Saúde pública

Proibicionismo é fator importante em mortes por consumo de cocaína adulterada na Argentina

Para especialista argentino, mercado gerido pelo crime organizado e Estado punitivista estão entre as causas

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Homem carregado em maca
Homem é internado no Hospital Bocalandro após ter sido envenenado com cocaína, em Loma Hermosa, província de Buenos Aires, Argentina - Tomas CUESTA / AFP

Pelo menos 20 pessoas morreram na Província de Buenos Aires, Argentina, nos últimos dias após consumir cocaína envenenada. E as autoridades estimam que pode haver muito mais vítimas. A causa? O sistema de saúde, o Estado e um histórico de décadas de políticas punitivistas que fazem com que muitos usuários de drogas prefiram não pedir socorro em um hospital. A segregação, o medo do olhar estigmatizante e patologizante ou a criminalização do consumo e suas represálias penais geram um coquetel explosivo.

A morte de pelo menos duas dezenas de jovens da região metropolitana de Buenos Aires é uma consequência fatídica de uma política que trata usuários como criminosos, que trata as drogas como um problema de segurança e não um problema de saúde, e que baseia sua estratégia em uma perspectiva obsoleta que já fracassou em toda a região: a guerra contra o narcotráfico. Por que podemos dizer que essas mortes são consequência de uma política proibicionista?

"O mercado de substâncias ilegais surge no momento em que a substância é proibida. Isso acontece com qualquer coisa, mas quando se trata de substâncias de alta demanda – como a cannabis, o ecstasy ou a cocaína – geram-se enormes mercados, de grande magnitude e circulação de dinheiro, controlados pelo crime organizado", explica Pato Liddle, economista e membro da Associação de Redução de Danos da Argentina (ARDA), em entrevista a El Grito del Sur. "A qualidade da substância e o que acontece em sua cadeia produtiva estão 100% nas mãos do crime organizado."

A abordagem punitivista, hegemônica entre as políticas estatais sobre drogas, reforça essa situação. "O que estamos vendo é a combinação de um mercado administrado pelo crime organizado e um Estado que só encara o problema sob um ponto de vista punitivista", acrescentou Liddle, que também conduz o programa "Ojo que son flores" (Olha, que isso é camarão, em tradução livre), no canal online Twitch.

Na última quarta-feira (2), quando a notícia foi divulgada, diversas autoridades públicas da província tentaram visibilizar a questão e tomar ações a partir de uma abordagem alternativa. "Quem comprou drogas nas últimas 24 horas deve descartá-las", advertiu o secretário de Segurança de Buenos Aires, Sergio Berni. O Ministério da Saúde da província também emitiu um alerta, denunciando a situação e sugerindo os passos a seguir em caso de consumo da cocaína adulterada. "É um reconhecimento de que existem milhares de usuários de substâncias. Sintomas e recomendações foram comunicados. Valorizo muito essa perspectiva", disse Liddle.

"Nas discussões sobre drogas baseadas em preconceitos, assume-se que todas pessoas usuárias são viciadas. Isso não corresponde à informação estatística disponível: hoje é evidente que a grande maioria das pessoas que usam drogas – incluindo a cocaína – não tem uma relação problemática com a substância", disse o economista. "Na Argentina, o uso problemático de cocaína gira em torno de 19%, segundo dados da própria Sedronar [Secretaria de Políticas Integrais sobre Drogas]. São números semelhantes aos do álcool ou outras substâncias lícitas. Existem muitíssimas pessoas que usam drogas ilícitas todos os dias e que não necessariamente têm um consumo problemático", concluiu.