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5 Razões para entender por que a defesa da legalização de um partido nazista é crime no Brasil

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Monark e Kim Kataguiri serão investigados por eventual crime de apologia ao nazismo - Reprodução/YouTube
Afirmações desta natureza são criminosas e não podem ser toleradas

Por Cláudia Maria Dadico*

“Urge enfrentar o tempo como ele nos procura.”
Shakespeare, Cimbelino

Muitas pessoas ficaram estarrecidas com a fala do “influencer” Monark, apresentador do Flow Podcast, no último dia 8, ao afirmar que: “Deveria existir um partido Nazista legalizado no Brasil”, que “as pessoas têm o direito de ser idiotas” e, ainda, “se o cara for anti-judeu ele tem o direito de ser anti-judeu”. As falas resultaram na perda de patrocinadores e, finalmente, em seu próprio desligamento. Em sua defesa, o apresentador alegou que “estava bêbado”

Se você está entre aqueles que não se escandalizaram com a afirmação de Monark e não entende o motivo de tanta repercussão, esse texto é para você. Vamos explicar, em cinco tópicos, porque afirmações desta natureza são criminosas e não podem ser toleradas.

1)    Não é liberdade de expressão

Inicialmente, é conveniente lembrar que o regime nazista, instaurado a partir da ascensão ao poder do Partido Nacional Socialista alemão, na década de 30, conduziu a Alemanha a uma guerra que resultou em “mais de 6 milhões e meio de alemães mortos, (...) a divisão e a repartição do país, o fim de sua existência como Estado”. Todavia, o que caracteriza o nacional-socialismo alemão é o fato de se tratar, inicialmente de um movimento e, posteriormente, um regime político assumidamente racista, xenófobo, misógino e homofóbico. Ou seja, o nazismo elevou a ideologia da supremacia racial, já presente nas guerras coloniais do século XIX, ao “status” de verdadeiro “paradigma” para todos os ramos do conhecimento: a ciência, a educação, a política, a organização administrativa e militar do Estado Alemão e o próprio direito alemão da época, todos se fundaram no “mito da raça ária, adotado como central na concepção nazista do mundo”. 

A execução de leis destinadas esterilizar e, depois, simplesmente eliminar pessoas com deficiência; proibir o casamento entre judeus e não judeus, desapossá-los de seus bens, de suas casas, de suas profissões, de suas nacionalidades, encerrá-los em guetos e posteriormente, exterminar mais de 6 milhões de pessoas, entre judeus - a população mais atingida -, poloneses, ciganos, negros, homossexuais e adversários políticos nos campos de concentração são parte do legado macabro que o nazismo deixou para a história.

Esse brevíssimo e, ainda assim, atroz retrospecto tem a finalidade de demonstrar que o regime nazista é intrinsecamente criminoso, pois se assenta na ideia de desumanização e extermínio de grupos populacionais inteiros. Não se trata da defesa de um movimento, regime político ou de um partido político como qualquer outro, mas da defesa de crimes em massa, praticados em escala industrial, numa organização fria e calculada de “massacres administrativos”, como qualificou a filósofa Hannah Arendt.

Não há uma “parte boa” no nazismo.

A defesa de um partido nazista incorpora, necessariamente, o endosso a práticas resultantes de decisões políticas voluntárias e conscientes de implementação de programa radicado nos paradigmas da inexistente divisão da humanidade em raças e da supremacia de uma suposta raça, em detrimento das demais.

Ora, se os direitos fundamentais consistem em projeções do princípio fundante da dignidade humana, não é possível conceber exercício do direito fundamental à liberdade de expressão que inclua, em seu âmbito normativo, a defesa do extermínio de seres humanos em razão de critérios de identidade ou opções fundamentais. Não há direito fundamental à defesa da aniquilação da dignidade humana ou do extermínio de fração da humanidade.

2)    Não se trata do mero “direito de ser idiota”

Uma das frases utilizadas por Monark em sua defesa foi a existência de um suposto “direito de ser idiota”. 
Sem deixar de registrar que a expressão “idiota” já traz em si uma carga pejorativa, preconceituosa e discriminatória, não é preciso grande esforço para entender que qualquer direito, seja ele qual for, tem como limite a esfera jurídica de terceiros.

Se o alegado “direito de ser idiota” resultar em dano unicamente a si próprio, não há nada a responder, do ponto de vista criminal. Quebrar ovos sobre si mesmo, jogar tortas na própria face, dizer coisas tolas e sem sentido, sem consequências que desbordem sua própria esfera de disponibilidade de direitos são condutas que, a princípio, são indiferentes para o direito penal. 
Entretanto, se o suposto “direito de ser idiota” atingir direitos de outras pessoas, não se está diante de um direito, mas sim de uma conduta ilícita e que, a depender de sua gravidade, pode ser considerada crime.

A defesa pública do nazismo, nesse sentido, atinge de maneira frontal o direito de outras pessoas, não apenas daquelas comunidades diretamente atingidas pelos horrores do Holocausto, mas de toda a sociedade que se assenta no primado da dignidade humana.

3)    Não se trata de mera opinião pela “descriminalização de uma conduta”
Há quem defenda, ainda, que as afirmações de Monark consistiram em mera defesa da descriminalização de condutas, de forma similar ao discurso de descriminalização das drogas, por exemplo.
O argumento é claramente inaceitável.
Ora, apenas um conhecimento rudimentar da história contemporânea já permite identificar que a fala do apresentador consistiu na defesa da “legalização” de um partido com plataforma reconhecidamente genocida. Não há nenhuma base de comparação entre as duas situações. A criminalização do uso de drogas envolve outra ordem de argumentação, notadamente, o direito à autonomia e à autodeterminação, entre outros.
Já a defesa da “legalização” de um partido nazista parte da ideia de que o genocídio é uma prática tolerável e que poderia, dentro de um quadro institucional democrático, ter alguma aceitação, o que é, evidentemente, um grande absurdo.

4)    Não é brincadeira

Qualquer pessoa com o mínimo conhecimento histórico tem condições de discernir que o legado de horror do nazismo não pode ser defendido sob hipótese alguma, nem por brincadeira. Não se trata de intolerância ou de uma postura de rigidez “politicamente correta”, mas sim de não permitir que determinadas ideias desumanizadoras e que naturalizam extermínios circulem em nossa sociedade, mesmo sob a dissimulada forma de humor. 

Ademais, como bem afirmou Adilson Moreira em sua obra “Racismo Recreativo”, o suposto “dolo de brincar” é um recurso largamente utilizado para que os responsáveis por delitos de racismo sejam isentos de qualquer consequência no campo penal. A ampla aceitação desta tese defensiva pelos tribunais brasileiros é mais um sintoma do racismo estrutural e institucional que constituem o sistema de justiça.

5)    Partidos políticos devem defender, e não destruir, direitos fundamentais

A ordem constitucional brasileira somente admite partidos políticos que se comprometam a resguardar os direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17 da Constituição Federal). A Lei nº 9.096/95 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos – prevê que os partidos políticos se destinam a defender os direitos fundamentais (art. 1º).

Essas normas jurídicas inviabilizam por completo, no direito brasileiro, a possibilidade de “legalizar” um partido cuja ideia central é a defesa da supremacia racial e a prática do genocídio.

Ademais, a partir da ideia de que os partidos políticos integram o quadro institucional das democracias, é no mínimo paradoxal que, após a experiência da 2ª Guerra Mundial ainda se conceba a possibilidade de defesa de partidos nazistas ou fascistas, já que a própria ideia de institucionalidade, no período pós-1945, se assenta no valor da dignidade humana. Ou seja, existência e o funcionamento das instituições, dentre as quais os partidos políticos, somente se justificam no interesse de defender e concretizar a dignidade das pessoas, sem discriminações.

Todas essas 5 razões podem parecer óbvias. 

Mas, se o melhor argumento em debate é o suposto “direito de ser idiota”, o óbvio precisa ser dito.

*Cláudia Maria Dadico é Doutora em Ciências Criminais pela PUC-RS, juíza federal, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

**A coluna Avesso do Direito mostra uma visão mais ampla do Direito e suas relações com a vida, a democracia e a pluralidade. É escrita pelos juízes federais José Carlos Garcia e Cláudia Maria Dadico, ambos membros da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Leia outros textos.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo