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Recessão, juros altos e dívidas devem alavancar a inadimplência em 2022, preveem economistas

Últimas projeções do mercado indicam que crescimento econômico esse ano pode chegar a zero; “hora de apertar os cintos”

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Ímpeto pelo endividamento pode até crescer, mas vai esbarrar em juros mais altos e em condições piores - Fernando Frazão/Agência Brasil

2022 talvez marque o fim de um ciclo que milhões de brasileiros preferiam ver pelo retrovisor. Mas de acordo com o provérbio, “antes de melhorar, piora”, e ao menos na parte econômica o ano que se inicia tende a ser ainda mais difícil.

Diante de indicadores financeiros e da proximidade das eleições presidenciais, economistas ouvidos pelo Brasil de Fato vislumbram um cenário recessivo e de juros altos - ao menos no primeiro semestre - que tende a frear contratações e ampliar a inadimplência, inclusive em modalidades mais desfavoráveis aos usuários, como o cartão de crédito. 

Mauro Rochlin, economista e professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reconhece que houve certa recuperação econômica no ano passado, mas insuficiente para chegar, e muito menos ultrapassar, o patamar anterior à pandemia, de acordo com os últimos indicadores divulgados até dezembro.

“As previsões de crescimento para esse ano são cada vez menos auspiciosas. Há 5 meses, as previsões giravam em torno de 2,5%, nesse momento as previsões estão entre 0 e 0,5%”, avalia Rochlin, que enumera algumas consequências: “maior endividamento, dificuldade das empresas, menor ritmo de contratação e inadimplência tanto para pessoas físicas quanto jurídicas”. 

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De acordo com dados do Banco Central, a concessão de crédito subiu 21,7% durante a pandemia, enquanto os juros ainda eram baixos. Agora, com a taxa Selic a quase 10%, após um último aumento em dezembro, o ímpeto pelo endividamento pode até crescer, mas vai esbarrar em juros mais altos e em condições piores. 

Sem perspectivas de retomada do crescimento e da queda do desemprego, os índices de inadimplência apontam para novos recordes em 2022. De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) em outubro, 75,6% das famílias do país tinham algum tipo de dívida a vencer no último mês, percentual mais alto da série histórica da pesquisa, realizada desde 2010.

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A economista Izis Ferreira, membro da CNC, comenta que essa taxa de inadimplência engloba contas de consumo, como luz, água e gás, “que costumam ser as últimas a serem deixadas em aberto”. Segundo ela, a inflação e as altas de juros são as principais vilãs das famílias, em geral, que tiveram suas condições financeiras ainda mais restritas. “Isso significa que as pessoas estão realmente precisando do crédito e recorrendo a ele para dar um fôlego para a renda até o final do mês”, afirma.

Uma saída cada vez mais comum tem sido o cartão de crédito, modalidade com os juros mais caros no mercado e que em outubro do ano passado chegou a cerca de 340% por ano, de acordo com o BC. “Eles são muito utilizados pela disponibilidade, porque quando você abre uma conta pessoa física ou PJ já tem um limite de crédito disponível, não precisa pedir”, diz Giovanni Bevilaqua, analista de Serviços Financeiros do Sebrae. 

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Segundo ele, o melhor caminho é procurar as instituições financeiras e renegociar a dívida. "O que não pode é pegar um crédito caro para pagar outro, porque você entra num ciclo vicioso que pode ser muito danoso”. Ainda segundo o BC, em outubro, R$ 21,6 bilhões foram emprestados no rotativo do cartão de crédito, o nível mais alto da série histórica.

A situação é ainda mais grave quando inicia-se um efeito cascata, com o pagamento parcial das faturas que seguem com juros rolando até o mês seguinte, complementa Izis. “As famílias com até 10 salários mínimos de renda mensal são as que mais têm usado cartão de crédito e o endividamento nessa modalidade chegou a 33%, também o maior número da série histórica”.


Empreender no risco

Além das restrições impostas pela pandemia e da lenta recuperação econômica, pequenos empresários também se vêem cada vez mais espremidos pelos juros de dívidas já contratadas. É o caso da ex-atleta da Seleção Brasileira de Atletismo, Luana Machado, que conseguiu financiamento de R$ 400 mil, em outubro de 2019, para reformar e abrir a sua academia junto ao Desenvolve SP, banco de investimentos do governo do estado de São Paulo.

Animada para realizar seu sonho e com metas ambiciosas de crescimento, Luana conseguiu abrir o Studio Olimpic Shape no início de março de 2020, a apenas duas semanas do primeiro lockdown na capital paulista. Foi aí que as negociações com a instituição financeira começaram a azedar, pois a carência das parcelas dos seus empréstimos começariam a vencer em abril daquele ano, quando seu espaço ainda estava fechado. 


Luana Machado possui cerca de 90 clientes em sua academia que oferece treinos personalizados / Arquivo pessoal

Após um longo processo, ela conseguiu algumas prorrogações enquanto o negócio começava a caminhar, mas ainda sem conseguir honrar a dívida, que ela calcula estar em torno de R$ 130 mil atualmente. Metade desse valor diz respeito apenas a juros da taxa Selic, atrelados ao acordo e que, segundo ela, correspondem a cerca de metade do montante.

“Eu já mandei pelo menos cinco propostas de negociação e todas foram recusadas”, conta Luana, que viu a temperatura das tratativas escalar ao ponto de procurar auxílio jurídico para resolver o imbróglio. “Na última conversa que tivemos em dezembro, eles disseram que se eu não pagasse a minha dívida eles iriam tirar a minha casa, que coloquei como garantia”. 

Para Bevilaqua, o cenário encontrado pela empresária acompanha as percepções do mercado e, por isso, os acessos a créditos tendem a ser mais difíceis durante períodos de instabilidade. “As instituições financeiras, de uma forma geral, vêem os pequenos negócios como mais arriscados e obviamente que no período da pandemia essa percepção de risco se torna maior”, elucida.

Por outro lado, o analista ressalta o “fluxo importante” de empréstimos com condições favoráveis aos empreendedores nos últimos anos, principalmente pelo Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Segundo dados do Banco do Brasil, em 2020 foram concedidos cerca de R$ 360 para os pequenos negócios no país, sendo R$37,5 somente no âmbito do Pronampe, que também aportou pelo menos mais R$ 25 bi em 2021.

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Atualmente, as taxas de inadimplência do Pronampe são relativamente baixas - de pouco mais de 3% -, mas na opinião de Rochlin, elas podem estar escondidas pela carência dos planos e pela possibilidade de adiamento. “Acho que a inadimplência ainda é muito baixa, porque o empresário pode pedir, a qualquer momento de vigência do contrato, a prorrogação da dívida por até 12 meses”.

“Então só vamos ter uma noção melhor de inadimplência real quando esses empréstimos começarem a vencer, e boa parte deles começa a vencer no primeiro semestre”, complementa Bevilagua. Na sua opinião, algumas projeções positivas podem ajudar a equilibrar o cenário, como as perspectivas de queda no preço dos insumos e da energia elétrica, “dois fatores bastante relevantes para o setor produtivo”.

Se a situação é dramática para pequenos empresários, para os mais pobres é ainda pior e chega a níveis inaceitáveis de fome e miséria, ou a uma situação de informalidade que muitas vezes é alheia a qualquer tipo de crédito bancário. Izis ressalta que a inflação incide sobre itens básicos da cesta de alimentos, o que sobrecarrega ainda mais as famílias. “Por isso, é importante cortar o consumo de itens supérfluos e ter atenção redobrada com a impulsividade no momento da compra”, aconselha.

“As pessoas, em geral, só querem ter paz. A gente quer pagar nossas contas, ter uma vida mais tranquila. Todo nosso trabalho é para isso. Em nenhum momento eu vou deixar de honrar meus compromissos”, encerra Luana.

Edição: Vivian Virissimo