mesmo sob pressão

Doria mantém ouvidor considerado "omisso" em denúncias contra policiais

Eleição travada e prédio ocupado: para ativistas, governador busca obstruir órgão que fiscaliza violência policial

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Em 2021, 570 pessoas foram mortas pela polícia no estado de São Paulo - Gabriela Moncau

Da varanda do prédio da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo ecoava um jogral. Os integrantes da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio – coletivo que atua contra a violência estatal desde 2017 – afirmavam, em voz alta, que a ocupação que fizeram do prédio durante quatro horas, na última segunda-feira (21), é para que o novo ouvidor seja, finalmente, nomeado.

Essa foi mais uma entre outras ações de movimentos populares, como um ato no último dia 17, para pressionar o governador João Doria (PSDB) a encerrar uma novela que se arrasta desde o fim do ano passado. O ouvidor Elizeu Lopes, que deveria ter encerrado seu mandato em 6 de fevereiro, segue ocupando o cargo de forma interina.

Em novembro foi feita a eleição da lista tríplice dos candidatos a comandar a Ouvidoria da Polícia de São Paulo durante o biênio 2022-2023. O órgão é ligado à Secretaria de Segurança Pública e tem como atribuições o recebimento de denúncias e o encaminhamento de cobranças relativas a ações das polícias militar, civil e científica. Trata-se de um órgão de controle de umas das forças estatais mais violentas do país.

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No entanto, na ata feita pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), que conduz a eleição, houve um erro de digitação. No Diário Oficial, foi publicado que o segundo mais votado teria sido Elizeu Lopes, quando na realidade ele não recebeu votos suficientes para compor a lista tríplice.  

Para resolver a situação, basta que o governo do Estado publique uma errata no Diário Oficial, para que o Condepe formalize a apresentação da verdadeira lista tríplice ao governador. Até o momento isso não aconteceu e, então, o processo está travado.  

“Golpe de Doria” 

Helder Aguiar da Silva é articulador da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, organização que considera o imbróglio “um golpe de João Doria”. 

“O governador se nega a publicar a errata e dar seguimento à mudança de ouvidor, que já deveria ter sido escolhido. Essa protelação ocorre com a intenção de manter o atual ouvidor, que é omisso para encaminhar denúncias contra a polícia, e de favorecer a política de acobertamento de crimes praticados por agentes do Estado na gestão Doria”, avalia Helder.  

Para Dimitri Sales, presidente do Condepe, “há uma ingerência política do governo do Estado, uma vez que não há fundamentação jurídica para a não publicação da errata solicitada”.  


A Ouvidoria das Polícias de São Paulo foi ocupada pelos manifestantes das 10h às 14h desta segunda-feira (21) / Rede contra o Genocídio

O candidato mais votado para ser o novo ouvidor da Polícia de São Paulo foi Renato Simões, indicado pelo Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC). Formado em Filosofia e com pós-graduação em Direitos Humanos, Simões é do Partido dos Trabalhadores (PT), pelo qual exerceu três mandatos de deputado estadual em São Paulo.  

Sem previsão  

Procurada, a Secretaria da Justiça e Cidadania do governo estadual afirmou que “os serviços prestados pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo continuam funcionando normalmente” e não deu previsão para a nomeação do novo ouvidor. 

O órgão informou, ainda, que o processo eleitoral “segue em instrução” em razão “da necessidade de diversas retificações e considerando a representação feita pelo deputado estadual coronel Telhada, que apontou itens que carecem de esclarecimentos”.  

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Atualmente no segundo mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo pelo Progressistas (PP), o policial militar da reserva já foi comandante da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar, tropa de elite da PM paulista).  

Dimitri Sales ressalta, no entanto, que “a publicação da errata independe da análise do processo do coronel Telhada”. Em sua visão, “o governo está usando de uma manobra política”. 

“Hoje temos um ouvidor que não representa a sociedade civil, que está submetido ao comando do governador e que, portanto, não tem autonomia nem legitimidade para exercer o controle da atividade policial”, afirma o presidente do Condepe.  

O Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria do ouvidor interino, que informou que ele não se pronunciará. 

Violência policial 

O estado paulista foi o primeiro do Brasil a criar uma Ouvidoria das Polícias, no ano de 1997, década de alto índice de mortes praticadas pelo Estado nas periferias de São Paulo. Não à toa os Racionais MC’s buscavam a Fórmula mágica da paz.  

Aparentemente, ela ainda não foi encontrada. Durante a gestão de João Doria no governo de São Paulo, a polícia bateu o recorde de letalidade em um semestre desde que a série histórica começou a ser contabilizada, em 2001.  

Foi quando 514 pessoas foram assassinadas pelas forças estatais só na primeira metade de 2020. Naquele primeiro ano de pandemia a polícia paulista matou, no total, 814 pessoas.  

Os dados são da própria Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo. Segundo o órgão, no ano de 2021 o número de vítimas fatais das forças do Estado foi 570. 

“Ocupamos o edifício da Ouvidoria em ato pelo seu fortalecimento, enquanto um órgão de controle civil importante para quem sofre violência policial, que são as populações pobres e racializadas. Por isso seguimos na mobilização nas periferias”, afirma Helder. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho