Racismo

Entidades protocolam ação contra LinkedIn por exclusão de vaga destinada a negros e indígenas

A empresa informou que o anúncio era “discriminatório”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Além de uma multa de R$ 10 milhões, as entidades também pedem a “reparação integral de um dano dessa magnitude”, que não pode ser meramente “indenizatória” - AFP

A Educafro, a Frente Nacional Antirracista e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos protocolaram uma ação civil pública contra a rede social LinkedIn após a exclusão de publicação de anúncios de vagas que contenham ações afirmativas destinadas às populações negra e indígena.  

As entidades argumentam que “a pretexto de evitar 'discriminação', como se esse termo fosse neutro e pudesse ser aplicado igualmente a situações envolvendo negros, indígenas e brancos”, o LinkedIn “reforça e reafirma a verdadeira discriminação de que negros e indígenas são vítimas notórias, criando óbice e dificultando o acesso às vagas de emprego por parte de tais categorias, o que atenta contra a honra e dignidade” dessas populações.  

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Ainda neste mês, o LinkedIn excluiu o anúncio de uma vaga de emprego ofertada pelo Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, conhecido como Laut, com prioridade para candidatos negros e indígenas. A vaga é parte das ações afirmativas da empresa.  

Como justificava, a rede social informou que o anúncio era “discriminatório” e que "as políticas de publicação de vagas não permitem vagas que excluam ou demonstrem preferências por profissionais". A empresa declarou ainda que a política de publicação de vagas parte do entendimento de que "pessoas com os mesmos talentos devem ter acesso às mesmas oportunidades".  

Ações afirmativas são constitucionais

As entidades lembram na ação, no entanto, que as ações afirmativas são constitucionais de acordo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2017. “O Supremo Tribunal Federal em várias oportunidades, especialmente no julgamento da constitucionalidade das cotas raciais, já afirmou que as políticas afirmativas são plenamente constitucionais”, afirma Márlon Reis, advogado especializado em direitos difusos e coletivos e que representa as entidades. 

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De acordo com Reis, a Constituição “reconhece as desigualdades e também admite a necessidade de adoção de mecanismos tanto públicos quanto do mundo privado de construção de uma igualdade real”.  

Nesse sentido, a despeito de o LinkedIn ser uma empresa global, sediada no exterior, a mesma precisa de adaptar aos marcos legais e constitucionais brasileiros para atuar no país.

“Por isso essa empresa não pode de maneira alguma utilizar seus próprios critérios para definir se é possível ou não uma política afirmativa na promoção de vagas de emprego para pessoas que pertencem a grupos que claramente são tratados de maneira discriminatória no acesso aos postos de trabalho”, afirma o advogado.

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Segundo Reias, as entidades ajuizaram a ação com o objetivo de que o Poder Judiciário proíba efetivamente não apenas essa ação específica que foi realizada ilicitamente pelo LinkedIn, mas também a reiteração dessa conduta.

Além de uma multa de R$ 10 milhões, as entidades pedem a “reparação integral de um dano dessa magnitude”, que não pode ser meramente “indenizatória”. 

Na ação, as entidades defendem que “é necessário que se imponha à demandada um leque de obrigações capaz de impedir a reiteração da sua conduta”. Nesse sentido, deve-se publicar todos os anúncios de vaga de empresas que pratiquem ações afirmativas, contratar uma empresa especializada em erradicação do racismo institucional, inserir cláusulas antirracistas nos contratos com fornecedores e prestadores de serviço, entre outras recomendações. 

MPF e Procon 

O Procon-SP e o Ministério Público Federal (MPF) solicitaram para o LinkedIn, em 23 de março, explicações sobre a exclusão da vaga de emprego, por meio de um ofício.  

Segundo o MPF, a ação da empresa contraria os esforços para promover, por meio de ações afirmativas, a inclusão de populações minorizadas ao longo da história brasileira. Na mesma linha das entidades, o órgão justifica que o STF já entende tais ações “não somente como reparação histórica em favor de grupos subalternizados, mas como forma de beneficiar toda a sociedade prospectivamente, por meio da construção de espaços mais plurais e menos excludentes”. 

O MPF deu um prazo de 10 dias para que a empresa esclareça quais regras nortearam a exclusão do anúncio, informando os fundamentos jurídicos e quantas publicações foram retiradas do ar nos últimos dois anos com o mesmo argumento. 

O Procon, por sua vez, pediu explicações de como ocorre a publicação de vagas, se existem políticas específicas, como as empresas são informadas das regras e de eventuais recusas de publicações.  

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A empresa deveria responder às solicitações do órgão paulista até 24 de março, mas o prazo foi prorrogado até 30 de março após solicitação da mesma. A rede social informou que está trabalhando para responder aos questionamentos. 

Outro lado

Em nota, o LinkedIn informou que atualizou a política global de anúncios de vagas a fim de "permitir a divulgação de publicações que expressem preferência por profissionais de grupos historicamente desfavorecidos na contratação em países onde esta prática é considerada legal. No Brasil, agora são permitidas vagas afirmativas, inclusive para pessoas negras e indígenas".

Edição: Rebeca Cavalcante