Cultura periférica

Dicionário Capão reúne mais de 450 gírias dos Racionais MC's e chega às escolas públicas

O dicionário que é online vai ganhar uma versão impressa ainda este ano, diz o idealizador do projeto Hugo Cacique

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Dicionário Capão reúne mais de 450 gírias em letras dos Racionais MCs; na foto Hugo Cacique idealizador do projeto - Miguel Jerônimo
A obra dos Racionais traduz a vivência periférica, afirma Hugo Cacique criador do Dicionário Capão

Hugo Cacique, morava no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, e trabalhava na região da Avenida Paulista. No trajeto de casa para o trabalho ele observava que o vocabulário das pessoas mudava ao longo do deslocamento, do centro comercial para a periferia e vice-versa.  

Foi assim que, em 2018, nasceram as primeiras ideias do ‘Dicionário Capão’, projeto tocado por Hugo, que traz mais de 450 gírias periféricas presentes nas letras das músicas dos Racionais MC's. 

Em 2019, quando os Racionais completaram 30 anos de estrada, Hugo decidiu fazer uma leitura pessoal das músicas e descobriu o quanto eles contribuíram e continuam contribuindo com a identidade periférica por meio das palavras.

“Os Racionais ajudaram a periferia a se definir, se entender e se autoafirmar. A obra dos Racionais traduz a vivência periférica”, diz. 

Jão, fita, vida loka, gambé, pião.  Hugo traduziu e catalogou em forma de verbetes mais de 450 gírias da obra dos Racionais MC's, com foco na didática e na identidade das quebradas que não falam a mesma língua. “As quebradas têm gírias específicas daquele lugar e com diferentes contextos e isso falando só de São Paulo se tratando de Brasil essa diversidade é maior ainda”, acrescenta.  


Desde 2018, a página Dicionário Capão no Instagram traduz verbetes cantados por Mano Brown e outros integrantes dos Racionais MC's. / Miguel Jerônimo

Hugo conta que, para construção do Dicionário, estabeleceu três tipos de gírias. “Primeiro, são as palavras que não estão no dicionário, que foram criadas, como, por exemplo, a palavra “voado”, que é apressado, então diz que aquele maluco tá “voado”; o segundo tipo é aquela palavra que existe no dicionário, mas não com aquele significado abordado na música, por exemplo “kit” que é roupa de marca, os panos, ou "cavalo" no sentido de carona.  E outras como “rolê” e “mano” que já caíram no uso popular, pode até ser que já encontre o significado em dicionário, mas que não poderiam ficar de fora”. 

Hugo posta os verbetes nas redes sociais e por lá começou a acompanhar a repercussão do projeto. “Comecei a receber mensagens perguntando sobre um determinado significado, mas também agradecendo, que ela passou a entender melhor determinado verso. Ou seja, já existia uma identificação, mas a partir do momento que ela passa a entender mais a fundo aquela gíria, aquela pessoa se sente ainda mais identificada”.  

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O projeto coloca os verbetes periféricos no mesmo patamar de verbetes da norma padrão, com isso, conseguiu romper preconceitos de que as expressões poderiam ser pobres ou inferiores e conseguiu alcançar outros públicos, segundo o idealizador. O Dicionário Capão teve uma repercussão que foi muito além das expectativas e pretensões de Hugo e alcançou escolas públicas.

“Eu recebi mensagens de professores de diversos níveis, desde professor de Direito até professor de escola pública de diversos lugares do Brasil dizendo que estão usando o Dicionário Capão em sala de aula de alguma forma”. 

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O Dicionário Capão contou com a colaboração de amigos com a parte visual do pixo, mas nunca teve apoio cultural. O Dicionário não vai ser publicado, mas terá a versão impressa ainda este ano, por enquanto sem data definida. O idealizador pretende entregar a impressão aos Racionais. 


Alguns dos verbetes reunidos no Dicionário Capão / Miguel Jerônimo

 

Edição: Douglas Matos