Distrito Federal

Pacote do Veneno

Em audiência no Senado, especialistas criticam PL do veneno e “indústria” dos agrotóxicos

“Agrotóxico é veneno e tem a única função que é de eliminação da vida”, afirma pesquisadora.

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Entre 2010 e 2015 foram registrados 815 agrotóxicos e entre 2016 e 2020 este número mais que dobrou, sendo liberados 2.009 agrotóxicos no Brasil. - Arquivo Pessoal

Parlamentares e especialistas em agroecologia debateram, em audiência pública realizada nesta terça (26), a crescente liberação de agrotóxicos e os impactos da medida na saúde da população brasileira. A discussão, que aconteceu na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal, em Brasília, contou com a apresentação do Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da vida.

Proposta pelo senador Humberto Costa (PT-PE), a audiência teve participação de representantes da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), da organização social Terra de Direitos, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), da Associação Brasileira de Agroecologia, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

De acordo com o parlamentar, o Brasil é, atualmente, um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo.

“A legislação brasileira, que regula o uso de agrotóxicos ainda é muito permissiva e isto nos torna um mercado perfeito para o veneno. Mais de mil novos agrotóxicos foram liberados no Brasil”, afirmou. Ele destacou ainda que nos governos Temer e Bolsonaro, “três novos venenos são liberados a cada dois dias”.

Dados do Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da vida, organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, informam que entre 2010 e 2015 foram registrados 815 agrotóxicos e entre 2016 e 2020 este número mais que dobrou, sendo liberados 2.009 agrotóxicos.

“Essas liberações se sustentam apenas em argumentos econômicos de validade duvidosa, pois muitos dos produtos autorizados no Brasil não têm uso permitido em outros países, por seus efeitos prejudiciais comprovados à saúde e ao meio ambiente”, aponta o Dossiê.


Entrega do Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da vida, com o objetivo subsidiar o debate sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde da população. / Foto: André Gouveia

O documento destaca que do total de agrotóxicos registrados entre 2019 e 2010, 19% são classificados como extremamente ou altamente tóxicos para a saúde humana, 22% como medianamente tóxico e 30% como pouco tóxicos ou improváveis de causar dano agudo. Quanto ao ambiente, 51% são altamente ou muito perigosos, 35% são perigosos e 14% são classificados como pouco perigosos.

A representante da Abrasco, Karen Friderich, criticou a aprovação do Pacote do Veneno (PL6299/2002) pela Câmara dos Deputados em fevereiro deste ano, que flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos no país e substitui o atual marco legal (Lei 7.802), vigente desde 1989.

Friderich disse que 81% dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Além disso, 67% do volume de agrotóxicos comercializado no país são de produtos que causam câncer e danos hormonais para humanos e vida selvagem. “A gente come mistura de agrotóxicos”.

“Um dos dispositivos do projeto de lei é justamente permitir o registro de agrotóxicos cancerígenos, que causam mutações, problemas reprodutivos hormonais e nascimento de bebês com malformações”, denuncia a representante da Abrasco.

Com a aprovação na Câmara, o PL 6299/2002 passou a tramitar no Senado Federal.

Violação de direitos humanos

A pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, Aline Gurgel, disse que a proposta traz pontos críticos de violação aos direitos alimentares e de saúde à população brasileira, “indo na contramão do que acontece no mundo”.

Para ela, o Pacote do Veneno é uma ameaça a vida de toda a população, em particular a própria existência de grupos populacionais em maior situação de vulnerabilidade. Além de promover a perda da biodiversidade, a morte de espécies polinizadoras, e afetar a manutenção de práticas tradicionais e de agricultura familiar.

“Agrotóxico não é remédio que protege lavoura contra pragas e doenças. Agrotóxico é veneno e tem a única função que é de eliminação da vida”.

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Segundo o Dossiê, o processo de exposição a agrotóxicos, particularmente as exposições crônicas, que ocorrem a baixas doses e durante um longo período de tempo, provoca efeitos adversos à saúde humana, afetando de forma mais grave os mais vulneráveis como gestantes, crianças e idosos, podendo afetar o sistema endócrino, neurológico, imunológico, respiratório, causar danos ao DNA, malformação congênita e levar ao desenvolvimento de cânceres, dentre outros efeitos.

“Para muitos desses danos, qualquer dose diferente de zero é suficiente para causar um dano, o que implica em afirmar que não existe uma dose de exposição que possa ser considerada segura”.

Nesse sentido, as organizações recomendam a definição de limites mais restritivos, regulação de substâncias sabidamente nocivas à saúde humana e ao ambiente. Além da adoção de medidas que fomentem programas de monitoramento para identificar as potenciais fontes de contaminação e realizar ações para promover estratégias de transição agroecológica para produção e certificação orgânica de alimentos.

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Edição: Flávia Quirino