Covid-19

Sede da Copa Africana, Camarões é retrato do problema da exclusão sanitária na pandemia

Com apenas 3% da população vacinada contra a covid-19, país que sedia a CAF tem índices baixíssimos de imunização

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |
A Copa Africana acontece até o dia 6 de fevereiro. - Ozan Kose/AFP

Sede da Copa Africana das Nações (CAF), Camarões garantiu seu lugar nas oitavas de final com o resultado de 4x1 contra a Etiópia na quinta (13), abrindo a segunda rodada do campeonato. Foi a segunda vitória em casa do anfitrião, que venceu Burkina Faso na abertura do torneio por 2x1. 

Os bons resultados do time da casa vêm apesar do desfalque de cinco jogadores, que testaram positivo para covid-19 dias antes do início do evento.

Adiada no ano passado por 12 meses justamente pela pandemia, a Copa foi inaugurada com a ausência de jogadores no campo, por testarem positivo ou terem tido contato com pessoas com covid-19.

Além do time anfitrião, os times do Senegal, Cabo Verde, Tunísia, Costa do Marfim e de Burkina Faso foram afetados pela pandemia, com casos positivos de covid-19, atrasos na viagem de chegada a Camarões, cancelamento de partidas de preparação e jogadores em isolamento.

Classificada como preocupante pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em novembro do ano passado, a variante ômicron do novo coronavírus provoca novos picos de covid-19 em todo o mundo, com uma média móvel atual na Europa de 1,15 milhão de casos diários confirmados, um aumento de 284% desde novembro de 2020.

A América do Norte também é fortemente impactada, com uma média móvel de 878 mil casos diários, em um aumento de 880%. Na Ásia a média de casos diários é de 380 mil; 236 mil na América do Sul; 109 mil na Oceania; e 39 mil na África.

O acesso extremamente desigual aos imunizantes foi algo que o próprio diretor-geral da OMS chamou de “vergonha moral” no dia em que a pandemia entrou em seu terceiro ano, em dezembro. Das 9 bilhões de vacinas distribuídas em todo o mundo, apenas 3,6% foram ministradas na África, com cerca de 200 milhões de vacinados contra a doença.

Segundo o Our World in Data, cerca de 50,4% da população mundial já foi vacinada, sendo apenas 15% na África: cerca de 209 milhões de pessoas. Somando as taxas de vacinação, os 54 países do continente, juntos, não ultrapassam os números dos Estados Unidos (274 milhões de pessoas vacinadas).

Vacina para poucos

Nesse contexto, o campeonato acontece em um dos países do mundo com menores taxas de vacinação contra a covid-19, ilustrando a situação de exclusão sanitária de todo o continente africano.

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Por exemplo, em Camarões, apenas 3% da população do país foi imunizada. Desta porcentagem, 2,4% completaram o esquema protocolar de vacinação (em geral, duas doses). Em um comparativo, seus países vizinhos, em geral, contam com índices de vacinação mais altos, como é o caso da Nigéria (5%), Congo (12%) e Gabão (17%).

O país mais vacinado do continente atualmente é o Egito, onde foi identificado o primeiro caso de covid-19 na região. Hoje, 34% da população egípcia está imunizada, totalizando 35 milhões de pessoas. 

O país-sede da CAF soma pouco mais de um milhão de doses administradas, 109.666 contágios e 1.853 mortes pelo coronavírus desde o início da pandemia.

Segundo monitoramento realizado pela agência de notícias internacional Reuters, Camarões é um dos países que apresenta níveis mais distantes do último pico registrado no continente. Neste caso, o último pico foi registrado no início de abril do ano passado, quando o país superou a média de 2 mil casos diários confirmados de covid. Atualmente, atinge apenas 3% deste cenário, com uma média de 42 contágios diários.

No gráfico abaixo, é possível observar o pico de casos de covid-19 no continente desde a identificação da nova variante ômicron, em novembro, o que levou ao nível mais alto de média de casos confirmados por milhão de habitantes (o pico, até o fechamento desta reportagem, foi no dia 10 de janeiro, com 33,53 casos confirmados por milhão).

As mortes aumentam no continente africano, no entanto, estão longe de picos anteriores, como em janeiro e agosto do ano passado. Atualmente, os índices revelam uma média de 0,22 de mortes confirmadas por milhão de habitantes. Este mesmo indicador sobe para 3,91 na Europa e 3,32 na América do Norte, regiões que já estão cumprindo a primeira ou segunda dose de reforço da vacina contra a covid-19.

O problema da pouca vacinação na África

Apesar dos baixos números de mortes e casos em relação a outros continentes, o problema da pouca vacinação nos países africanos não é só geopolítico, mas sanitário em nível global. A persistência de circulação do vírus em populações não imunizadas favorece o surgimento de novas variantes, como o próprio diretor geral da OMS, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, destacou neste ano.

"A essência da disparidade consiste em que alguns países estão aplicando a quarta dose da vacina enquanto outros não têm sequer os insumos mínimos para vacinar seus trabalhadores da saúde e as pessoas de risco. Vacinas de reforço em poucos países não darão fim à pandemia enquanto bilhões permanecem desprotegidos." No ritmo atual, a África só poderia vacinar 70% da sua população em 2024.

A organização chamou a atenção para o desfecho de 2021, muito distante da meta de vacinar pelo menos 20% de cada país até o final de 2021. No final do ano passado, a OMS destacou que apenas 3% das 8 milhões de vacinas administradas no mundo foram aplicadas em países africanos.

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O mecanismo Covax, criado pela organização para atender justamente aos países mais pobres no acesso às vacinas durante a pandemia, ainda se demonstra ineficaz quanto ao volume e tempo necessário para cobrir as populações dos países que necessitam doses. A própria organização ressalta que a prioridade a acordos bilaterais para a compra de vacinas e o aumento da produção estão entre os principais motivos para o atraso.

Para 2022, a OMS traçou a meta de distribuir 2 bilhões de doses no primeiro trimestre. Para tanto, solicita novamente o apoio de doadores e farmacêuticas e que evitem atrasos para garantir o cumprimento do objetivo para os próximos meses.

Esportes na pandemia

Mundialmente, medidas sanitárias mais comuns têm restringido o limite de capacidade dos estádios em todo o mundo. Em fevereiro, os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim terão circuitos fechados devido ao aumento de casos na China. O Comitê Olímpico Internacional determinou que os atletas, a imprensa e as equipes técnicas deverão realizar teste de covid-19 diariamente durante o evento.

Os clubes de futebol europeu também relatam diariamente casos positivos para covid-19. Na primeira semana do ano, foi a vez do craque argentino Lionel Messi, com outros três colegas do Paris Saint-Germain: o defensor Juan Bernat, o meia Nathan Bitumazala e o goleiro Sergio Rico.

No Brasil, só nesta semana, jogadores de diversos times testaram positivo para a doença e foram afastados, como Botafogo, São Paulo, Chapecoense, Fortaleza, Palmeiras e Corinthians. No Estado de São Paulo, o governador João Doria anunciou que o Campeonato Paulista terá ocupação dos estádios limitada a 70%.

A fim de evitar a paralisação total dos eventos esportivos, a aposta de principal medida sanitária continua sendo a limitação de público. Na Copa Africana, a capacidade dos estádios foi reduzida a 60% nos jogos, com exceção para as partidas do time anfitrião, Camarões, com 80% de capacidade nas arquibancadas. 

Edição: Arturo Hartmann