Análise

Sob avaliação do TCU, privatização da Eletrobras vive nova fase da disputa

TCU atua na fiscalização de processos de desestatização por iniciativa própria, com base em competências legais

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Acusada pelos críticos de atropelos e falta de transparência na venda da Eletrobras, a equipe econômica de Paulo Guedes teme os rumos do processo no TCU - Marcelo Camargo /Agência Brasil

Alvo de um julgamento do Tribunal de Contas da União (TCU) que começou em dezembro e que irá continuar nesta terça (15), a privatização da Eletrobras segue levantando poeira na relação entre governo, oposição e especialistas que acompanham o caso.

A Corte analisa atualmente a primeira etapa do processo e está diante de uma questão que pode turvar os planos da gestão Bolsonaro: os valores previstos pelo governo teriam sido subestimados.

Segundo informações reveladas pelo portal Valor Econômico no último dia 3, o gabinete do ministro Vital do Rêgo, que está atualmente com o processo, encontrou uma falha metodológica nos cálculos da equipe que arquitetou a proposta de venda da empresa.

O erro pode ter comprometido cerca de R$ 23 bilhões que a União deveria receber a mais dos novos proprietários da companhia, mas o valor preciso só será conhecido quando Rêgo voltar a se manifestar sobre o caso. Ele pediu vistas do processo em dezembro, depois de observações levantadas pelo relator, o ministro Aroldo Cedraz.

“Isso é reflexo da forma como o governo tratou todo esse processo porque não houve estudos detalhados em várias frentes. Impacto tarifário, por exemplo, não tem. Nunca foi apresentado”, exemplifica a vice-presidenta do Coletivo Nacional dos Urbanitários (CNU), Fabíola Antezana, ao se queixar dos riscos já levantados por especialistas sobre a previsão de salto no preço da energia.

O TCU atua no caso por iniciativa própria, com base em competências constitucionais e legais, que incluem a fiscalização de processos de desestatização. Segundo indica o sistema do tribunal, a análise do caso envolve os impactos setoriais que a venda possa causar para o consumidor e a União, inclusive o cenário de não concretização da privatização.

PT

Além da investigação por conta própria, a corte também chegou a ser procurada recentemente por deputados federais da bancada do Partido dos Trabalhadores. No último dia 2, sete parlamentares protocolaram uma representação pedindo uma medida cautelar que, se for concedida, pode turvar os planos do governo.

O grupo pede que se proíba qualquer execução de procedimentos pré-privatização antes da conclusão de duas propostas de fiscalização e controle (PFCs), que hoje tramitam na Câmara dos Deputados.

Batizadas de PFCs 55 e 56, tais iniciativas são propostas legislativas que tratam da apuração de irregularidades cometidas no âmbito da administração pública. Por se tratar de órgão fiscalizador de apoio ao Legislativo, o TCU assessora a Câmara na questão.

O deputado Zé Carlos (PT-MA), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Eletronorte, queixa-se de equívocos relacionados à Portaria 544/21, da Eletrobras, dispositivo que seria o responsável por subestimar a quantidade mínima de energia que uma concessionária é obrigada a comercializar contratualmente diante da sua potência instalada.  

“Ela fragiliza as obrigações de quem vai comprar, quando nós deveríamos era fortalecer essas obrigações. E isso também é uma atitude grave e claramente tendenciosa de beneficiar o comprador, e não o vendedor, que é o Estado brasileiro.” 

O governo Bolsonaro argumenta que não seria possível precificar a questão dos cálculos relacionados à potência das usinas. “Não existe no Brasil um mercado de potência em que os agentes geradores vendam esse ‘serviço’ e aufiram receitas por isso”, sustentou o MME, em nota à imprensa.

“São duas inverdades aí, na verdade. Primeiro, se precifica potência, sim, porque já foi realizado leilão por potência [no Brasil], que contratou só termelétrica”, contrapõe a economista Clarice Ferraz, diretora do Instituto Ilumina, cujos especialistas acompanham os debates sobre a estatal. 

Crítica da venda da empresa, a especialista sugere que a argumentação do governo colocaria o processo em xeque. “Se você não tem como precificar, você não pode vender. Se você não sabe o valor de um ativo que pertence à União – e, portanto, ao povo brasileiro – você não pode vender”.

Assembleia

O PT argumenta ainda que a assembleia que está agendada para o dia 22 não teria sentido de existir, uma vez que o TCU havia previsto para uma data posterior – 16 de março  – a análise da desestatização. Mas o lobby do governo provocou a antecipação da sessão para esta terça-feira. Para Zé Carlos, a atitude ignora o papel do TCU e do Legislativo, que têm o dever de investigar o trâmite relacionado à venda.

"É o interesse [do governo] de vender as nossas instituições a preço de banana. É pagar uma parte da conta da eleição deles com o capital financeiro. São as promessas que eles fizeram pra tentar eleger Bolsonaro como presidente da República. Se dizem patriotas, mas não têm nada de patriotas”, alfineta.  

Ecos

O incômodo com o trâmite adotado pelo governo leva a sobressaltos também em outros partidos. Ao longo dos debates que ocorreram no Congresso sobre a venda da Eletrobras, as críticas vieram de todos os lados da oposição.  

Parte dos parlamentares do campo da direita liberal também demonstrava receio com a iniciativa. Alguns mais resistentes votaram contra a venda da estatal até o final do trâmite legislativo, em meados de 2021.  

Mas os opositores da ideia acabaram vencidos ao final, quando o Congresso chancelou a Medida Provisória (MP) 1031/2021, que foi sancionada por Bolsonaro em julho. Os argumentos que incendiaram a disputa, no entanto, seguiram nos holofotes, na esteira dos fatos que hoje sacodem o TCU e que ainda são entoados principalmente pelo bloco da oposição.

O deputado que preside a Frente Parlamentar em Defesa da Chesf, Danilo Cabral (PSB-PE), está entre os que não abandonaram a queda de braço. No último dia 4, ele oficiou o TCU para pedir uma apuração sobre a subavaliação do preço da outorga da estatal.

Também solicitou investigação que atualize os valores que tratam de estrutura física das usinas e as consequências tarifárias do processo de descotização, mecanismo responsável por alterar o regime de comercialização da energia da empresa.

“As irregularidades na privatização são flagrantes. Já em 2019 entrei com um pedido de auditoria para analisar esses aspectos do processo. Que bom que o TCU pode aprofundar a análise e ver a fraude que é essa privatização”, critica.

O parlamentar levanta a suspeita anterior da oposição em relação ao percentual: “Análises anteriores feitas por técnicos independentes informavam que a tarifa de energia subirá em 17% após a descotização da Eletrobras”.

Edição: José Eduardo Bernardes