Bahia

ENTREVISTA

Campanha da Fraternidade promove diálogos sobre a realidade educativa do Brasil

Para falar sobre o assunto, entrevistamos o diácono Luciano Lima Santana, assessor de Pastoral da CNBB Nordeste 3

Brasil de Fato | Lençóis (BA) |
À luz da fé cristã, Campanha vem propondo novos caminhos em favor de um humanismo integral e solidário. - Divulgação

Durante a Quaresma, período litúrgico que antecede a Páscoa, a igreja católica brasileira realiza a Campanha da Fraternidade, cujo tema este ano é a educação. A campanha tem promovido diálogos a partir da realidade educativa do país, à luz da fé cristã, propondo novos caminhos em favor de um humanismo integral e solidário. Nesta entrevista, o diácono Luciano Lima Santana, assessor de Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Nordeste 3, nos fala mais sobre as propostas deste tempo de reflexão e a importância de realizar esse debate no âmbito da igreja.

Brasil de Fato Bahia: Essa é a terceira vez que a Campanha da Fraternidade trata do tema educação. Por que retomar esse tema nesse momento?

Diácono Luciano Lima Santana: Queridos irmãos e irmãs, de fato é a terceira vez que a CNBB propõe aos cristãos católicos e às pessoas de boa vontade uma reflexão sobre o tema da educação. O tema da educação já foi abordado em outros contextos nos anos de 1982, 1998, refletindo sobre a necessidade da educação não só como ato formal de transmissão de conhecimento, mas a educação como um processo permanente da educação humana, de transmissão de valores, de construção, portanto, da identidade do ser humano nesse censo de pertença à comunidade, à humanidade, do bem comum que nos ajuda a pensar, de fato, em uma sociedade fraterna e justa. Por isso, então, neste ano, dentro do contexto da pandemia, do enfrentamento das diversas dificuldades que foram sendo superadas — e ainda estão neste caminho —, a igreja retoma a temática da educação. Sempre tendo em vista essa proposta de que possamos superar os conflitos existentes na sociedade, as polariazações, mas também construir pontes, de que a educação seja um instrumento verdadeiramente de libertação do homem, das mazelas, das amarras. E possa garantir, portanto, os direitos fundamentais, para que haja uma comunidade, uma sociedade verdadeiramente equilibrada, fraterna, pautada nos valores cristãos, humanos, para que de fato a vida seja garantida como direito fundamental. E é nesse caminho, portanto, que essa campanha da fraternidade nos aponta uma reflexão que nos ajude a pensar que a educação é um caminho de transformação, é um caminho portanto de compromisso, de todos os setores, da igreja, da família, do Estado e da sociedade. Portanto, é um caminho de colaboração, de participação, e co-responsabilidade de todos.

Por que as políticas públicas de educação e os contextos educativos no país devem ser uma preocupação também para a Igreja e comunidade católica?

A igreja sempre viu a educação como uma prioridade, como um caminho verdadeiramente de transformação humana, de capacitação do homem para que exerça seu potencial e de verdadeira confirmação da identidade do homem, como sujeito e não como objeto de um sistema, mas como alguém que de fato é parte, constrói, colabora, dá sua contribuição nos diversos aspectos e potenciais humanos possíveis. Então, nesse sentido, forcar no tema da educação em vista da realidade do Brasil é também nos fazer questionar sobretudo o valor real da educação, o valor da escola pública para todos, do acesso ao ensino, do acesso ao aprendizado, e também é uma denúncia que ainda estamos vivendo realidades dolorosas em que muitas pessoas ainda vivem em situação de analfabetismo, de exclusão. Então o tema da educação sempre remete também às outras atividades que são propriamente, como eu disse, do ensino formal, mas nos remete a pensar nos outros aspectos de políticas públicas relativos aos direitos da pessoa humana, como o acesso à saúde, à moradia, à alimentação digna. Enfim, esse tema perpassa várias outras situações. A igreja tem sempre essa preocupação com o bem comum, com a promoção do homem, dos seus direitos, da sua comunidade, por isso, o tema da educação deve ser sempre compreendido como um tema de grande valor que não pode ser jamais por nós abandonado. É por isso que a campanha de fato nos ajuda a perceber que, no caminho da educação integral, nós podemos trabalhar a superação da violência, educar para o diálogo, para a superação de preconceitos e discriminações, educar para o cuidado integral com a vida do planeta, redescoberta dos valores que motivam o homem a construir uma sociedade diferente dessa que estamos, muito marcada por desigualdades, violência.

O que é o Pacto Educativo Global, convocado pelo Papa Francisco?

Muito bem. Então, um dos grandes eixos motivadores dessa Campanha da Fraternidade é o Pacto Global Educativo convocado pelo Papa Francisco, que propõe um caminho de educação integral, onde tudo está interligado, de modo que haja um grande esforço de todos os estados, os governos, todas as autoridades políticas civis, mas também de toda a comunidade cristã também, das pessoas de boa vontade, a fim de construir um novo modelo que ajude o ser humano a encontrar bases para ser um sujeito integral, pleno. Então, com um olhar atento à vida humana, à vida do planeta, o cuidado integral com a casa comum, e assim, o pacto global, assim chamado pelo Papa Francisco é uma convocação para que construamos uma educação humanista, solidária, de modo que haja uma grande transformação na sociedade. Esse pacto foi lançado pelo Papa Francisco, foi uma convocação feita em outubro de 2020, e aí então se propõe mobilizar toda a sociedade em torno desse projeto global de políticas educacionais e institucionais que visam, primeiro colocar a pessoa humana no centro de cada processo educativo, segundo ouvir as gerações mais novas, terceiro promover a mulher, reconhecer o seu papel, o seu protagonismo. Quarto responsabilizar a família como um sujeito que atua diretamente no processo da educação, como dissemos, não só da educação formal, mas dessa educação da formação do ser humano. Deseja, portanto, o pacto global, que haja uma abertura à acolhida das diferenças, do diálogo, que haja sempre esse caminho de escuta sincera de respeito ao outro e deseja, ao mesmo tempo, apontar caminhos para uma renovação da economia e da política, aquele projeto também assim chamado da economia de Francisco e Clara, que nos ajuda a pensar novas possibilidades para a construção de uma humanidade sustentável que seja de fato garantia para a casa comum, para o bem viver. E o sétimo compromisso que o pacto global apresenta é exatamente esse de um cuidado atento para a casa comum, para com a nossa Mãe Terra, para com as águas, os rios, com a natureza, recordando como nos lembra o Para Francisco na lauda que tudo está interligado, então há todo um caminho de compromisso de construção a partir de instituições que se abram a esse projeto para que o Pacto Global se realize de fato.

O texto base da Campanha da Fraternidade fala sobre uma educação humanizada, em que não importa apenas o professor ensinar e o aluno aprender. Pode nos explicar como deve acontecer essa educação humanizada?

Então, é nesse caminho que se pode falar em uma educação humanizada, que considere as diferenças, que considere a identidade de cada pessoa, de cada cultura, de modo que haja respeito, diálogo, acolhimento, fraternidade verdadeiramente. E nesse caminho nós temos homens e mulheres que dão um belo testemunho, atuando no caminho da educação, gastando suas energias, suas vidas para favorecer a criação, ou a formação de novos sujeitos. Isso é um testemunho animador, esperançoso de ver que há pessoas sérias, comprometidas com o caminho de uma educação integral, libertadora, que promova a vida, que promova o ser humano.

Um dos objetivos da campanha é promover uma educação comprometida com novas formas de economia, de política e de progresso verdadeiramente a serviço da vida humana. Como a educação pode se comprometer nesta construção? E como a comunidade católica pode contribuir?

Recordamos que o ensino social da igreja nos recorda da responsabilidade nossa, cristã, com todos os aspectos da vida humana, social, política, ecológica, com todos esses elementos que compõem um mosaico da vida em sociedade, da vida da humanidade. Então, é sempre importante recordar que o compromisso na construção dessa educação comprometida com novas formas de economia nos ajude também a pensar que não podemos fortalecer a lógica do lucro pelo lucro e da ganância, da exploração do planeta e das pessoas. Mas devemos buscar alternativas para uma outra economia, que valorize também a cultura, o sujeito, os pequenos grupos, as associações, que potencialize em nossas pequenas comunidades a organização da sociedade em torno dos seus potenciais criadores, geradores de vida. Então, é sempre importante superar uma visão de cima para baixo, de imposição imperialista, mas uma visão sempre mais de participação, com a responsabilidade de construção de pequenos projetos, potencializando as ações, conforme a igreja do Brasil vem, durante todos esses anos, com o Fundo Nacional de Solidariedade, [formado] com a partilha de cada cristão, no Domingo de Ramos, investindo em pequenos projetos que transformam a vida de comunidades, através do potencial daquela comunidade local. Então é sempre importante entender que a economia deve estar a serviço da vida. Nos lembra o Papa Francisco, na Fratelituti, que esse modelo, que essa economia no modelo que aí está mata, exclui, ela não favorece o crescimento integral de todos, mas gera alguns poucos muito ricos às custas de outros muito pobres, na miséria. Então, a proposta do Pacto Global pela Educação, volto a dizer, dessa Campanha da Fraternidade, sempre apontando caminhos novos, de voltar também às fontes, voltar e potencializar pequenos projetos em cada comunidade local, de modo que haja uma emancipação também daquela comunidade e que, além disso, os que estão assumindo os cargos de serviço na política, nos governos, potencialize as políticas de inclusão, de superação das desigualdades, de reparação, melhor dizendo, porque temos um histórico grande de negação de direitos e exclusão.

Edição: Elen Carvalho