Risco ainda persiste

Covid: o Brasil está preparado para o fim do estado de emergência?

Virologista pondera que decisão do governo veio cedo demais e entidades reagem à determinação da gestão Bolsonaro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O presidente da República, Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; governo considera que estado de emergência em saúde pública não é mais necessário - ©Evaristo Sa / AFP

O fim do estado de emergência por conta da pandemia do coronavírus pode dificultar a retomada de medidas em caso de novo agravamento do cenário e o Brasil ainda não está em um estágio seguro para tomar adotar a medida.

Essa é a percepção do virologista Rômulo Neris, da Equipe Halo, iniciativa da ONU que reúne cientistas do mundo todo para combate à pandemia e a leitura também de entidades, governos estaduais e municipais.

Com o fim do estado de emergência em saúde pública, deixam de valer normas que permitiam a desburocratização de contratações de equipes de saúde e da compra de insumos e vacinas, por exemplo. A medida atinge uma série de regras estabelecidas não só pelo governo federal, mas também por estados e municípios.

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Os impactos afetam desde decisões sobre a retomada do trabalho presencial até políticas sociais de auxílio à população em situação de vulnerabilidade e a empresas que passam por dificuldades desde o início da emergência sanitária. A possibilidade de descumprimento da lei de responsabilidade fiscal também deixará de valer. 

Para o ministério, o ritmo atual de propagação do coronavírus no Brasil justifica o fim do estado de emergência. Rômulo Neris concorda que o cenário é mais favorável que em outros momentos. Mas lembra que ainda são registrados mais de 100 mil casos por semana no país, número superior a qualquer outra doença que circula em território nacional. 

“De fato, o cenário do Brasil é relativamente favorável em relação a outros períodos da pandemia. Nós temos observado uma tendência de queda significativa de casos, mesmo depois de um período de aglomerações em alguns locais. Isso não provocou o aumento substancial de novos casos, possivelmente por causa do percentual de indivíduos imunizados. Mas a gente ainda não pode dizer que está livre do Coronavírus”, alerta ele.

Neris explica que a ciência não trabalha com a ideia de desaparecimento total do coronavírus,uma “impossibilidade biológica”, nas suas palavras. Os alertas sobre a precocidade da medida não pressupõem a erradicação total para que a vida seja normalizada.

No entanto, ainda que a sociedade tenha que se adaptar à convivência com a covid-19, o virologista pondera que ainda é preciso atingir outros indicadores para repensar uma retomada da normalidade, "podemos dizer, em algum momento, que controlamos o surto ou que o cenário está sob controle aqui, mas não temos todos os indícios para dizer que esse cenário está sob controle", explica ele.  

"Os indicadores em níveis baixos jogam a nosso favor, mas não são, necessariamente, só fruto de intervenção humana, digamos assim. Sabemos que tem outras questões que estão em jogo, como o acúmulo de mutações, as novas variantes, o comportamento do vírus em pessoas não imunizadas. Por isso, nesse cenário, o Brasil ainda não está pronto. Não é adequado ainda que a gente retome o mesmo estado de atividades que a gente tinha antes da pandemia", completa.

Entidades reagem

Frente à possibilidade de que o Ministério da Saúde estabeleça prazo de apenas 30 dias para o fim do estado de emergência em saúde, estados e municípios acenderam o alerta. As entidades pedem um período de 90 dias para adaptação e medidas de transição para o período.

Em carta enviada à pasta, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) demonstram preocupação com o risco de a população ficar desassistida.

“Preocupa-nos o impacto de um encerramento abrupto, pois há considerável número de normativos municipais e estaduais que têm se respaldado na declaração de emergência publicada pelo Ministério da Saúde, assim como há diretrizes do próprio ente federal que impactam estados e municípios e que também têm seus efeitos vinculados à vigência da declaração de emergência”, afirma o texto.

Ainda de acordo com carta, destinada ao ministro Marcelo Queiroga, as mudanças e adequações não podem ser concluídas em um curto espaço de tempo.

"Importa destacar também, como salientado por V. Exa. em seu pronunciamento, que a pandemia da COVID-19, não obstante seu arrefecimento, ainda não acabou. Desse modo, é necessária a manutenção das ações de serviços de saúde, sobretudo as da atenção primária, responsáveis pela vacinação e pela capacidade laboral dos leitos hospitalares ampliados."

E a vacinação?

Segundo o Ministério da Saúde nenhuma política do setor será descontinuada.  Além disso, a pasta enviou para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um pedido para que as regras de uso emergencial de vacinas e medicamentos continuem valendo por um ano. Mas não há detalhes sobre as próximas fases da campanha de imunização.

Rômulo Neris ressalta que a eficácia das vacinas vai continuar representado uma proteção importante no futuro, mas o fim do período de emergência pode afetar políticas públicas essenciais e acabar “minando” os esforços de combate ao coronavírus.

“A gente tem aproximadamente 25% da população que ainda não teve cobertura vacinal adequada. Temos que lembrar que é um vírus que se transmite pelo ar, umas das transmissões mais facilitadas que conhecemos entre patógenos. Caso tenhamos novos surtos com esse estado de emergência encerrado, vai ser muito mais difícil rearticular e mobilizar novamente os mesmos dispositivos que tentamos articular no início da pandemia.”

O virologista lembra ainda que o país não tem políticas de monitoramento e testagem suficientes para controle da circulação da covid-19. “De uma perspectiva de política de saúde pública é uma questão muito delicada e que tem que ser muito bem planejada para que possa ser tomada", conclui.

Ouça a entrevista na íntegra no tocador de áudio abaixo do título desta matéria.

Edição: Rodrigo Durão Coelho