Coluna

Após 22 anos, assassinato de trabalhador sem-terra Antônio Tavares segue impune

Imagem de perfil do Colunistaesd
Desde a sua construção, o monumento construído por Oscar Niemeyer tem sido um espaço de memória e local de encontro e mobilização do MST - Welinton Lenon
Omissão leva Estado brasileiro a ser julgado pela Corte Interamericana, em junho

Um dos momentos mais emblemáticos do processo de violência e de criminalização da luta pela terra no Paraná é rememorado neste dia 2 de maio. Todos os anos, na mesma data, trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra do Paraná se reúnem aos pés do monumento erguido às margens da BR 277 em Campo Largo (PR), em memória de Antônio Tavares Pereira e das vítimas do latifúndio.   

Recordam o 2 de maio de 2000, dia em que aproximadamente 2 mil trabalhadores e trabalhadoras rumavam a Curitiba (PR) para participar da marcha pela Reforma Agrária, quando uma megaoperação policial, ordenada pelo então governo estadual de Jaime Lerner, interceptou os ônibus na entrada da capital, usando aparato de guerra para impedir a chegada dos trabalhadores e promovendo um massacre com centenas de feridos e a morte de Antônio Tavares. 

Apesar de sua gravidade, o caso permanece impune. Em 2 de maio de 2001, quando completou um ano da morte de Antônio Tavares e da inércia e da conivência do Sistema de Justiça brasileira com os crimes cometidos contra trabalhadores rurais, foi realizado o Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio e da Política Governamental de Violação dos Direitos Humanos no Paraná, um tribunal simbólico onde foram julgadas todas as violações de direitos humanos no campo durante o período.  

O monumento concebido por Oscar Niemeyer e instalado às margens da BR-277, nas proximidades do local onde ocorreu o ataque da polícia militar contra os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, foi erigido no mesmo ano de 2001. Trata-se de um verdadeiro tributo às vítimas da violência no campo na região e segue sendo uma das poucas referências históricas aos conflitos que envolvem trabalhadores rurais em luta por terra no estado. 

Desde a sua construção, o monumento tem sido um espaço de memória e local de encontro e mobilização do MST. Neste ano, será, mais uma vez, palco de ato em homenagem a Antônio Tavares e às vítimas do latifúndio e da violência de Estado. A mobilização de hoje acontece às vésperas da audiência sobre o caso, que ocorrerá no próximo mês de junho na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em São José, na Costa Rica.  

A denúncia do caso na corte internacional ocorre diante da ausência de responsabilização internamente. Na justiça brasileira o assassinato de Antônio Tavares permanece impune, com o arquivamento das investigações. A investigação sobre as lesões e abusos perpetradas contra os trabalhadores que participavam do protesto sequer prosperou.  

Apesar da inércia do Estado brasileiro, houve avanços na esfera internacional. Após longa tramitação (2004-2020) perante a Comissão Interamericana, esta submeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), buscando a responsabilização e a condenação do Estado brasileiro por uma série de violações.  

Tão logo recebeu o caso, a Corte IDH deferiu pedido de medida de urgência feito pelas vítimas e determinou ao Estado do Brasil que adotasse “imediatamente todas as medidas adequadas para proteger efetivamente o Monumento Antônio Tavares Pereira no local onde foi construído, até que este Tribunal decida sobre o mérito”. 

A Terra de Direitos e a Justiça Global (organizações de direitos humanos que representam as vítimas na esfera internacional) e o MST têm destacado a relevância desse julgamento, enfatizando tratar-se de um caso emblemático do uso da violência estatal como forma reprimir, silenciar e estigmatizar a luta pelo direito à terra. 

A tramitação do caso perante a Corte possibilitará a discussão, na esfera internacional e a partir do paradigma dos direitos humanos, de problemas estruturais que afetam a população camponesa no Brasil, os quais têm sido agravados no último período, como: distribuição desigual da terra e paralisação da política pública de reforma agrária, impunidade dos crimes cometidos contra defensores/as de direitos humanos no campo, aumento da criminalização da luta pela reforma agrária no Brasil, criminalização do direito ao protesto, violações decorrentes da forma de funcionamento da jurisdição militar, dentre outros.  

O MST tem grande expectativa de que o julgamento do caso pela Corte Interamericana contribua com a superação da violência que tem historicamente sido promovida pela Polícia Militar contra os Sem Terra, a partir da utilização do aparato estatal para favorecer latifundiários nos conflitos agrários e, muitas vezes, do apoio e colaboração com jagunços e milícias privadas. Afinal, os conflitos fundiários devem ser tratados em espaços institucionais de mediação civil e não mediante ação truculenta da polícia. 

Por fim, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra espera que o julgamento do caso na esfera internacional assegure a proteção definitiva e permanente do monumento em homenagem a Antônio Tavares, pois a sua manutenção e preservação no local dos fatos representa a proteção, resgate e valorização da memória viva da luta e defesa da Reforma Agrária Popular, direito ao protesto e à vida.   

Antônio Tavares, presente!  

 

*Camila Gomes, assessora jurídica da Terra de Direitos; Daisy Ribeiro, assessora jurídica da Terra de Direitos; Iara Sanchez, advogada e militante do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

**A Terra de Direitos é uma organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca). Criada em 2002, a Terra de Direitos incide nacional e internacionalmente nas temáticas de direitos humanos e conta com escritórios em Santarém (PA), em Curitiba (PR) e em Brasília (DF).

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Felipe Mendes