Paraíba

AMEAÇA AOS INDÍGENAS

Terras indígenas de Conde sofrem ameaças por normativa da Funai e novo zoneamento da cidade

MPF aciona Justiça para sustar norma da Funai que facilita empreendimentos em território Tabajara e Potiguara

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |

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Terras tabajara de Conde. - Ednaldo Tabajara

As Terras indígenas de Conde estão sob ameaças de especulação imobiliária por causa da normativa da Funai, da votação do marco temporal e da proposta apresentada pela prefeita Karla Pimentel (Pros) de novo zoneamento para o município de Conde, litoral sul da Paraíba. São vários ataques, entenda cada um deles a seguir.

Instrução normativa n° 9 da FUNAI

A Instrução Normativa nº 9/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai) libera que áreas territoriais indígenas em processo de demarcação possam ser transferidas de titularidade. Tal ação coloca em risco várias áreas que ainda não estão demarcadas, como é o caso do território indígena tabajara, no litoral sul do estado, área de forte especulação imobiliária e o território indígena Potiguara de Monte Mór (nos municípios de Marcação e Rio Tinto, no litoral norte).


Na Vila de Monte-Mór, em 2004. / Estêvão Palitot

A instrução normativa da Funai permite que áreas territoriais indígenas em processo de demarcação do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) - que é um sistema onde constam as áreas públicas do Estado Brasileiro - sejam ocultadas e que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) utilize como base esses dados, podendo transferir a propriedade de terras das áreas que estão em processo de demarcação, para outros. 

Por isso o Ministério Público Federal solicitou, no dia 10 de dezembro, a suspensão imediata dessa instrução normativa, já que tal fato coloca em risco as terras indígenas potiguara e tabajara, que estão em processo de demarcação, desconsiderando a existência desses territórios.

A instrução normativa da Funai representa um retrocesso na proteção socioambiental porque incentiva a grilagem de terras e os conflitos fundiários.

Como forma de amenizar futuros conflitos, o MPF também recomendou à Prefeitura de Conde que não autorize nenhum empreendimento dentro dos limites das terras indígenas tabajara, e caso, haja algum licenciamento ter sido concedido dentro das áreas indígenas, que este seja imediatamente suspenso. Além disso, o MPF também solicitou que a Prefeitura de Conde informe, até o dia 6 de janeiro, quais empreendimentos estão licenciados ou solicitaram licenciamento, no interior do território indígena, assim como  que qualquer mudança no zoneamento da cidade de Conde não mude ou redefina o território indígena para área urbana. É o que nos explica o Procurador da República na Paraíba, José Godoy.

"Em relação à ação proposta contra o Incra e a Funai, deve-se ao fato de que em 2020, a Funai ter editado e publicado uma portaria liberando terras indígenas que estão em processo de demarcação de serem livremente negociadas no mercado imobiliário, retirando proteção dessas terras. Isso afeta diretamente os povos potiguaras, especialmente a terra indígena potiguara de Monte Mor, no litoral norte do estado da Paraíba e as terras indígenas dos povos tabajaras, no litoral Sul, especificamente na cidade de Conde. Então essa recomendação é para que essas instrução normativa n° 9 não seja mais utilizada, mantendo-se a instrução anterior que garante a proteção das terras indígenas, que não estejam sujeitas a especulação imobiliária, inclusive durante o processo de demarcação", explicou José Godoy.

A recomendação que o MPF fez à cidade de Conde afirma: "é um extensão de recomendação semelhante que tínhamos feito para Sudema e Ibama para que não se autoriza nenhum tipo de construção, empreendimento, dentro das  terras questão sendo demarcadas. Vale salientar que é dever de todos os órgãos públicos cumprir a Constituição e está na Constituição que as terras indígenas serão preservadas e mantidas para que os povos indígenas tenham acesso a elas e possam usufruir nos termos da Constituição".


Momento de retomada de 10.000 hectares de terra entre os municípios de Conde, Alhandra e Pitimbu, pelos povos tabajara da PB. / Carmelo Fioraso/CPT

De acordo com os relatos históricos e etnográficos, o povo Tabajara ocupa a região do litoral sul da Paraíba desde o início da colonização. Ao longo dos séculos, ocorreram disputas pela posse da terra, com registro de ações violentas contra os povos indígenas, que não foram contemplados na divisão de terras, tendo permanecido como usuários destas, porém como meros ocupantes da terra, relegados à invisibilidade no âmbito das relações sociais e de propriedade, é o que diz o MPF na recomendação à Prefeitura de Conde.

O artigo 231 da Constituição do Brasil diz que: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." No entanto, um conflito entre indígenas e agricultores no estado de Roraima foi para no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009 e desencadeou uma tese, defendida pelos ruralistas, do  marco temporal.

Marco temporal

A tese do marco temporal, defendida pelos latifundiários e ruralistas, é a de que os indígenas brasileiros só teriam direito às terras que estavam demarcadas até o ano de promulgação da Constituição Brasileira, em 1988. No entanto, a história brasileira mostra que alguns povos não estavam em suas terras em 1988 porque a forma histórica de colonização do Brasil matou a maioria dos indígenas, e parte dos que sobreviveram, foram expulsos de seus territórios, diz o procurador do MPF na Paraíba, José Godoy.

O Cacique da Aldeia da Vitória, Ednado Tabajara, nos conta a história do povo tabajara, que confirma a história de violência da colonização contra os povos indígenas.

"A história do povo tabajara na Paraíba começa em 1573, quando tivemos um encontro com os portugueses no Rio São Francisco. Então esse foi o primeiro relato", diz cacique Ednaldo. Ele explica que na margem esquerda do rio Paraíba até o Ceará, ficou os potiguaras e à direita, os tabajaras até Alagoas. Mesmo brigados, os índios impediram que os portugueses chegassem ao que hoje é João Pessoa por 5 vezes. Ele também fala que os portugueses colocaram os potiguaras contras os tabajaras e só assim conseguiram implantar a Nossa Senhora de Filipéia. "Temos muitos parente mortos, muitos parentes que não resistiram. Muita luta. Vimos lutando desde 2006 para que pudéssemos resgatar esse território", explicou Ednaldo sobre o fator de violência que marcou a história dos povos indígenas. Ele também relatou sobre o processo de zoneamento que o município de Conde quer aprovar, tornando a área indígena em área urbana.

Já o cacique Paulo Tabajara, da aldeia Nova Conquista conta como o povo tabajara resistiu e como vê a ameaça do marco temporal e das políticas do governo Bolsonaro (PL) para o povo indígena brasileiro.

"Os povos tabajaras que foram silenciados enquanto vivíamos em nosso território, calados por mais de 100 anos. Nós estamos vendo nesse marco temporal é uma ferramenta de opressão, mais uma vez utilizado em cima de nossos povos indígenas. Nós que não estávamos aqui no Conde, mas ficamos porque o nosso território tabajara vai além de Conde. Nós tivemos a construção de João Pessoa feita pelos nossos parentes. Queremos lembrar que  a Constituição, ela podia nos dar mais, como pode e é de certo que ela nos garante, como a lei 231 e 232 da Constituição nos traz, mas infelizmente estamos passando por uma conjuntura política de rolo compressor, aonde a gente ver que somente uma fala desse governo, que aí está, está cumprindo, de opressão aos povos indígenas, de não trazer uma demarcação, de não ouvir e não receber os povos indígenas em sua originalidade", disse o cacique Paulo Tabajara.

No momento, os povos indígenas esperam a conclusão do julgamento do marco temporal pelo STF, que começou ser julgado em agosto desse ano, até o momento tem um voto contrário ao marco, a do ministro Fachin, e um a favor, do ministro  Kássio Nunes.

Zoneamento de Conde

Além de tudo isso, ainda há o risco iminente de mudar a  Lei de Zoneamento do município de Conde, transformando áreas que eram consideradas rurais, como é o caso do território indígena tabajara, em área urbana. Por isso, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) emitiu parecer contrário à tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLC) 001/2021, proposto pela gestão da prefeita Karla Pimentel (Pros).

Para o MPPB, o projeto tem "graves vícios e sérios riscos de dano ao meio ambiente urbanístico e à população. A aprovação do referido projeto de lei sem a realização dos estudos competentes possibilitará a ocorrência de efeitos negativos, até mesmo irreversíveis”, afirma.

Conheça a seguir a manifestação do MPPB sobre o projeto de zoneamento de Conde enviado à Câmara de Vereadores/as:

 

A Câmara Municipal de Conde ia votar a matéria na sessão desta segunda-feira (20), no entanto, o parecer do MPPB recomendou também nesta segunda (20), que : "entende-se pertinente a suspensão provisória do trâmite do projeto de lei complementar municipal nº 01/2021, até que o Poder Executivo Municipal realize atos, ações, discussões, debates, exposições, plebiscito, participação comunitária, consultas à órgão e entidades Municipais, Estaduais e Federais, pesquisas, análises, estudos técnicos, publicidade, esclarecimento e oitiva dos interessados (população), assim como realize planejamento urbanístico por corpo técnico competente para tanto".


*Matéria em áudio (produção e edição): Carolina Ferreira
 

Edição: Heloisa de Sousa