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Que papel o governo brasileiro tem desempenhado na proteção da população migrante brasileira?

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No caso das pessoas migrantes, muitas das violências partem daqueles que não aceitam sua presença em território nacional - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Defensores de direitos apontam cenário de desproteção e dificuldades na regularização migratória

Por Alane Luzia da Silva, Deborah Esther Grajzer e Layza Queiroz Santos*

Os desafios para a proteção de defensoras e defensores de direitos humanos que atuam no contexto de migração são diversos e se agravam diante da invisibilidade dessa pauta. Essa compreensão levou a Terra de de Direitos e o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) a construir, em parceria com as Blogueiras Negras, o projeto PerCursos: em defesa dos Direitos Humanos.

O projeto, que se iniciou no segundo semestre de 2021, foi desenvolvido a partir da realização de oficinas em quatro estados do Brasil: São Paulo (SP), Manaus (AM), Roraima (RR) e Belém (PA). Essas oficinas tiveram por objetivo dar visibilidade para a luta das defensoras e defensores de direitos humanos que atuam no campo da migração, assim como contribuir para a  articulação entre as organizações que atuam na pauta, fortalecendo a importância de se pensar a proteção.

Como resultado do trabalho, foi lançada na última quarta-feira, (27), a publicação Percursos de Luta: proteção para defensoras e defensores de direitos humanos que atuam em contexto de migração. A publicação discute o contexto político encontrado, as violações mais presentes e estratégias de proteção.

No campo da migração, existem diversas  pessoas, migrantes ou não migrantes, que atuam na defesa dos direitos, seja individualmente ou por meio da participação em grupos, coletivos e organizações, que são  defensoras de direitos humanos.

Para as pessoas migrantes defensoras de direitos humanos os desafios para suas lutas se inicia com a possibilidade de organização e participação política. Apesar do direito de associação ser um direito fundamental garantido desde a  Constituição de 1988, a população migrante não possuía este direito até a aprovação  da Lei de Migração, em 2017 (Lei 13.445).

As pessoas migrantes também têm maiores dificuldades de alcançar visibilidade de suas pautas, em razão de não possuírem o direito a voto e à participação política no Brasil. A participação político-eleitoral é fator essencial para que muitas pautas sejam objeto de debate no período eleitoral, além de serem levadas ao espaço do poder público pelas defensoras e defensores que chegam aos cargos representativos.

É importante destacar também que as violações se agravaram durante a pandemia de Covid-19 e, desde 2020, existe um cenário de profunda incerteza, pois as medidas de contenção do vírus impactaram a migração, inclusive serviços, como o atendimento da Polícia Federal em relação à regularização migratória. A falta de documentação para as pessoas migrantes atinge de forma substancial suas vidas,  impactando inclusive na possibilidade de conseguir trabalho, alugar casas, acessar à energia elétrica, saúde, educação, dentre outros.

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As defensoras e defensores de direitos humanos que atuam nas regiões de fronteiras onde há grande fluxo migratório enfrentam desafios específicos. Segundo identificado pelo projeto após esse período de oficinas, muitas delas sofrem com as “ameaças, assédios, intimidações e outras formas de violência: que podem ocorrer no ambiente de trabalho ou em decorrência da atuação profissional.”, conforme destacou a publicação. Isso ocorre porque a hostilidade destinada a pessoas migrantes nas regiões fronteiriças, que muitas vezes são vistas como responsáveis por qualquer ineficiência das políticas públicas locais, se estende às organizações que atuam em defesa dos seus direitos. 

Nesse sentido, é preciso evidenciar que o racismo e a xenofobia são constantes na realidade da migração, e se manifestam seja através de ataques diretos de caráter violento (físicos ou verbais) ou por meio de formas sutis de silenciamento, que são partes da constituição estrutural do atual modelo de sociedade.

Ademais, as pessoas que atuam nesse contexto convivem com muita pressão psicológica. No caso das pessoas migrantes, muitas das violências partem daqueles que não aceitam sua presença em território nacional, acreditando que “não deveriam estar aqui” ou que vieram para retirar os empregos dos brasileiros. No caso das pessoas não migrantes, mas que atuam nesse contexto, além das violências que sofrem como extensão da xenofobia e racismo destinado à pessoas migrantes, muitas delas convivem em trabalhos precarizados, pautado por urgências, das mais básicas a exemplo daquelas que envolvem trabalho e dignidade às mais complexas e  se relacionam com graves violações de direitos humanos que são fruto da falha das políticas públicas para acolhimento da população migrante. 

Apesar de tudo isso, há pouca proteção do estado para essas defensoras e defensores de direitos humanos, além de poucas iniciativas para viabilizar e fortalecer essas lutas.  Vivemos um período em que o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) enfrenta o pior momento desde sua criação (2004), com baixa execução orçamentária, falta de participação da sociedade civil, falta de transparência, falta de estrutura e equipe para atender às demandas, inadequação quanto às perspectivas de gênero, raça e classe, dentre outros problemas.

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Contudo, essa não é a justificativa para sustentar a falta de proteção para essas pessoas. Segundo apontou a publicação, as defensoras e defensores de direitos humanos que atuam nesse contexto da migração são completamente invisibilizadas quando se trata da proteção por parte do Estado, não havendo registros de qualquer inclusão de pessoas ou grupos que militam no contexto da migração no PPPDDH desde sua criação. Diante disso, há não só a necessidade de retirar da invisibilidade essas lutas, como também desenvolver ações de proteção específicas para o contexto da migração, enfatizando a necessidade de responsabilização do Estado na formulação de políticas públicas essenciais para a proteção desses indivíduos, grupos e comunidades.  

*Alane Luzia da Silva é assessora jurídica popular da Terra de Direitos; Deborah Esther Grajzer é articuladora institucional do CDHIC; Layza Queiroz Santos é advogada popular.

**A Terra de Direitos é uma organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca). Criada em 2002, a Terra de Direitos incide nacional e internacionalmente nas temáticas de direitos humanos e conta com escritórios em Santarém (PA), em Curitiba (PR) e em Brasília (DF).

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Glauco Faria