nosso povo”.
 
Na conversa, Boff também fala sobre ecossocialismo, os rumos da sociedade, o governo Bolsonaro e o papa Francisco. 
 
Talvez [Francisco] seja hoje o líder político - embora ele seja um líder religioso - mais importante da humanidade, porque ele fala às consciências dos chefes de estado, que eles têm que acolher os emigrados climáticos, aqueles que vêm da África, vem do Oriente Médio, fugindo das guerras e do extermínio”. 

Confira a entrevista na íntegra:
 
Brasil de Fato: O senhor tem se dedicado cada vez mais aos estudos e análises da ecologia e da proteção do meio ambiente. Em um artigo recente, o senhor lembra que é necessário fazer um novo “contrato natural” com a Terra, mas a gente vê um avanço implacável do neoliberalismo. Como o senhor tem visto essa balança? 
 
Leonardo Boff: O manto de tristeza se estende sobre toda a humanidade e duplamente sobre o nosso país, pelo coronavírus e pelo desastre da condução política. Então, dentro dessa tristeza coletiva, nós queremos ainda assim, celebrar, porque não há tristeza quando nasce a vida, a vida no caso de Jesus. 
 
É importante que todos garantam a vacina, as medidas higiênicas, mas quase ninguém vê o contexto dentro do qual surgiu o coronavírus.

O contexto é a natureza que foi invadida, esse pequeno vírus que tiveram seu habitat destruído e eles, não sabendo para onde ir, se jogaram em cima de outros animais próximos a nós, ou diretamente sobre nós, então nós somos responsáveis por esse desastre que atingiu só a humanidade e a inteira humanidade. E não nossos animais de estimação, nossos gatos, os nossos cachorros. 

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Então é um fenômeno do antropoceno do necroceno, isto é, aquela nova era geológica, no qual, nós, seres humanos, somos aqueles que mais ameaçam a vida. Sobre isso, nas entrevistas, quase ninguém fala com o risco de nós voltarmos à antiga normalidade, que é cruel e sem piedade. 
 
Nós temos que ter um novo começo na pós pandemia para que não cheguem outros vírus letais, que poderão vir se nós não cuidarmos da natureza e cuidarmos uns dos outros. 
 
Os anos Bolsonaro tiveram desmatamento recorde da Amazônia. Vimos queimadas históricas em várias regiões, em áreas de reserva ambiental e indígena, por exemplo. O garimpo se expandiu a ponto de vermos agora recentemente o registro de uma caçada pelo ouro com embarcações no Rio Madeira, que levou dias e dias para ser reprimida. É possível retomar tudo o que perdemos aqui no Brasil desde 2018? 
 
A região amazônica, que engloba nove países, 60% dela está no Brasil, ela é fundamental para o equilíbrio dos climas do planeta e pela biodiversidade também, pelas águas que estão lá. O Brasil é a potência mundial de água doce. Far-se-ão guerras para garantir o acesso à água doce. 
 
Nós podemos ser a mesa posta para as fomes e sedes do mundo inteiro, mas temos um presidente que se fez aliado do vírus, que é dominado pela pulsão de morte, que favorece o desmatamento, favorece a extração de madeira, favorece o garimpo, a invasão das terras dos indígenas, porque os indígenas são nossos mestres e doutores, eles sabem como cuidar da natureza. 
 
Ele os despreza, os considera selvagens, nem inteiramente humanos. Então nós precisamos derrotá-lo democraticamente, varrê-lo da cena política para salvar o Brasil e ajudar a humanidade a ter um futuro de mais esperança.

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Então, acho que é uma razão importante de nós sabermos escolher, já no ano que vem, aqueles que nos vão governar e aqueles que vão cuidar da natureza, porque sem isso nós cometemos um crime contra a humanidade. 
 
E isso, me disse um grande prêmio Nobel da Economia, [Joseph] Stiglitz, quando fui à ONU (Organização das Nações Unidas), dar uma palestra a pedido dele, sobre água, sobre a terra, ele me interpelou dizendo: “Boff, vocês são responsáveis pelo futuro da humanidade. Se vocês cuidam ou dilapidam a região amazônica, vocês afetam a humanidade inteira. Nós temos uma responsabilidade grande, de alimentar o nosso amor à vida e rejeitar todos os inimigos da vida. 
 
O Brasil teve seus melhores anos calcados no desenvolvimentismo, expandindo o crescimento, inclusive, sobre áreas verdes. O senhor acredita que há espaço para mudar essa mentalidade daqui em diante?
 
Eu acho que está ocorrendo, em toda a sociedade, especialmente no líder mais importante, que é Luiz Inácio Lula da Silva - que as pesquisas indicam a vantagem para ser o nosso futuro presidente - ele, na prisão, e eu posso constatar isso, porque o visitei duas vezes, levei literatura, e ele incorporou como algo estratégico, fundamental, o fator ecológico. 
 
Porque ele vinha da luta operária, dos direitos dos trabalhadores, o direito a comer, de terem salários melhores, mas não tinha muita sensibilidade para a natureza. Mas agora ele despertou e se deu conta que, ou salvamos nossa natureza, a riqueza ecológica que temos, ou nós não vamos ter futuro para o Brasil e para nosso povo.

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Então, eu estou muito feliz, uma razão a mais para garantir que ele possa reassumir o poder e fazer mais e melhor, de forma mais radical, aquilo que ele mostrou que pode fazer no meu modo de ver. Não sou político, não pertenço ao PT. Eu quero ser um cidadão que observa. 
 
No espaço político que eu vejo, ele é a única pessoa com carisma, com confiança do povo, com capacidade, porque ele mostrou que é capaz de tirar o Brasil dessa tragédia, desse poço dramático em que nós fomos metidos injustamente, sacrificando milhares e milhares de vidas. 
 
Para além dos debates sobre esses limites do desenvolvimentismo, muitos apontam a necessidade de se colocar em evidência um ecossocialismo, que encontra lugar em parte da obra de Marx, e pregado por vários intelectuais. O senhor acredita que é hora de pautar esse tipo de debate, principalmente no campo progressista?
 
Eu acho que a grande discussão mundial hoje é sobre qual o modelo de sociedade e de mundo que nós queremos no pós pandemia. A gente sabe que os multi miliardários estão articulando aquilo que eles chamam de great reset, a grande reinicialização, que é uma implantação mais radical do capitalismo, numa espécie de despotismo cibernético, controlando cada uma das pessoas de toda a sociedade para garantir as fortunas dele. 
 
Eu acho que isso não vai prosperar. Quem vai nos derrotar será a Terra, porque ela é um planeta pequeno, com bens e serviços não renováveis, que impedem um crescimento ilimitado. Vai derrotar esse sistema. 
 
Mas eu acho que há vários modelos que são viáveis e eu acho que o ecossocialismo é um deles, porque primeiro coloca o social no centro, quando todo o sistema capitalista neoliberal coloca o indivíduo no centro, coloca o lucro no centro, coloca a competição e a acumulação nas pessoas. 
 
Aqui não se coloca o social no centro, e no social, porque nós vivemos enraizados na natureza, o social enraizado na ecologia. Então, no pacto natural que fazemos, a Terra nos dá tudo, e nós precisamos retribuir com cuidado e carinho com a Terra. 
 
Eu acho que o ecossocialismo é uma grande proposta, realizável. Não é o socialismo clássico da União Soviética, que não era socialismo, era uma ditadura de estado. Agora o socialismo é dar tudo aquilo que eu posso de colaboração e receber tudo aquilo que eu preciso. Isso é o maior ideal da humanidade.
 
Eu acho que hoje temos condições, temos infra-estrutura técnico científica, temos capitais para podermos realizar esse modelo que, eu acho que agora, que estamos dentro da casa comum, não temos outra, todas as culturas e nações estão se encontrando dentro da casa comum, nós temos que aprender a conviver. 
 
Por isso nós somos o centro, não o indivíduo. Esse projeto tem alternativa, é viável, é generoso, profundamente humanístico, faz justiça às pessoas e justiça à Terra. Realiza as duas justiças, a humana e a natural. E aí nós nos salvaremos e garantiremos um futuro de esperança para todos.
 
Gostaria de refletir com o senhor sobre as ações do homem. Desse outro lado da balança ambiental, estão as ações do homem. E para além de apontar culpados, gostaria de lhe perguntar sobre o momento da nossa sociedade, que, obviamente, não é uma exclusividade brasileira. Há sentimentos extremados em todos os pólos da Terra. Esse sintoma dos nossos tempos, já era esperado ou a gente tomou um rumo inesperado no caminho?
 
Veja, eu acho que pertence ao processo histórico. Nós vivemos - porque a história não é linear, ela dá saltos e tem rupturas - e existem duas categorias que são constantes, cosmológicas e marcam até a evolução do universo, da sociedade, até nós mesmos somos marcados por ela, que são as categorias do caos destrutivo e uma nova ordem, do caos construtivo.
 
Nós passamos pelo caos destrutivo. Esse tipo de mundo que temos tem que ser destruído, senão ele vai destruir a humanidade, seja com bombas nucleares, químicas, ecológicas ou a própria Terra vai se libertar de nós, porque ameaçamos todas as demais espécies.
 
Dentro desse caos está se formando o cosmos, uma nova ordem. Ele limpa tudo isso e emerge uma nova ordem,  superior, mais complexa, mas que engloba mais as pessoas e a natureza e inicia uma nova fase da história, mais alta, mais equilibrada, mais justa.
 
Nós estamos nessa fase dolorosa. É como uma crise. A pessoa passa por uma crise, sofre entra em depressão, mas de repente irrompe um novo horizonte de esperança, a pessoa ganha vida e novo sentido de sua história. 
 
Assim é com o Brasil, assim é com a humanidade. Então, o caos atual que se revela pelo ódio das pessoas pela dilaceração do tecido social, pela violência misógina, especialmente pela covarde rejeição dos pobres e marginalizados, isso tudo é expressão desse caos. 
 
Mas ele nos alimenta mais e mais a esperança ou o esperançar de Paulo Freire, que vai surgir uma sociedade de mais amorosidade, onde seja menos difícil o amor e isso eu acho que nós vamos potenciar, com a nossa consciência, fazendo as nossas mudanças, sabendo escolher nossos governantes e nós mesmos mudando, nós mesmos, juntos com os nossos grupos, para que esse salto na direção de um mundo diferente e melhor, seja mais acelerado e seja iminente. 
 
Eu vejo que vai ser esse o destino, porque a vida vai predominar sobre a morte, que vai ser o destino bom para a Terra inteira, para nós brasileiros, aqui nessa pequena província que Darcy Ribeiro dizia que é mais brilhante e mais bela de todas as províncias, que é a província Brasil. 
 
A pandemia de covid-19 aumentou ainda mais o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. Mas, ao mesmo tempo, nós vimos uma onda de solidariedade importantíssima. Essa mentalidade do compartir tem força para permanecer entre nós?
 
Os grandes biólogos que descodificaram o código genético, isto é, descobriram a mesma base biológica que todos os seres vivos têm e também nós, seres humanos, que são 20 tijolinhos, com quatro tipos de cimentos diferentes, e daí construímos toda a biodiversidade e construímos também a vida humana, esses grandes dizem que está no código genético, dentro da inscrição da nossa existência, um instinto de solidariedade, um instinto de amor.
 
Não porque queremos ou não queremos, porque é um impulso maior da nossa vida, vivermos em solidariedade. Porque convivemos, nós não vivemos, convivemos já na família, na sociedade, no trabalho. Então, eu acredito que agora que está predominando o egoísmo, a rejeição, cada um se afirmando. 
 
Mas também se mostrou no Brasil inteiro, e mesmo agora, com os desastres que estão ocorrendo nos Estados Unidos, no nosso país, na Bahia, Minas Gerais, a imensa solidariedade das pessoas que trazem centenas de itens, toneladas de alimentos, de roupa.
 
Especialmente, porque acompanhei em nível nacional, o MST, Movimento dos [Trabalhadores Rurais] Sem Terra, tão criticado pela mídia empresarial, pela classe dominante, pela elite do atraso e foi o grupo que mais solidariedade mostrou, deu toneladas de alimentos orgânicos, milhares e milhares de quentinhas distribuídas nas periferias para atender a fome do nosso povo, se organizaram ao nível do país inteiro, reservando a até um pedacinho da terra que eles têm para plantar e distribuir pelo Natal, para que todo mundo possa comer fartamente no dia do Natal.
 
Há solidariedade, mas ela ainda não é o centro, não é só em momentos trágicos, ela deve ser cotidiana, deve ser atitude básica, de sermos solidários com os outros, estendermos a mão para o caído, enxugar uma lágrima, sermos humanos, termos empatia, coisa que o nosso presidente nunca mostrou, por isso ele é cruel e sem piedade. 
 
Nós queremos mostrar nossa humanidade, nossa cordialidade, aquilo que nasce do coração e aí nasce amor, simpatia, valores éticos e espiritualidade que nos podem redimir como humanos, junto com os demais seres humanos, nunca sozinhos, sempre com o nós, nós juntos, uns com os outros, abrindo um futuro de esperança e bom para todos, para nós e para a natureza também. 
 
O papa Francisco começou o seu papado com muita energia, pautando uma série de temas importantes, mas logo esses avanços saíram dos debates cotidianos. A estrutura, o establishment da Igreja foi quem, de alguma maneira, o silenciou?
 
Veja, os europeus e Roma, onde está a Cúria Romana, administração da Igreja, que já tem quase 2.000 anos, não estavam acostumados a um papa que veio do fim do mundo, que veio do caldo cultural da teologia da libertação, da opção pelos pobres, da simplicidade. Não quis morar no Palácio, foi morar numa casa de hóspedes.
 
Ele renunciou a todos aqueles títulos, aquelas roupas faraônicas que herdaram dos pagãos, dos imperadores romanos, jogou disso tudo fora e disse:

“O Carnaval acabou, agora começa o papa amigo dos pobres, humano, que sofre com os que sofrem, ri com os que riem, um papa diferente". Eles não estão acostumados com um papa humano, estão acostumados com um papa imperador, um faraó que está ali com toda a pompa e glória, vivendo em palácios. 
 
Por isso fazem oposição a ele, e ele não se incomoda, porque é um homem carismático. Mas graças a Deus e em parte influência de nós, teólogos, amigos dele, porque o conhecíamos antes, ele era do nosso grupo e nós o pressionamos e dissemos: “Santidade” e ele disse: “Santidade não, Boff, santidade é o Dalai-Lama, eu sou Francisco”. Humano como nós. 
 
Então, nós dissemos a ele: “É importante que o senhor combata os pedófilos, as roubalheiras do banco Vaticano, mas, mais importante, que o senhor ajude a salvar a vida, ajude salvar a casa comum e tratar da ecologia”. Ele disse: “Muito bem, então me ajudem”. E mandamos materiais para ele, fez duas encíclicas extraordinárias, que os grandes nomes da ecologia disseram: “O papa está na ponta da discussão ecológica mundial”. 
 
Não é só uma ecologia verde, uma ecologia integral que pega o ambiente, a cultura, a política, o cotidiano, a espiritualidade. Então, os dois documentos dele, Como Cuidar da Casa Comum, (Laudato Si), e o último, Fratelli Tutti, (Todos Irmãos e Irmãs), junto com a natureza, também tida como irmã e irmão, nós podemos salvar o planeta. E ele assumiu isso e está tendo uma liderança mundial. 
 
Talvez seja hoje o líder político, embora ele seja um líder religioso, o líder político mais importante da humanidade, porque ele fala às consciências dos chefes de estado, que eles têm que acolher os emigrados climáticos, aqueles que vêm da África, vem do Oriente Médio, fugindo das guerras e do extermínio.

E o papa disse: “Eles estão aqui, porque antes nós estivemos lá, dominando suas terras, roubando as suas riquezas e nós fomos acolhidos. Agora eles vêm e nós não queremos acolhê-los, porque nós perdemos o sentido da solidariedade, perdemos a humanidade e os rejeitamos. Desaprendemos a chorar com quem chora”. 
 
Então, ele é capaz de fazer essa crítica e chama esses sistemas que nos dominam - ele nunca usa o termo capitalismo, porque seria afinar demais - mas usa um sistema que se concentra na acumulação, no dinheiro, na riqueza, ele é perverso, ele é assassino, temos que superá-lo. É o capitalismo, todo mundo entende. É um aliado nosso, que vem aqui de baixo. 
 
Queria pedir ao senhor, para encerrar nossa conversa, uma mensagem de Natal.
 
Natal é mais que uma festa, festa importante, festa da família, o Natal é um espírito, um espírito de fraternidade, de reconciliação. Na ceia de Natal, às vezes até amigos que estavam com certa indiferença, certa rixa. Aí, se esquece tudo, há uma grande confraternização. Mas é o mais importante: que Deus não aparece como um ancião barbudo, ou como um juiz severo, com os olhos penetrantes. Ele se apresenta como uma criança. A criança sempre é admirada, sempre recebe ternura. 
 
É importante que nós seremos julgados, não por um Deus, juiz severo. Seremos julgados por uma criança, criança não quer julgar ninguém, ela quer ser acolhida, quer brincar, quer estar perto de todos. Então, nunca esqueçamos isso. Dentro de cada um de nós, sejam nossas crianças, seja cada pessoa adulta, há uma criança lá dentro, que quer ternura, quer compreensão quer amor. Todos tem sede dessa proximidade. 
 
Deus se fez próximo a nós. Ele se apaixonou tanto pelo ser humano que disse: “Eu quero também ser humano”, sofrer conosco, se alegrar conosco, caminhar conosco e até morrer conosco, mas defendendo os pobres e garantindo o futuro da vida. Então, no Natal celebramos essa beleza que Deus é pertinho, perto de nós. Que ele se fez criança e, não simplesmente, um Deus distante.
 
Como disse Fernando Pessoa no seu famoso hino, uma poesia sobre o Natal: “Ele é o Deus que faltava, é a criança tão humana que é divina. Humano, assim como Deus, que se revelou no Natal, só Deus mesmo”. Então, sintamos, abracemos nossas crianças, beijemo-las como se nós fizéssemos ao menino Jesus e cada um de nós descubra a criança que está dentro dela, isto é, capacidade de amor, de ternura, de compreensão, de proximidade um com outro, porque esse é o espírito de Natal. 
 
Se isso triunfar e ficar realmente um espírito, e não só uma festa passageira, nós sairemos mais fortalecidos, com mais capacidade de esperar, e a esperança não de braços abertos. Como Paulo Freire, disse, “esperançar”, que é criar as condições para que a esperança seja efetiva, que nós saiamos dessa crise melhores, mais humanos, mais saudáveis, com uma natureza mais protegida e nós, com mais empatia e solidariedade, uns para com os outros.

Edição: Leandro Melito