Geoturismo

Tragédia em Capitólio expõe ausência de análise de riscos geotécnicos nos órgãos públicos

Prefeito do município afirmou que a região, onde desabamento da rocha matou dez, nunca passou por um estudo de riscos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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"Eu acho que poderiam [ser evitadas] da mesma maneira que nós podemos evitar que nenhuma rocha venha a rolar de nenhuma montanha no Brasil", afirmou Romeu Zema, governador de Minas - Reprodução - Redes Sociais

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), informou, nesta segunda-feira (10), em coletiva de imprensa, que a região do Lago de Furnas, em Capitólio, será submetida a avaliações geológicas. Também afirmou que o acidente que matou dez pessoas e deixou 32 pessoas feridas no último sábado (8) foi uma fatalidade que não poderia ser prevista. 

"É algo inédito. O que aconteceu ali poderia acontecer em muitos lugares do Brasil, de uma rocha rolar de uma montanha e atingir um carro, sem previsibilidade. Tivemos aqui uma fatalidade dessa rocha atingir uma lancha com dez pessoas”, afirmou.  

O governador reforçou que as mortes não poderiam ter sido evitadas. "Eu acho que poderiam [ser evitadas] da mesma maneira que nós podemos evitar que nenhuma rocha venha a rolar de nenhuma montanha no Brasil." 

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Um dia antes, o prefeito de Capitólio, Cristiano Geraldo da Silva (Progressistas), no entanto, admitiu que nunca foi feita uma análise de risco geológico da região onde ocorreu o desabamento do paredão de rocha.  

“Até o momento, não [nunca foi debatida a análise de risco geológico]. Eu acredito, assim, que para a gente olhar dentro de uma tragédia e fazer um questionamento desse não seria virtuoso. Daqui para frente, sim, a gente precisa fazer uma análise dessa”, afirmou em coletiva de imprensa. 

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Trata-se de um acidente inevitável? 

Ainda que desabamentos como o que ocorreu em Capitólio sejam inevitáveis, os acidentes com vítimas podem ser evitáveis. Segundo Gerardo Portela, engenheiro e doutor em Gerenciamento de Riscos e Segurança pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as análises de risco existem rigorosamente para diminuir a imprevisibilidade e, consequentemente, reduzir as ameaças. 

“Nós temos metodologias e técnicas de análise de risco justamente para que possamos prever de alguma forma os cenários futuros, avaliar se serão de grande, média ou baixa probabilidade e gerar salvaguardas”, afirma. “A gente trabalha justamente para antever os problemas e mitigar os riscos relacionados a eles.” 

Em nota, a Sociedade Brasileira de Geologia (SBGEO) afirmou que a tragédia de Capitólio expõe “a ausência de laudos geológicos e geotécnicos para identificar e tipificar os ricos geológicos dos locais a serem visitados, bem como determinar as restrições de uso e os procedimentos de segurança”. Ainda segundo a SBGEO, as autoridades são responsáveis pelos lados “para que não coloquem em risco a vida de visitantes e condutores que atuam no geoturismo”. 

Segundo a organização, na última década, entre 2011 e 2021, o Brasil esteve em 5º lugar entre os países do mundo em número de vítimas relacionadas a evento geológicos, com cerca de 41 milhões de pessoas afetadas. 

Quem deve fazer a análise de risco? 

Hoje, a prefeitura de Capitólio é a responsável pela fiscalização da segurança do local, no que diz respeito aos estudos geológicos. Uma lei sancionada em fevereiro de 2019 regulamenta a exploração turística do local dos cânions.  

A legislação estabelece a fiscalização das embarcações na entrada do canal, o limite de velocidade a três nós, o máximo de 40 embarcações ao mesmo tempo, o limite de 30 minutos de permanência no local, a proibição de sons mecânicos em alto volume, entre outros aspectos.  

Não há, no entanto, qualquer menção a regras de uso do local em caso de dias chuvosos ou constatação de riscos de desabamentos, por exemplo. 

A Marinha do Brasil tem evocada por autoridades como a responsável pelo controle da exploração turística da área. A responsabilidade dos militares, entretanto, é sobre a segurança o licenciamento das embarcações. 

Ainda no âmbito federal, o Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, poderia ser responsável por estudos geológicos da região. No entanto, o serviço deve ser solicitado pelo município interessado, o que não foi feito pela Prefeitura de Capitólio. 

Como é feita uma análise de risco? 

De acordo com Gerardo Portela, existem diversos métodos e matrizes internacionais de análise de risco que determinam a periodicidade e como as análises devem ser realizadas. Mas basicamente todos os estudos devem analisar quais eventos podem ocorrer em um determinado local, com qual frequência e qual é a severidade de cada evento, ou seja, se pode “causar danos ao patrimônio, ao meio ambiente ou à integridade das pessoas”, explica Portela.  

“O objetivo do nosso trabalho é justamente antever aquilo que nunca aconteceu, mas que pode vir a acontecer, e evitar que a gente passe por uma tragédia como essa que aconteceu em Capitólio”, afirma. “O fruto da análise de risco são as recomendações para mitigar os riscos.” 

Uma análise preliminar de risco (APR) já seria o suficiente para estabelecer, por exemplo, um limite até onde as embarcações podem se aproximar dos paredões e a suspensão das atividades turísticas em dias chuvosos ou em determinados locais dos cânions. 

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Quais fatores contribuíram para o desabamento? 

De acordo com a SBGEO, o tipo de rocha do local, denominada quartzito, tem “boa” resistência à erosão. Quanto fraturada, no entanto, fica mais suscetível ao processo natural de erosão. Com as chuvas fortes e constantes, como as que vêm atingindo Minas Gerais nas últimas semanas, os desabamentos se tornaram mais prováveis de ocorrer. 

“O fluxo das águas após as chuvas intensas nas fraturas verticais, combinadas às fraturas horizontais, potencializou o desencadeamento do tombamento dos blocos rochosos”, informou a organização em nota. 

Na mesma linha, Antonio Carlos Pedrosa Soares, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o "quartzito é praticamente impermeável. Mas as fraturas dão ao maciço rochoso uma capacidade de penetração da água bem grande. Na rocha que caiu tem fratura em várias direções, fraturas negativas, ou seja, fraturas com blocos inclinados pra o lado da água, as mais perigosas, e fraturas em outras direções".

O docente ainda afirma que o "processo é cumulativo", ou seja, "não dá para colocar a culpa só nessas chuvas. Isso vai acontecendo ao longo dos anos. É claro que as chuvas atuais extremamente intensas e duradouras ajudaram a encharcar mais ainda aquelas fraturas". E reforça: "O monitoramento destes locais de turismo precisa de ser feito com frequência. Muitos países do mundo fazem isso para cuidar das suas vias de circulação, por exemplo".

O ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, afirmou à CNN Brasil nesta segunda-feira (10) que existem “milhares” de pontos no Brasil que envolvem embarcações e condutores náuticos que despertam atenção pelo risco de desastres naturais

Prefeitura de Capitólio 

O Brasil de Fato questionou por e-mail a Prefeitura de Capitólio sobre os motivos que nunca levaram a o poder municipal a realizar análises de riscos geológicos na região onde ocorreu o acidente. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não houve um retorno. 

O espaço segue aberto para posicionamentos. 

Edição: Vinícius Segalla