Ceará

PACOTE DO VENENO

Entrevista | "A aprovação do Pacote do Veneno é uma ameaça à saúde de todo o povo brasileiro"

Ricardo Cassundé falou sobre os próximos passos e as consequências da aprovação do PL na Câmara dos Deputados

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte CE |

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O PL teve seu texto base aprovado com 301 votos favoráveis e 150 contrários - Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Recentemente o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 6299/2002, conhecido por Pacote do Veneno. À medida que flexibiliza as normas que tratam da adoção de agrotóxico no país teve seu texto base aprovado em votação com 301 votos favoráveis e 150 contrários. Essa aprovação facilita a abertura do mercado para novos agrotóxicos. Para saber mais sobre as consequências da aprovação desse Projeto de Lei e sobre as suas consequências, o Brasil de Fato conversou com Ricardo Cassundé, Integrante do Setor de Produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Confira.

Brasil de Fato – Gostaria de iniciar perguntando o que significa o pacote de veneno?

A gente chama de "pacote de veneno" porque é um compilado de 27 projetos de lei que já denunciavam a liberação desses venenos que são altamente banidos em outros países. Essa aprovação do pacote e todos esses projetos de lei que estão sendo compilados são conduzidos pelo Deputado Federal Luiz Nishimori, do Partido Liberal (PL) do Paraná. Ele defende como ruralista essa liberação e legalização a partir do ministério composto por diversos empresários. Então é empresário do agronegócio flexibilizando a aprovação desses venenos porque são anos e anos em que eles são banidos em outros países e ele querem estocar e escoar o seu estoque de veneno aqui no solo brasileiro.

Desde 2018, o Governo Bolsonaro já aprovou o uso de mais de 1.500 novos agrotóxicos e tem se tornado uma grande ameaça para toda a nossa biodiversidade, nossos bens naturais e, acima de tudo, à saúde do povo brasileiro. Nós falamos que é pacote porque além da flexibilização da aprovação dos agrotóxicos no Brasil ainda existe uma facilitação no registro desses novos venenos. Outra coisa preocupante é a liberação de venenos cancerígenos e que causam mutação genética, exemplo disso é a cidade de Limoeiro do Norte (CE), emblemática nos índices da quantidade de câncer e a quantidade de crianças que tem nascido com problemas causados nos genes.

Brasil de Fato – Então esse pacote de veneno deve liberar o uso de agrotóxicos no Brasil que são proibidos em outros países?

Isso. Porque, de fato, para esse pacote ser aprovado ele deve passar por uma comissão e ao passar por essa comissão ele precisa de aprovação mínima em pelo menos três outros países e a maioria desses são empresários que querem vender seus venenos porque os países deles já não aceitam mais. Então chama-se de pacote porque já vinha tramitando diversos projetos de lei para que fossem vendidos esses venenos, possibilitando a construção de amplas lavouras e produção de diversas comandas em outros solos.

Brasil de Fato – Ele foi aprovado na Câmara dos Deputados. Quais são os próximos passos?

De fato foi uma aprovação terrível se compararmos os 301 votos favoráveis ao pacote em relação aos 150 contrários. É um projeto que tramitava por duas décadas na Câmara e agora que foi aprovado deve ser encaminhado para o Senado, de onde deve sair o texto original do Projeto de Lei, porque há ainda muitas críticas a serem construídas a partir desse texto original visto que são substâncias que devem ser avaliadas pelo ministério e necessita estar registrado em, no mínimo, três países que fazem parte lá do que a gente chama de Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que hoje tem 38 nações que constroem o partido e, coincidentemente, o Brasil é convidado para o processo de adesão a esse grupo que financia o pacote do veneno.

Brasil de Fato – E ainda há chances de barrar esse PL?

Nós, enquanto movimentos populares, temos acreditado que é possível fazer diversas ações de denúncia e enfrentamento, além disso, estão sendo construídas notas esclarecedoras sobre o quanto esse pacote é nocivo e tem se tornado uma ameaça, sobretudo para quem vive no campo. Nesse sentido, temos buscado atuar em três frentes, sendo a primeira o que chamamos de Frente de Comunicação, onde pensamos como devemos fazer a disputa na mídia a serviço da conscientização da classe trabalhadora, do campo e da cidade sobre o pacote do veneno e como isso afeta as suas rotinas. A segunda é a Frente de Formação em que devemos discutir em seminários nacionais, estaduais e regionais, nos diversos territórios, o que é esse pacote? O que ele causa para o campo brasileiro e para classe trabalhadora?

E a última é a Frente Jurídica que é esse arcabouço de prova, de diagnóstico das situações abusivas de câncer e tantas outras doenças causadas a partir da inserção dos venenos nas lavouras dos brasileiros. Então a ideia é construir um arcabouço de provas para junto ao Congresso fazer a nossa denúncia e dizer que é necessário barrar e ser revisado todo esse texto porque ele é uma ameaça à vida.

Brasil de Fato – Essas ações de enfrentamento já se iniciaram?

Algumas já têm sido feitas, têm-se pautado e debatido nas jornadas universitárias da reforma agrária e dentro de todas as ações da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Temos sempre colocado em pauta nos outros diversos espaços em que se constrói seminários sobre o meio ambiente e incluímos o pacote de veneno como essa incógnita, como essa ameaça a vida.

Brasil de Fato – Então ainda dá para acreditar que é possível barrar esse PL?

Sim. Acreditamos que ainda há uma chance de barrar o PL porque existem muitas parcerias com outros movimentos e pessoas envolvidos dizendo não aos agrotóxicos. Então a gente acredita que ainda é possível barrar.

Brasil de Fato – Ricardo, quais os riscos e consequências que esse PL traz para a nossa saúde e para a produção de alimentos no campo?

Esse PL em si já é uma grande ameaça à vida. É um projeto de lei que não olha para um território ou um campo com plantas, um campo com um verde, que representa a nossa fartura, muito pelo contrário. E nós temos o desafio de promover a saúde do campo, no campo e na cidade através da produção de alimentos saudáveis e os territórios camponeses que são terras de produção estão todos os dias em disputa porque são margeados por grandes áreas do agronegócio e desses empresários que constroem seus grandes conglomerados de plantações envenenadas e, acima de tudo, há uma disputa de modelo, um modelo de desenvolvimento que não pensa na produção de alimento saudável. Então para nós, é na pequena produção que se faz comida saudável, que ocupa a mesa do povo brasileiro.

Brasil de Fato - Você acredita que a população conhece os riscos dos agrotóxicos?

O PL do veneno também traz esse debate sobre a importância de se conscientizar, mas a gente acredita ainda que há uma grande desinformação. Existe toda uma estratégia dos capitalistas de desconstruir essa ideia de naturalizar pragas, doenças e que façam combate a isso, e que só se produza alimento com venenos. E existe ainda uma outra situação. Se eu gero uma condição em que eu não tenho poder de compra claro que eu me submeto a alimentos ultra processados e em condições ruins, porque a gente tem visto que os alimentos orgânicos ou agroecológicos, também têm um poder de compra maior. E os alimentos ultra processados é o que tem margem para as populações periféricas da cidade.

Então grande parte da nossa sociedade é bem mais urbana, por exemplo, se a gente pegar a cidade de Fortaleza, hoje ela consome muitos produtos ultra processados e muitas vezes não conhece o caminho desses alimentos, a forma como foram produzidas, a verdade sobre esses alimentos, por isso afirmamos que há uma desinformação, mas há também uma condição de consumo que infelizmente condiciona a classe trabalhadora a submeter a certas formas de se alimentar que podem também causar sérios riscos à saúde.

Brasil de Fato – De um lado temos pessoas que estão na luta para aprovar esse Projeto de Lei, e de outro lado temos uma parcela da população que não quer que seja aprovado. E aí eu te pergunto, a quem interessa essa aprovação?

Acima de tudo ao agronegócio. O mercado agrícola brasileiro tem todo aparato capitalista nas multinacionais, nas transnacionais que estrangeiraram nossas terras, que estão em solos brasileiros, em solos latinos, africanos, explorando, expropriando, queimando, matando e assassinando diversos trabalhadores. É esse o grupo que expressa a expressão máxima de defesa do pacote do veneno, são os barões do agronegócio que se configuram como produtores de alimentos. Então é a esses que interessam a aprovação do pacote de veneno porque esse modelo de desenvolvimento só se sustenta com essa aprovação.

Brasil de Fato – E como votaram os deputados cearenses?

Votaram contra a vida, votaram contra a saúde e votaram, acima de tudo, contra a agricultura familiar e camponesa. O agronegócio cearense ele é muito articulado. Então é fato que todo PSDB, PSD, Solidariedade, PP, PSL, PL votaram a favor do pacote do veneno. Alguns até comentaram sobre o voto do Capitão Wagner (PROS), que disse não ao pacote do veneno, mas, claro, é uma outra frente de atuação, na condição de militar e também por outros interesses que margeiam também sua candidatura a governador. Então, deixar bem claro que não é uma postura do PROS, é uma postura individual com interesses secundários posteriores.

Então isso deixa bem claro os que são da frente parlamentar agropecuária e todos que defendem o barateamento desses venenos. Enquanto outros deputados cearenses do PDT, PT, PSB e um do PV, que constroem a frente parlamentar ambientalista, acreditam que o pacote do veneno traz grande impacto na saúde humana e ao meio ambiente, e votaram contrário ao Projeto de Lei.

Brasil de Fato – Você gostaria de deixar alguma mensagem final?

Acredito na força do povo, no estudo dos advogados e juristas a serviço da classe trabalhadora e de um campo sadio, de um lugar de vida, de produzir alimentos saudáveis. Nós acreditamos na resistência e na resiliência camponesa e temos que afirmar que commodities não são alimentos. Devemos ter consciência de quem iremos escolher no próximo período, pois esses que se dizem representantes dos povos não representam a vida, não representam o direito à alimentação saudável. Nós defenderemos a democracia e a liberdade, mas em nome da vida, pois o pacote do veneno é uma ameaça à vida. Resistiremos. Existiremos. Estaremos juntos e em luta. Se muda no Congresso, mas se muda também na luta.

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Edição: Francisco Barbosa