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4 anos da prisão de Lula: lembrar para que não se repita!

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Mas aquele dia, há exatos quatro anos, foi a demonstração do quão longe nos abusos podem chegar agentes públicos do sistema de justiça - Ricardo Stuckert
A prisão de Lula fechava a temporada final da programação do golpe

Os últimos anos da conjuntura política no Brasil possuem dias marcantes e portadores de simbologia para interpretar o conjunto de fatos. O estudo da História do país a ser feito pelas gerações vindouras certamente não ocorrerá sem discorrer sobre o dia 7 de abril de 2018, em que a Lava Jato atingiu seu ápice e executou o mandado de prisão daquele que representava o coroamento público de sucesso da operação em seu marketing de se vender como instrumento de combate à corrupção.

Após anos fazendo a sociedade crer estarem passando o país a limpo, com o apoio da imprensa empresarial e do establishment, Sérgio Moro e o conjunto de procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba cumpriram o objetivo de sua maior obsessão.

Contudo, a prisão do ex-presidente Lula, como quase tudo que o cerca, fugiu do script escrito por seus algozes. Não houve um líder humilhado, algemado, rendido. Ao oposto, Lula foi “entregue” aos carcereiros por milhares de militantes que se aglomeraram em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), durante os três dias que antecederam sua condução a Curitiba para ocupar uma cela no complexo da Polícia Federal.

A prisão de Lula fechava a temporada final da programação do golpe, montado como série de televisão, um roteiro a ser cumprido por etapas. Mas a audiência pervertida, ávida pelo prazer com o sofrimento e com a humilhação, foi frustrada, porque coube justo ao protagonista o inteiro controle da dramaturgia da sua prisão, assim como o roteiro do seu tempo em cárcere, rejeitando solturas paliativas, mudança de regime, com tornozeleiras e saindo 580 dias depois como entrou: nos braços dos militantes.

Mas aquele dia, há exatos quatro anos, embora não tenha surtido o espetáculo midiático almejado e tampouco tenha diminuído a liderança carismática de Lula, foi a demonstração do quão longe nos abusos podem chegar agentes públicos do sistema de justiça. Procuradores e juiz agindo juntos, como se não houvesse uma imperiosa e constitucional obrigatoriedade de separação de seus papéis, construindo a própria imagem pública como heróis nacionais na punição dos corruptos poderosos, e como a única fonte confiável de Justiça.

A grande questão que se coloca, ainda hoje, é que toda sorte de ilegalidades por eles praticadas e diuturnamente denunciadas não foram suficientes para detê-los, senão e apenas quando um hacker revelou as conversas que travavam diariamente por meio de um aplicativo de celular. Se o desfecho final foi justo, não nos autoriza, mesmo assim, a deixar de enxergar o espírito corporativista do Poder Judiciário que, a par de todas as provas que possuía, de grampos ilegais, conduções coercitivas sem prévia notificação, delações premiadas de pessoas presas, feitas sob chantagens com benefícios de redução drásticas de penas e usadas como provas exclusivas; da presença de agentes do FBI em Curitiba sem anuência da autoridade central e da evidente parcialidade com que era conduzido o processo, permitiu que o dia 7 de abril de 2018 se consumasse.

O uso dos aparelhos do sistema de justiça como armas políticas para destruir inimigos teve seu apogeu, criou fraturas que ainda estão expostas, e não ocorreria sem o respaldo das instituições. O fim da Lava Jato ocorreu com muita luta social, inclusive de cidadãos que sequer se situam no campo da esquerda, mas entenderam que havia ali um risco à própria funcionalidade do devido processo legal. Ocorreu, também, por não ser mais considerado instrumento útil para quem governa o país e por desagradar o grupo da Procuradoria Geral da República comandado por Augusto Aras.

Os fatos como um todo servem como indicativo da necessidade de que se criem mecanismos de controle social do sistema de justiça com participação popular.

Estive em São Bernardo nos fatídicos dias da prisão do ex-presidente Lula junto com vários colegas juristas. As lembranças, por evidente, mesmo que emocionantes, não são boas. Mas como se costuma afirmar sobre a importância da memória: lembrar para que não se repita!

*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É integrante do Grupo Candango de Criminologia da UNB (GCcrim/UNB) e integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Felipe Mendes