Na tarde do dia 23 de março, as famílias indígenas e a comunidade da aldeia do povo Mbya-Guarani receberam o governador Eduardo Leite e a secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira, para a inauguração do novo prédio da Escola Estadual Anhetengua.
Além das autoridades, participaram representantes de outras instituições, como do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, COMIN – Conselho de Missão entre os Povos Indígenas, CEPI – Conselho Estadual do Povos Indígenas, da UFRGS – Universidade Federal do RS entre outras.
Além das autoridades, participaram representantes de outras instituições, como do CIMI, COMIN, CEPI e UFRGS / Foto: Daniela Huberty/COMIN
O ato de inauguração ocorreu no espaço coberto da escola, com a coordenação do cerimonial do governo. A estudante indígena Lidia Garay fez a abertura, lendo um documento elaborado pelo Conselho Escolar, onde foi contextualizada a história da escola, que inicialmente, em 2004, foi instalada em uma casa cedida por uma das famílias Guarani. Posteriormente foi construído um prédio com duas salas, cozinha, secretaria e banheiros com a intenção de que fosse em caráter provisório.
Segundo Lidia, este prédio que ora estava sendo inaugurado, foi um projeto vinculado a financiamento do BIRD viabilizado há dois governos passados e que coubera a este governo inaugurar. “Os projetos e as políticas públicas precisam ter continuidade, independente de que os governos mudem e que suas orientações políticas também. Precisamos lembrar que do governo Tarso Genro ao governo que o sucedeu, houve uma gritante descontinuidade, inclusive no seguimento de obras como esta que estava sendo inaugurada.”
A escola é intercultural, bilíngue, específica e diferenciada, conforme as diretrizes nacionais de educação escolar indígena / Foto: Daniela Huberty/COMIN
O documento, mesmo não tendo sido apresentado até o final, lembrou que o prédio ficou muito bom, porém faltaram a entrega de vários mobiliários, assim como os laboratórios de ciências, de informática e de artes ainda não foram aparelhados e devidamente instalados.
O cacique e professor José Cirilo Pires Morinico falou em nome da aldeia e da comunidade escolar. Cirilo agradeceu a presença das autoridades e dos representantes das demais instituições, lembrou que era um dia em que estavam muito felizes e que a escola tem um papel fundamental para a construção de uma educação diferenciada com os povos indígenas. “É preciso que o governo do estado e a Seduc continuem investindo e apoiando os povos indígenas tanto na educação como nas outras áreas de suas vidas”, destacou.
Cirilo chamou as indígenas Ana (criança) e sua mãe Géssica para entregarem um colar para o governador e outro para a secretária de Educação.
A escola foi criada para permitir que as comunidades indígenas possam adequar o cotidiano escolar a seus modos de vida / Foto: Daniela Huberty/COMIN
Também foi convidado o indígena, professor e cineasta Jorge Morinico a entregar uma cópia do filme Guata, documentário com 56 min, recém concluído, às duas autoridades do estado. O filme retrata um tema tão importante para o povo Mbya-Guarani, “seu caminhar ancestral”, e foi financiado através do edital do Fundo Pró-Cultura do Rio Grande do Sul, em parceria com o governo da Província de Missiones, na Argentina.
A secretária de Educação, Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira, chamou a atenção para o fato de o governo concluir e entregar uma importante obra para os povos indígenas e falou da necessidade de darem continuidade na construção de outras obras de escolas indígenas no estado. Também lembrou aos presentes que possui formação em linguística etnoantropológica, e que teria sido realizada com o povo Krahô.
Já o governador Eduardo Leite agradeceu a oportunidade de estar ali para a entrega desta obra e que na vida pública as coisas são assim, um governo inicia uma obra e coube historicamente a ele fazer a entrega. “É preciso que a Seduc dê prioridade para providenciar as instalações dos mobiliários e dos equipamentos para que a escola funcione em toda a sua plenitude. Temos uma imensa dívida social do Brasil com os povos originários e é preciso que a sociedade brasileira e os governos possam contribuir para que as condições de vida dos indígenas sejam paulatinamente melhoradas. Temos que aprender com os indígenas sobre como conviver melhor com a natureza.”
O grupo de cantos e danças Mbya-Guarani encerrou a cerimônia de inauguração / Foto: Daniela Huberty/COMIN
Para encerrar o ato, o grupo de cantos e danças Mbya-Guarani, coordenados pelo professor indígena Daniel Ramos Morinico, com as presenças de jovens mulheres e homens, e crianças, apresentou duas músicas. Sendo a segunda o “Tangara” ou dança dos Xondáros (guerreiros).
Logo após o governador, o cacique e a secretária de Educação foram descerrar a placa alusiva à data da inauguração da escola. Concluído o ato, o governador foi convidado a caminhar um pouco no espaço da aldeia, a fim de visualizar as condições de grande fragilidade de várias moradias das famílias.
Próximo a uma das casas de madeira e, já muito antiga e precária, foi pedido ao governador que o governo possa estabelecer propostas de políticas públicas estruturantes em algumas áreas e possa apresentá-las para análise da Assembleia Legislativa. Políticas como na área da habitação indígena, como de apoio a produção de alimentos e a sustentabilidade das famílias indígenas. O governador manifestou que estaria aberto para dialogar sobre propostas a respeito destes temas e foi sugerido que o CEPI possa ser um dos interlocutores destas iniciativas. Manifestou ainda que propostas como na área da habitação deveriam também contar com as participações das prefeituras, quando foi apontado por integrante da comunidade escolar que o governo poderia estabelecer projetos e diretrizes. O governador lembrou que o estado poderia também alocar recursos para tais iniciativas.
Cirilo agradeceu as presenças do governador e da secretária de Educação e a possibilidade de terem escutado as demandas da comunidade Anhetengua e as sugestões de aprofundamento do diálogo sobre políticas públicas.
Como dizem os Mbya-Guarani: Ha’evete, Aguyjevete!
Não sabemos, mas todos nós falamos guarani
Ayrton Centeno
Todos nós – gaúchos e brasileiros – falamos guarani ou tupi-guarani. Não há dia em que a gente não utilize o vocabulário aprendido com os primeiros habitantes do Brasil. Nosso uso, claro, não implica no conhecimento da gramática e na formulação de frases. Mas os nomes de raiz indígena são pronunciados a todo momento embora não nos demos conta. Quando dizemos ou escrevemos carioca, arara, aguapé, capim, caboclo, canoa, arapuca, carijó, biboca, bauru, guarita, capão e outras tantas palavras.
Na verdade, estamos cercados pelos vocábulos que vieram da taba. Vejamos o caso do Rio Grande do Sul. Ao Norte e a Oeste estamos cercados pelo rio Uruguai (rio dos caracóis), enquanto ao Sul temos o rio Jaguarão (rio da onça feroz). Os lugares extremos do país são o Chuí (em tupi guarani, rio dos pintassilgos) ao Sul e o monte Caburaí (não é mais o Oiapoque), ao Norte.
A lição do Paraguai
As duas denominações têm muito provável matriz indígena. E, dando um passo além do Chuí, estaremos no Uruguai, nosso vizinho, onde o país foi batizado como o rio que o separa da Argentina.
No caso gaúcho, dos grandes rios do estado apenas um – o dos Sinos – não traz o traço de quem estava aqui antes da frota de Pedro Álvares Cabral aportar em Porto Seguro na alvorada do século 16. Erechim, Ijuí, Panambi, Camaquã, Canoas, Capão da Canoa, Tramandaí, Guaporé são apenas alguns dos municípios que carregam no nome a marca de nascença. E os 27 estados? Quase a metade tem denominação indígena.
Um pouco mais distante, Paraguai (talvez “rio coroado”) também designa um rio e um país. E o Paraguai trata melhor a língua dos antigos povoadores do que o Brasil. Lá, o guarani é um dos idiomas oficiais, ao lado do espanhol trazido pelos conquistadores. E cerca de 90% da população é bilíngue.
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::