ELEIÇÃO E RELIGIÃO

"Há evangélicos apoiando todas as candidaturas", dizem pastores sobre bolsonarismo nas igrejas

Pastores ouvidos pela reportagem contestam tese de Silas Malafaia de que voto evangélico será bolsonarista

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Bolsonaro e Malafaia têm relação de longa data; pastores enxergam cada vez menos influência do líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo - Divulgação/Presidência da República

Pastores refutam a tese de que os evangélicos brasileiros necessariamente votarão no presidente Jair Bolsonaro (PL). A reportagem do Brasil de Fato ouviu lideranças de diferentes igrejas sobre o tema. A conclusão é que os fieis devem contrariar pastores mais exaltados, como Silas Malafaia, que insiste em dizer que "evangélico não vota em Lula e no PT".

Em oposição à fala de Malafaia, o pastor Ariovaldo Ramos, que é presbítero da Comunidade Cristã Reformada e coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, defende que "cada evangélico é livre e há evangélicos apoiando todas as candidaturas".

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Evangélicos e o voto

Há duas semanas, o Brasil de Fato mostrou que Malafaia foi alvo de uma série de respostas de evangélicos nas redes sociais negando que os adeptos da religião não votarão no petista ou em outros candidatos, como Ciro Gomes (PDT) e Sergio Moro (Podemos). Em entrevista ao Metrópoles, ele disse que os adversários de Bolsonaro "vão quebrar a cara com os evangélicos".

Segundo Malafaia, quem não apoia o atual chefe do Executivo "representa 1% dos evangélicos, são os famosos zé-ninguém”.

“O que é esse jogo de Ciro, Lula e Moro? Eles perceberam que Bolsonaro foi eleito graças ao voto dos evangélicos. Nós representamos 32% do eleitorado. Só que os sistemas e os meios que estão usando não são meios para conquistar. Estão enganados e vão quebrar a cara com os evangélicos”, afirmou.

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"Há evangélicos apoiando todas as candidaturas"

Segundo o pastor Ariovaldo, evangélicos votam de acordo com a própria consciência e, ainda que pastores locais exerçam influência, não há uma figura única que os adeptos da religião obedeçam.

"A fé evangélica é composta de inúmeras denominações e igrejas independentes. É bastante fragmentada e não reconhece nenhuma liderança central. De modo que ninguém pode dizer que os evangélicos estão fechados com este ou aquele candidato. Os evangélicos votam segundo a sua consciência. Estão distribuídos entre as várias propostas. Simples assim", explica.

Segundo ele, Malafaia não pode ser considerado um líder do povo evangélico. Para o religioso, a fragmentação das igrejas impede a existência de figuras que ordenem comportamentos ou votos. "Não há nenhum pastor ou pastora que lidere a massa evangélica. Ainda que os pastores locais tenham influência, do ponto de vista geral não há uma liderança que os evangélicos obedeçam por definição", afirma.

Silas Malafaia tem "prazo de validade"

Na visão de Brian Kibuuka, pastor batista e professor de História Antiga da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), a proeminência de figuras como Silas Malafaia está fadada a entrar em "viés de baixa". Segundo ele, em entrevista ao Brasil de Fato, a tendência é que o ocaso do pastor aliado de Bolsonaro "não deve demorar a acontecer".

"A boa notícia é que esse tipo de atuação baseada nesse aspecto do personalismo e do carismatismo, de agir como um player político, faz, no caso de Silas Malafaia, ser conhecido como alguém que é capaz de apoiar Lula, depois Eduardo Cunha, depois Bolsonaro. Ou seja, alguém que vende muito fácil o seu apoio", declara o pastor.

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"Malafaia tem uma denominação que, mais tarde, passou a controlar. A Assembleia de Deus Vitória em Cristo tem representatividade no Brasil, mas ele está longe de ser uma voz que representa, tanto uma liderança evangélica, quanto os próprios evangélicos. Porém, no vácuo da presença de líderes evangélicos no discurso público, no debate público, por meio do acesso a esses órgãos de mídia, o rosto que se pode identificar, é o rosto de Silas Malafaia", explica.

A "profecia" do ocaso de Malafaia, segundo Kibuuka, se explica pela falta de "consistência e coerência" na atuação do pastor. Ele aponta que Malafaia não é praticante do "ethos cristão" e que, em breve, ele deve ser identificado como um "radical pós-cristão". 

"Nas mudanças de vento da sociedade brasileira, que, eventualmente, acontecem no nosso percurso histórico, ele tende a ter o seu papel reduzido e a ser substituído muito brevemente. Porque o que falta na atuação de Silas Malafaia é consistência e coerência."

"O que falta é, de fato, um ethos evangélico naquilo que, para os evangélicos, é importante. Tão importante quanto as coisas que ele costuma dizer que são importantes, como a ética e moral sexual e o controle das genitálias dos outros ou indicação de uma moralidade pública obtusa", explica Kibuuka.

"São importantes a paciência e a mansidão, como valores evangélicos que ainda são preservados em muitos ambientes. E, como ele não compartilha desses valores, como ele não é praticante desses princípios do ethos cristão. E, quando ele entrar em viés de baixa, isso não deve demorar a acontecer, ele vai ser identificado como um radical pós-cristão, como aconteceu nos Estados Unidos, com líderes cristãos mais radicais", disse.

"Não existe voto evangélico"

A pastora Nilza Valéria, que também integra a Frente Evangélica pelo Estado de Direito, afirma que os ataques de Malafaia denotam uma ameaça que ele sente pela visibilidade cada vez maior de lideranças evangélicas progressistas.

"Quando ele diz que nós somos zé-ninguém, ele está nos desqualificando. Só que, para nos desqualificar, ele é obrigado a reconhecer a nossa existência. Você não desqualifica aquilo que não existe. Então, ele não percebe a armadilha das próprias falas dele. Ele sabe que nós existimos, ele sabe que nós temos voz", lembra.

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Valéria ainda aponta a categoria "voto evangélico" é utilizada por pastores e pela imprensa de forma equivocada. Segundo ela, ninguém olha para a realidade apenas pela ótica da fé.

"Ele sabe que o voto evangélico é uma categoria que tem sido mencionada para manipular pessoas. As pessoas votam, sobretudo, porque são cidadãos e cidadãs nesse país. Nesse momento, as pessoas estão com as suas cidadanias ameaçadas. As pessoas estão sentindo fome, as pessoas estão com medo do desemprego, as pessoas estão desempregadas, as pessoas estão tendo que pagar quase R$ 50 em um 1 kg de carne", diz ela.

"Ninguém olha para essa realidade só a partir da sua fé. A pessoa olha para essa realidade a partir de toda a sua integralidade. O Malafaia vai sentar e assistir à nossa voz porque a nossa voz, ela vai ecoar. Ele nos desqualifica porque ele reconhece inclusive a potência da nossa existência", diz Valéria.

Edição: Rebeca Cavalcante