UNDERGROUND

Angeli para de desenhar: traço do cartunista resume décadas de política e comportamento

Diagnóstico de afasia, doença degenerativa, fez com que cartunista decidisse parar de desenhar, após meio século

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Los 3 Amigos, Rê Bordosa, Bob Cuspe, Wood&Stock: o universo entre a crítica política e a contracultura - Montagem

Aos 65 anos, com 51 de carreira, o paulistano da Casa Verde (zona norte) Arnaldo Angeli Filho anunciou sua aposentadoria, por motivos de saúde. Ele para de desenhar cartuns, mas deve continuar participando de exposições e outras atividades. Assim, o criador de personagens como Bob Cuspe, Rê Bordosa, Meia Oito e Wood&Stock, entre outros, vai parar de desenhar por causa de um diagnóstico de afasia, uma doença degenerativa. Foram décadas de olhar crítico, humor agressivo e capacidade de síntese das transformações do país. Agora, dos chamados Los 3 Amigos oficias, apenas a cartunista Laerte se mantém na ativa. O terceiro, Glauco, morreu há 12 anos, assassinado junto com seu filho Raoni. O quarto, não-oficial, Adão Iturrusgarai, também está em atividade. 

“O Angeli tem o peso de um Pasquim inteiro em matéria de influência e significado de uma época”, afirmou Laerte ao jornal Folha de S.Paulo, para o qual colabora há décadas, assim como seu amigo. “Ele foi vital para a existência do que entendemos como humor em São Paulo”, acrescentou.

Contracultura

Angeli desenhou desde pequeno. Adolescente, observou o trabalho de nomes como Jaguar, Millôr e Ziraldo. Mas também teve forte influência de autores ícones da chamada contracultura e do underground, como o americano Robert Crumb e o francês Georges Wolinski, que sempre tiveram como característica, cada qual a seu estilo, a aguda crítica social e de costumes. Com pai funileiro e mãe costureira, admirador do avô ferreiro, Angeli já desenhava desde os 14 anos – teria começado na revista Senhor. A partir de 1973, passou a publicar na Folha, colaborando com diversos periódicos.

cartunista angeli

Angeli fez história na página de Opinião da Folha (Reprodução)

 

“Eu tinha verdadeira adoração pelo Crumb, e ele foi decisivo para me convencer de que eu teria de fazer algo autoral, falar da minha vida, das coisas que eu gostava, das raivas que eu tinha, do meu desprezo à burguesia, mas eu estava fazendo charge política na Folha, em uma época em que não se podia apontar o dedo ou desenhar generais”, disse Angeli à revista Brasileiros em 2018. “Foi então que falei que queria sair da charge e comecei a produzir tiras. Só havia tiras americanas na Folha, e os embriões da Chiclete com Banana surgiram nesse novo espaço que defendi. A observação crítica é o que me levou aos personagens.”

Chiclete com Banana foi uma revista lançada em meados de anos 1980. No melhor momento, vendeu em torno de 100 mil exemplares em banca. Durou cinco anos Não apenas com os três amigos, mas com uma geração de cartunistas que vinha surgindo. E também dando espaço a desenhistas “clássicos” como Luiz Gê.

Editora prepara livro

O anúncio do fim dos desenhos de Angeli vem acompanhado da notícia de que a Companhia das Letras está organizando uma seleção de seu trabalho, que deverá ter aproximadamente mil obras, reunidas em dois volumes, com publicação prevista ainda para este ano. O projeto é organizado pelo editor André Conti e Carolina Guaycuru, mulher do cartunista.

“O Angeli só não é famoso mundialmente como Robert Crumb porque escreve em português”, afirma o também cartunista Adão Iturrusgarai, que durante um período se integrou à trupe de Los 3 Amigos.