Revolução popular

Cúpula contra o Fascismo na Venezuela marca os 20 anos de tentativa de golpe de Estado

Em 2002, o sequestro do então presidente Hugo Chávez marcou a história e os rumos do país

Brasil de Fato | Rio de Janeiro |
Chávez retornando ao Palácio Presidencial após tentativa de golpe, em abril de 2002 - Reprodução

No marco dos 20 anos da tentativa de golpe de Estado na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro destacou, nesta terça-feira (12), que o avanço neoliberal sempre disputou o controle do continente. O país, um dos maiores em reserva de petróleo no mundo, foi alvo de um golpe orquestrado pelos Estados Unidos e a Espanha para retirar Hugo Chávez do poder, em abril de 2002.

“O imperialismo sabia o imenso impacto da liderança bolivariana que o Comandante Hugo Chávez tinha na Venezuela, para o despertar de consciência da América Latina, do Caribe e dos povos do mundo”, disse Maduro durante a inauguração do Centro de Doutrina Militar da Força Armada Nacional Bolivariana. Ele reforçou que o evento também se tratou do que chamou de um “golpe preventivo”, visando impedir a eleição de Lula, em 2002, e, assim, uma nova liderança na região.

Maduro também falou no Palácio Miraflores, na cerimônia de encerramento da Cúpula Internacional contra o Fascismo pela Defesa da Verdade, que recebeu convidados, comunicadores e figuras do campo progressista para debater e refletir sobre os novos aspectos do fascismo na região e no mundo.

“O dia 12 de abril foi um dia decisivo na comunicação popular, um dia decisivo para romper a ditadura midiática que, sim, pode ser rompida”, disse Maduro, destacando a importância da presença de profissionais da comunicação no evento, em uma referência ao cerco midiático sobre a Venezuela que criou as condições para o golpe entre 11 e 13 de abril de 2002 no país.

“Para uma revolução como a nossa, 20 anos são um século: de experiência, vicissitudes, avanços, retrocessos, vitórias, derrotas, alegrias, dores, mas, sobretudo, de uma batalha perseverante com a ideia de independência, de liberação nacional e da construção do socialismo do século 21”, destacou o mandatário.

“O Comandante Chávez, líder fundador da revolução bolivariana, sempre esboçou um projeto de democracia participativa e protagonista”, disse, mencionando a contradição da democracia burguesa, que representa as elites e os interesses econômicos e políticos imperialistas. Assim, ressaltou, a revolução gestou um novo conceito de democracia. “O Comandante Chávez sempre defendeu uma democracia não só participativa, mas protagonista, onde os protagonistas são o povo consciente e organizado.”

O discurso de Maduro aconteceu no próprio Salão Ayacucho, do Palácio de Miraflores, onde, em 2002, foi realizada a leitura do documento que dissolveu os poderes públicos, no mesmo dia 12 de abril de 2002.


Maduro durante a Cúpula Internacional contra o Fascismo pela Defesa da Verdade / Twitter Nicolás Maduro

Abril de 2002

Hugo Chávez, que presidiu a Venezuela entre 1999 e 2013, chegou ao poder com um projeto popular e de redistribuição de renda, rompendo um processo de projetos neoliberais no país, até então vigentes. Durante seu governo, dedicou especial atenção aos meios de comunicação, rompendo a barreira dos meios privados que defendiam os interesses do poder econômico.

Em 2002, a organização patronal comercial Fedecámaras convocou fortes protestos e uma greve geral de mais de três dias, que culminaram em uma grande manifestação no dia 11 de abril, em frente ao Palácio de Governo, em Miraflores, Caracas. A manifestação somou apoiadores e detratores de Chávez que, ao se encontrarem em frente à sede do governo, se enfrentaram com violência. O saldo do conflito foram 19 mortos e 127 feridos. As imagens do incidente, todavia, focaram apenas em manifestantes chavistas atirando, um recorte que retira da narrativa a investida violenta dos anti-chavistas.

O evento inaugurou o processo do golpe de Estado, seguido do sequestro de Chávez pelos militares. O presidente foi detido no Forte Tiuna, maior base da Academia Militar da Venezuela. Na madrugada do dia 12 de abril, o general Lucas Rincón anunciou a suposta renúncia do presidente, que teria atendido à “solicitação” do Exército.

“Os membros do Alto Mando Militar da República Bolivariana da Venezuela deploram os lamentáveis acontecimentos na cidade capital no dia de ontem”, anunciou Rincón. “Diante dos fatos, foi solicitado ao senhor Presidente da República a renúncia de seu cargo, a qual aceitou. Os integrantes do Alto Mando põem seus cargos à ordem, os quais entregaremos aos oficiais que sejam designados pelas novas autoridades.”

O empresário e presidente da Fedecámaras, Pedro Carmona, se apresentou como presidente interino da Venezuela, contrariando a Constituição: em caso de renúncia do presidente ou presidenta da República, devem assumir o vice-presidente ou o presidente da Assembleia Nacional, caso o vice também renuncie, enquanto se chamam a eleições diretas nos trinta dias corridos após o sucedido.

Em seu primeiro ato oficial, Carmona dissolveu o Parlamento, o Tribunal Supremo de Justiça, o Conselho Nacional Eleitoral e anunciou a destituição de todos os governadores, prefeitos, vereadores e embaixadores. Também retirou o termo “Bolivariana” da Constituição da República.

Sem qualquer prova sobre os anúncios e atuação dos militares que se desenrolaram naquele 12 de abril, a população foi às ruas em todo o país exigindo o retorno do presidente Chávez. Os canais de televisão privados mantinham a narrativa contra Chávez, sustentando os acontecimentos do golpe. No entanto, a população furou o cerco midiático com as próprias manifestações.

“Lembro que em todo o país, logo após o 'autojuramento' de Pedro Carmona, dispararam as marchas nas zonas populares”, disse Maduro no encerramento da Cúpula. “A população bloqueou estradas, ruas, comunidades, e se desenrolou um panelaço ensurdecedor, em todos os cantos do país, em rejeição à tentativa de impor uma ditadura naquele 12 de abril.”

Com a pressão popular e a retomada do canal do Estado, o então vice-presidente Diosdado Cabello prestou juramento como presidente temporário. No dia 13 de abril, Chávez foi transferido para a base naval de Turiamo, no centro do país. Lá, pôde fazer o primeiro pronunciamento, através de uma carta, onde dizia que não havia renunciado seu cargo de presidente, “o poder legítimo que o povo me deu”.

Os protestos não cederam até o retorno do presidente. No dia 14 de abril, Chávez foi liberado da prisão militar, na Ilha La Orchila, e foi reposto como presidente constitucional da Venezuela.

O golpe não apenas fracassou em retirar Chávez do poder, como levou ao fortalecimento de sua figura, como observou Maduro na Cúpula contra o Fascismo. “Gerou uma força que não esperavam, uma força inaudita, inédita, que fez história até os nossos dias, com o surgimento de uma força popular que Hugo Chávez denominou como a revolução de abril, a ressurreição do povo em 13 e 14 de abril, a insurreição cívico-militar mais grandiosa conhecida na nossa história”, disse.

Edição: Thales Schmidt