Distrito Federal

Poeta do Rap

"A luta contra o racismo deve ser um ato, e não, um discurso", aponta GOG

Nesta segunda parte da entrevista, GOG propõe estratégia para driblar adversidades na periferias

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
"O Brasil de 2022 explica o de 1500, até ontem", afirma o rapper - Foto: Bruno Gustavo

Com 45 anos de carreira, Genival Oliveira Gonçalves, o GOG, ainda anseia por mais aprendizado e encara como desafio continuar a acreditar em si por julgar não ser fácil a profissão artística.

Nesta segunda parte da entrevista, GOG fala sobre machismo, racismo, política e o conceito de família para parentela estendida. 

"Meu desafio é continuar aprendendo, transmitindo e não me deixar levar pelo sucesso. Eu sempre quis ser clássico. O sucesso é efêmero. Tanto o sucesso como o fracasso. O clássico não para de rodar. E eu consegui algumas canções que continuam rodando como Matemática na prática, Brasil com P e a música Anfitriã", reflete GOG, ao reforçar que suas letras foram escritas para romper a parede da impossibilidade de que a poesia periférica e preta não possui a relevância creditada, por exemplo, à escrita de nomes como Chico Buarque.

Para GOG se seus versos fossem lançados por esses escritores, a abrangência seria mundial, porém considera estratégico que tenha chegado à Universidade, uma vez que foi tema do exame PAS, na UnB, o "serviço de preto" foi cumprido ao influenciar uma geração acadêmica por meio de uma letra de Rap. 

Machismo no Rap

O machismo que estrutura a sociedade brasileira é refletido também no Rap. O poeta GOG acredita que a sociedade brasileira é machista, e por consequência o rap, por conta dos mandatários que estruturaram o país na colonização, e explica que modificar a configuração leva tempo e exige trabalho e disposição. 

"O Rap continua machista. Continua misógino. Mas não é só o Rap, é a sociedade brasileira. Estamos com o projeto GOG CoMVida (programa semanal transmitido no canal do artista no Youtube), que dialoga sobre variados temas. Convocamos mulheres de altíssimo nível profissional e intelectual como Preta Rara, Joyce Berth e Carla Akotirene para as conversas. Infelizmente você percebe que a audiência desce. Quando o convidado é um rapper, um  homem, ele nem precisa ter muito destaque, que povo já quer ouvir aquelas coisas".

Por que não ser candidato? 

Mesmo questionando a estrutura preconceituosa e desigual do país e acreditando que é necessário trabalhar pela mudança, GOG rejeita os variados convites para candidatura a cargos políticos.

"Eu recebo todo ano convite para ser candidato. Senador, deputado federal e distrital e até para presidente. Ok. O Gog é deputado. Como vou mover essa máquina? Vou sair desacreditado. O sistema corrompe você. Não tem essa fita de entrar no sistema para mudar o sistema por dentro. O sistema é muito mais forte que você. Não existe essa fita de sair e agora contar que sabe as fraquezas do sistema. Só existe uma possibilidade de transformar a sociedade e é conversando entre nós mesmos. Nos fortalecendo e nos entendendo. Sendo desobedientes civis. Dentro do que eles colocam como espaço para nós a gente tem que transitar e transformar. O amor e respeito que conquistei, a transformação social que meu trabalho fez em 45 anos de carreira não podem ser abalados".

Família estendida

Genival nasceu em um lar católico e estruturado segundo as diretrizes cristãs, porém,ao adentrar a cultura Hip Hop, passou a crer que o Rap não se enquadra nesta disposição.

A partir disso, iniciou um processo de desconstrução do conceito de família para parentela estendida, porque parte do projeto revolucionário que ele propôs a realizar socialmente se utiliza de um pensamento de Paulo Freire que diz "você vai ter que se libertar e a partir do momento em que está liberto, terá que libertar o opressor para fazer uma sociedade sem oprimidos".

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Com base na obra "Pedagogia do Oprimido'', GOG considera: "Família não é só família de casa. E o vizinho? Quem construiu o muro? Quem construiu fronteira? Quem construiu meritocracia? Então quando você começa a ver isso entende que está jogando um jogo que não é nosso. Como você explica para um PM que ele não pode agir como age nos bairros periféricos? Como você vai explicar para um moleque de quebrada que está com um fuzil na mão que não deve acertar um PM se ele sabe que o policial vai sentar o aço nele? A revolução não será tuitada e digitada. Nós somos muito ativistas de internet, nos palcos, mas não estamos sendo militantes nas ruas. E quando perdemos o termômetro das ruas é sinal que desandou. Perdemos o conceito maior que é o de família estendida". 

Racismo 

GOG racializa todas as suas falas e ações. Todos os temas que aborda precedem o empoderamento da sociedade negra. Essa postura se dá por entender que não é de interesse dos gestores do país modificar o racismo estrutural.

Ele cita ainda que não compreende o porquê de veículos de comunicação que se dizem comprometidos com a verdade darem abertura ao debate sobre racismo reverso, uma vez que não abrem espaço para discussões sobre a ditadura militar ter sido ilusória ou até que a terra é plana, pois todos estes assuntos são em sua opinião distorções.

"O Brasil de 2022 explica o de 1500, até ontem. Penaremos para explicar aos nossos sucessores as relativizações e distorções como o racismo reverso, por exemplo, e é por isso que a luta contra o racismo deve ser um ato, e não, um discurso", diz. 

Xadrez como aliado

Sempre que possível, o poeta reserva tempo para jogar xadrez. Além de fazer parte do seu ritual de manutenção da saúde mental aliada à terapia cognitiva e à alimentação, o jogo é parceiro nos desafios da vida.

"No xadrez você entende que para jogar o jogo da vida você tem que prever jogadas a frente. Tem que criar estratégias. Em tudo o que faço, busco olhar no que vai dar essa ação, além de criar um planejamento. É lógico que tem surpresas, mas tem gente que quer colher uma coisa e plantar outra. O xadrez da vida faz eu querer jogar no hobbie. Nos meus tempos de faculdade eu era fera". 

Projetos 

A produção de conteúdo somado ao aprendizado é uma constante na vida do rapper. Atualmente, ele produz o podcast GOG CoMVida, exibido semanalmente, às terças-feiras, às 20h, no canal do YouTube do artista. Um dos propósitos do projeto é aprender e gerar aprendizado.

O projeto já contou com a participação de nomes como Rashid, Rappin Hood, Xis, Eliane Dias, Guilherme Boulos, entre outras personalidades do cenário sociocultural e político brasileiro.

A caneta do poeta continua em uso. Nesta semana, o grupo Bloco do Caos de reggae/rock lançou a música “Abaixa que é tiro”, que conta com a participação do rapper. Essa canção terá videoclipe que será gravado no próximo mês na cidade de São Paulo. A agenda de shows também já está aberta a convites. No último 14 de março, GOG realizou show na cidade de São Paulo, onde segue participando de entrevistas em podcasts.

*Fotografias por Bruno Garcez, aluno da oficina de fotografia da ONG Cufa DF, ministrada pela professora, artista, mãe e fotógrafa Tatiana Reis. 

**Cláudia Maciel é jornalista, mãe, mora em Samambaia e escreve, mensalmente, para o Brasil de Fato DF sobre Hip Hop.

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Edição: Flávia Quirino