Minas Gerais

MINERAÇÃO

Ambientalistas alertaram sobre riscos de ampliação de dique da Vallourec que rompeu em MG

Imagens aéreas mostram o deslizamento da mina Pau Branco, em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH

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A foto foi tirada na tarde deste domingo (9) - Foto: Bruno Costalonga

A reunião que garantiu a ampliação da pilha de estéril Cachoeirinha da Mina Pau Branco, em Nova Lima/Brumadinho (MG), de propriedade do grupo francês Vallourec, foi feita em janeiro de 2021 após uma convocação extraordinária, em regime de urgência, pedido pela própria mineradora.

Ambientalistas alertaram sobre os riscos do aumento da pilha que deslizou no último sábado (8) e provocou o transbordamento de um dique que atingiu a BR-040, interditou a rodovia, feriu uma pessoa e causou a remoção de moradores. As críticas foram ignoradas.

Para a expansão do projeto, a Vallourec entrou com pedido de licenciamento de várias estruturas, incluindo a pilha de rejeito/estéril Cachoeirinha.

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A urgência pedida pela Vallourec foi acatada pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), após recomendação da Secretaria de Meio Ambiente (Semad).

O licenciamento correu na modalidade concomitante, com Licença Prévia de Instalação e de Operação ao mesmo tempo. Assista ao vídeo inédito sobre a situação da Mina Pau Branco em imagens registradas por drone na tarde de domingo (9) por Bruno Costalonga Ferrete, cedido com exclusividade ao Observatório da Mineração:

 

A Vallourec alegou que, se não fosse atendida nas primeiras semanas de janeiro de 2021, a produção da empresa precisaria parar porque a pilha de estéril já tinha alcançado o limite de área permitido.

O prazo exíguo para análise dos documentos e manifestação oficial foi alvo de críticas da associação Promutuca e do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSam), entidades ambientalistas da sociedade civil. Julio Grillo, ex-superintendente do Ibama em MG e representante da Promutuca, registrou em parecer que, no status da época, o empreendimento da Vallourec já representava um caminhão por minuto na BR 040, com alto risco de “desastres, mortes e poluição”.

“Ao concordarmos com o aumento das pilhas, estamos concordando com a continuidade desse transporte e com todas as suas potenciais consequências”, disse Grillo, que também questionou a necessidade de rebaixamento do lençol freático até 2028.

Os ambientalistas repudiaram a convocação dessa reunião extraordinária, feita em 30 de dezembro de 2020, após as 18h, época de recesso, alegando que precisariam analisar 412 páginas de processo em pouco tempo, incluindo apenas cinco dias úteis para os licenciamentos pedidos.

No fim, Grillo registrou que, caso o processo não fosse retirado de pauta diante dos problemas, a sua posição era pelo indeferimento. A reunião foi mantida, as críticas foram contemporizadas pela maioria dos presentes e a CMI aprovou por 11 votos favoráveis e 1 abstenção – da Promutuca. Isso aconteceu na reunião de 14 de janeiro de 2021 e a expansão da Pilha de Estéril, em parte, desabou dia 8 de janeiro de 2022, menos de 1 ano depois.

“A sociedade não pode ser míope ao analisar estes empreendimentos com rebaixamentos de lençol freático. Eles são divididos em pequenas partes e obtêm licenças sem que possamos analisar as consequências cumulativas e sinérgicas do que estamos licenciando”, diz o parecer de Grillo da época.

A CMI é formada por diversos representantes do poder público mineiro, pelo Ibama, Agência Nacional de Mineração (ANM) e representantes da sociedade civil como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a Sociedade Mineira de Engenheiros e a já citada Promutuca. Ambientalistas costumam ficar isolados nas decisões da CMI.


Romeu Zema (Novo), celebrou em 23 de janeiro de 2019 a expansão da Mina Pau Branco / Foto: Reprodução Instagram

Antes desses desdobramentos, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), celebrou em 23 de janeiro de 2019 a expansão da Mina Pau Branco em reunião com os representantes da Vallourec. Por coincidência, dois dias antes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que completa três anos no próximo dia 25 de janeiro.

Exaltando a previsão de investimento de R$ 220 milhões na ampliação das instalações do grupo francês em Brumadinho e Nova Lima, Zema afirmou em post no Twitter e no Instagram que o governo iria “trabalhar para trazer investimentos, gerar emprego e renda aos mineiros”.


A foto foi tirada na tarde deste domingo (9) / Foto: Bruno Costalonga

 

Pilha de estéril está interditada pela ANM. Obras tentam conter novos impactos.
 

A pilha Cachoeirinha foi interditada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que exige um certificado de estabilidade e o restabelecimento das condições de segurança. O dique Lisa foi elevado para a classificação 3 de risco pela ANM, o que requer a implementação do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM).

Na tarde de domingo, a ANM rebaixou o risco do Lisa – chamado de barragem pela agência – para nível 2 dizendo não haver “iminência de ruptura”. A BR-040 foi liberada.

Procurado para comentar o licenciamento, a reunião de Zema e a situação atual, o governo de Minas Gerais não se manifestou até a publicação desta reportagem. Caso o faça, a matéria será atualizada.

A Vallourec não respondeu as perguntas específicas da reportagem sobre o processo de licenciamento acelerado e a relação da empresa com o governador Romeu Zema e se limitou a enviar uma nota atualizada sobre a situação do transbordamento. “Neste momento, a Vallourec está com todas as equipes e recursos focados na adoção de providências e na realização das ações necessárias. Por isso, não conseguiremos dar um retorno sobre os seus questionamentos”, disse a mineradora.

Além da remoção das pessoas na mancha prevista de inundação e o transporte dos animais silvestres para outros viveiros, a Vallourec afirmou que “reforça que o dique Lisa e a barragem Santa Bárbara são estruturas distintas e localizadas em pontos diferentes da Mina Pau Branco. O dique em questão, localizado em Nova Lima, operava normalmente, em nível zero de criticidade e dentro dos parâmetros previstos na legislação vigente”.

“Desde o transbordamento do dique Lisa, no dia 8/1/22, a Vallourec não poupou esforços para, em conjunto com os órgãos e autoridades competentes, minimizar os transtornos ocorridos e restabelecer a normalidade da situação. Na manhã de hoje [segunda], o tráfego na BR-040 foi liberado nos dois sentidos conforme os protocolos de segurança assinados com as autoridades e a via 040”, completou a mineradora.


A foto foi tirada na tarde deste domingo (9) / Foto: Bruno Costalonga

A Justiça acatou em parte os pedidos da ação movida pelo Ministério Público de Minas Gerais e a Advocacia-Geral do Estado. Foi negado o bloqueio de bens da Vallourec no valor de R$ 1 bilhão, mas o juiz determinou a suspensão de toda e qualquer atividade de disposição de material de qualquer natureza, incluindo estéril e rejeitos na Mina de Pau Branco e na pilha Cachoeirinha. Além, suspendeu a execução de todas as medidas emergenciais previstas no Plano de Ação, com base no pior cenário, inclusive contemplando a mancha de inundação na totalidade e potenciais efeitos cumulativos com outras estruturas, com conferência e adequação de rotas de fuga, pontos de encontro, sinalização de campo e sistemas de alarme.

A expansão da Mina Pau Branco contou também com obras da estatal de energia Cemig, que Zema tenta privatizar, em março de 2021. Uma nova linha de distribuição foi construída para atender a mineradora.

De acordo com a Cemig, ao garantir disponibilidade de sistema para a expansão da Vallourec, o empreendimento “reforça a parceria entre as empresas e contribui para o desenvolvimento econômico do estado”.


A foto foi tirada na tarde de domingo (9) / Foto: Bruno Costalonga