Extrativismo

Qual o interesse do Brasil nas reservas de petróleo do Suriname e da Guiana?

Descoberta é considerada a mais importante dos últimos anos; visita de Bolsonaro ao Suriname busca participação

Brasil de Fato | Buenos Aires (Argentina) |
O presidente Jair Bolsonaro e o presidente do Suriname, Chan Santokhi, nesta quinta-feira (20). - Jason leysner/AFP

Com a reaproximação com Guiana e Suriname, que recentemente descobriram importantes reservas de petróleo e gás, o  Brasil deve participar de novos projetos extrativistas na região. A primeira viagem internacional de Jair Bolsonaro (PL) em 2022 marca uma busca por acordos para explorar recursos naturais nos países vizinhos.

A visita do presidente brasileiro já havia sido adiada anteriormente devido à pandemia de covid-19. Interessados em firmar acordos relacionados à energia e às recentes descobertas de petróleo e gás na região, as partes têm conversado desde o ano passado sobre possíveis parcerias nesse aspecto. O Ministro de Relações Exteriores, Negócios Internacionais e Cooperação Internacional do Suriname, Albert Ramdin, visitou o Brasil em agosto e teve agenda com o chanceler brasileiro, Carlos Alberto Franco França, em Brasília, para discutir uma "cooperação técnica e energética".

Bolsonaro iria nesta sexta-feira (21) à Guiana para dar continuidade às discussões iniciadas ontem, em Paramaribo, capital do Suriname, onde aconteceu o encontro trilateral de mandatários do Brasil, Suriname e Guiana. Todavia, a viagem foi encurtada após a morte da mãe do presidente brasileiro e Bolsonaro antecipou seu retorno ao Brasil.

O encontro foi anunciado como uma possível cooperação técnica por parte do Brasil e os países vizinhos. Na live que realiza semanalmente em suas redes sociais, Bolsonaro anunciou a expectativa de que o Brasil entre como ator para explorar as reservas de petróleo offshore descobertas via Petrobras, informando que o presidente surinamês, Chan Santokhi, daria prioridade ao Brasil na exploração. O Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, destacou o fato como “muito positivo”.

“[A costa do Suriname e Guiana] já tem reservas comprovadas que correspondem a 40% do nosso pré-sal. É muito petróleo e muito gás que vem para esses países, daí a importância que colocam no Brasil”, destacou o ministro na videoconferência. “O Brasil já tem experiência grande em desenvolvimento tecnológico, patente, em proteção ao meio ambiente, exploração de petróleo e gás no mar e é isso que estamos fazendo aqui.”

Para a professora de relações internacionais, Denilde Holzhacker, da ESPM, há três aspectos de destaque na visita do presidente brasileiro aos países em questão. “Há uma tentativa de trazer um ar de normalização à política internacional em um momento de isolamento crescente do Brasil. Por outro lado, temos que ver a longo prazo porque são países que estão explorando petróleo e gás em uma área importante de preservação ambiental e próximo ao Brasil”, pontua. “Não que o atual governo levante pautas ambientais, o discurso é apenas de investimento. Mas temos que ser parceiros nessa lógica de conversação.”    

No aspecto econômico, Holzhacker destaca um possível aumento das exportações aos países vizinhos tendo em vista o crescimento econômico que a exploração dos recursos naturais pode gerar, além de uma possível entrada da Petrobras - algo que ainda não conta com um plano concreto.

Próximos e distantes

O Suriname e a Guiana têm atraído os olhares e o investimento internacional nos últimos anos. Dependentes economicamente do setor primário, especialmente a agricultura e a extração de minérios, a descoberta de reservas de petróleo e gás é de extrema importância para os países vizinhos. Para isso, contam com um parceiro histórico como o Brasil.

“Ainda que se saiba pouco sobre esses países, e que pareçam distantes para nós, há uma tradição de relacionamento com o Brasil”, destaca Holzhacker. “São países pequenos, que dependem do extrativismo e do relacionamento com países europeus, tanto Holanda quanto Reino Unido, como no caso da Guiana, mas que têm um relacionamento de fronteira muito forte com o Brasil, especialmente o Suriname.”


As exportações do Brasil à Guiana somaram US$ 111,7 mil no ano passado. / Brasil de Fato

Parceiros comerciais e compradores de grãos brasileiros, esses países fronteiriços têm uma tradição de relacionamento comercial e ambiental com o Brasil, dada a fronteira em áreas de floresta amazônica. Em um projeto conjunto, por exemplo, o Brasil lançou com o Suriname e a Guiana Francesa no ano passado a plataforma Bio-Plateaux de mapeamento sobre a biodiversidade marinha dos rios amazônicos que cruzam os três países.

Com fronteira no Pará e Amapá, no caso do Suriname, e com o Pará e Roraima, no caso da Guiana, ambos os países compartilham uma vasta e importante biodiversidade com o Brasil. Com um histórico de governos repressores e a conquista de independência muito recente (Guiana em 1966 e Suriname em 1975), os vizinhos ao norte do Brasil apostam na exploração de recursos que o mundo deve abandonar se quiser enfrentar a emergência climática.


O Suriname compartilha fronteira com o Brasil principalmente na região do Pará. / Brasil de Fato

Em uma experiência recente de capacitação comunicacional na Guiana, o jornalista Mauricio Angelo, fundador do Observatório da Mineração, observa as mesmas problemáticas de países que abrigam projetos extrativistas de multinacionais. “A lógica que se aplica no Brasil também se aplica na maioria desses países vizinhos: apostar no desenvolvimento a qualquer custo. O setor extrativista é muito dependente desse discurso”, destaca, enumerando as principais promessas: entrada de impostos e divisas e geração de emprego.

Perfuração e crise climática

Assim, as jazidas de petróleo e gás foram uma descoberta que saltaram aos olhos do Suriname e da Guiana, mas, principalmente, das empresas petrolíferas. Segundo a Exame Invest, o Suriname assinou diversos contratos em que aceita receber apenas 6,25% de royalties por seu petróleo, quando a média internacional é de 16% do lucro das petrolíferas aos países explorados. O retorno dos royalties aos países está previsto para 2025.

As novas jazidas de petróleo e gás são visadas e exploradas por petrolíferas do Norte Global. Descoberta pela estadunidense Exxon Mobil em 2015, a jazida da Guiana abriu o caminho para a posterior e mais recente descoberta da reserva no Suriname, em 2020. Diversas outras petrolíferas exploram a área, como a Royal Dutch Shell, a Total e a Apache.

A descoberta é uma das mais importante dos últimos anos da região, comparável às reservas asiáticas.

Assim como observado no Brasil, os incentivos fiscais para a atividade extrativista, a exclusão do debate da sociedade civil e a pouca ou nula pauta ambiental atrelada a esses projetos fazem vislumbrar um futuro pouco promissor.

“Todos esses projetos de mineração, petróleo e gás em áreas ecologicamente sensíveis passam por cima de povos indígenas, comunidades tradicionais e agravam ainda mais a crise climática”, alerta Angelo. “Não são projetos que vêm sozinhos, há toda uma infraestrutura e logística por trás.”

Quando perguntado sobre como lidar com a contradição dos países do Sul Global, economicamente sujeitos aos extrativismo, e a urgência de lidar seriamente com as soluções reais para conter a crise climática, Mauricio Angelo destaca que “não há um modelo pronto”.

“A única certeza que temos é que do jeito que está, não dá para continuar. Somos todos afetados direta e indiretamente, e não só quando uma barragem se rompe ou um oleoduto vaza. São questões do nosso dia-a-dia, como a crise energética no Brasil agora mostra.”

Edição: Thales Schmidt