DISPUTA JUDICIAL

Justiça bloqueia R$ 22,2 mil de Carla Zambelli para indenizar Tom Zé por uso indevido de música

Processo questiona o uso da música Xique-Xique em um vídeo que sugeria apoio do Norte e do Nordeste a Bolsonaro

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Tom Zé venceu batalha judicial contra Zambelli, uma das mais fiéis aliadas do presidente Jair Bolsonaro (PL) - Divulgação

A Justiça de São Paulo decidiu manter o bloqueio de R$ 22.249,99 das contas bancárias da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) provocado por cobrança dos músicos Tom Zé e José Miguel Wisnik.

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Os dois artistas venceram ação por danos morais contra Zambelli, uma das mais fiéis aliadas do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso. A informação foi revelado pelo jornal O Globo.

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A ação, ajuizada em agosto de 2020, questionava o uso da música Xique-Xique em um vídeo que sugeria apoio das regiões Norte e Nordeste do Brasil a Bolsonaro, em postagem da deputada.

Zambelli já tinha depositado, em juízo, antes da decisão do bloqueio das contas, quase R$ 100 mil. A quantia não cobria toda a indenização definida na Justiça. A nova cifra completa o valor a ser pago, já contados juros, correção monetária e honorários advocatícios.

Entenda o caso: "litigância de má fé"

No ano passado, o Brasil de Fato explicou como o caso denotava "litigância de má fé" de Zambelli, segundo a Justiça. Em julho de 2020, a congressista divulgou em suas redes sociais um vídeo de propaganda sobre a atuação de Bolsonaro na região Nordeste.

A peça publicitária era uma colagem de imagens de outdoors e de aglomerações causadas pelo ex-capitão do Exército, bem como de trechos de alguns discursos proferidos pelo mandatário, utilizando a música Xique-Xique (de Tom Zé e Wisnik) como trilha sonora.

Zambelli jamais sequer entrou em contato com os músicos para informar que estava se apropriando da canção para fazer propaganda para Bolsonaro, quanto mais pagou qualquer quantia aos donos dos direitos autorais da obra pelo uso que fazia de sua propriedade intelectual. Resultado: foi processada.

No dia 10 de março de 2021, foi proferida, pelo juiz José Carlos de França Carvalho Neto, a sentença em primeira instância, condenando Zambelli a pagar R$ 65 mil de indenização por danos materiais e morais aos artistas prejudicados, além de seus custos advocatícios. Consta na decisão judicial:

Diante do evidente desrespeito ao direito moral dos coautores Tom Zé e Wisnik, consagrado no art. 24, inciso II, da Lei nº 9.610/98 (ato ilícito), e sendo presumido o abalo moral, impõe-se também o acolhimento do pedido de condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.

Mas a deputada não considerou nada evidente, tampouco se conformou com a sentença, e interpôs uma apelação, levando o processo à segunda instância da Justiça de São Paulo, obrigando uma turma de três desembargadores a se debruçar sobre o caso, para novamente julgar a questão.

Em seu recurso, a congressista surpreendeu os magistrados com os argumentos de que fez uso. Ela não negou ter se apropriado, sem autorização, da obra de Tom Zé e Wisnik, mas disse que utilizou o vídeo que produziu com a canção apenas em suas redes particulares, pessoais, privadas.

"O vídeo não foi de forma alguma utilizado para engajamento político, pelo contrário, foi usado com intuito informativo", afirmou Zambelli aos desembargadores paulistas. Disse mais: "Caso a veiculação fosse de interesse político, com objetivo de engajamento /campanha política, como deputada federal teria utilizado das redes sociais do partido para tal finalidade".

E ainda indagou: "Eu apenas quis enaltecer a região Nordeste com a música típica e demonstrar a relação do atual presidente com a região. Quer dizer que qualquer usuário das redes sociais que se utilize de músicas, trechos de livros e outros, está sujeito a condenação de direitos autorais?"

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Tudo isso consta nos autos do processo, que são públicos e podem ser consultados por qualquer cidadão. Resultado: perdeu de novo, por três votos a zero, em acórdão (decisão judicial de segunda instância) proferido pela Justiça do Estado de São Paulo no dia 27 de julho deste ano.

Os magistrados, no acórdão que proferiram, mostram incômodo diante dos argumentos apresentados pela deputada, classificados como "absurdos". Veja nos trechos abaixo:

- Não há nada de informativo no vídeo. É uma sucessão de imagens de outdoors e de aglomerações, bem como de trechos de alguns discursos. Houve produção e edição profissional do vídeo.

Há menção à compra de cloroquina em um dos outdoors que apareceu no vídeo. A comunidade científica nunca considerou esse remédio eficaz contra o coronavírus que causa a COVID-19, o que também afasta a alegação de que o vídeo foi informativo e o que contribuiu para o desconforto dos coautores ao se verem associados a uma política pública evidente e sabidamente equivocada.

Por ter natureza política, o vídeo precisava ter grande alcance, e a ré possui 5,5 milhões de seguidores nas três plataformas digitais. Assim, não havia motivo para veicular o vídeo nas plataformas do partido político a qual a ré pertence. Nesse contexto, alegar que o vídeo tinha finalidade privada é um absurdo.

Acórdão

O acórdão manteve o valor da indenização devida e dobrou a quantia que Zambelli deveria dispender a título de custos advocatícios para Tom Zé e Wisnik, com o intuito de desencorajar a deputada a interpor novo recurso judicial, a não ser que realmente tivesse causa ou argumento com algum valor jurídico.

Mas a deputada achou por bem continuar litigando, ou seja, oferendo novos recursos à Justiça e protelando o pagamento da indenização devida. No dia 30 de agosto, a advogada Karina Kufa, representante judicial de Carla Zambelli, protocolou um novo recurso contra o acórdão, chamado embargo declaratório, solicitando que os desembargadores voltassem a se debruçar sobre a questão.

De acordo com a causídica, o trecho da música indevidamente apropriado era muito curto (33 segundos, ocupando metade do vídeo veiculado). Além disso, haveria uma série de "omissões no acórdão embargado, por ausência de enfrentamento" dos argumentos apresentados pela deputada na ação judicial.

A advogada também disse que o valor de indenização decidido era muito alto, já que Zambelli não tinha ferido, em suas postagens, as regras do Twitter e do Facebook: "Se desconsiderou aspectos que evidenciam a boa-fé da Embargante, como, por exemplo, o pleno respeito às normas das redes sociais em que foram veiculados o vídeo". Neste ponto, a Justiça achou que bastava.

Em novo acórdão, publicado no Diário Oficial da Justiça no dia 7 deste mês e relatado pelo desembargador Miguel Brandi, foi imposta a terceira derrota consecutiva a Zambelli no caso, incluindo na decisão uma nova condenação, no valor de R$ 10 mil, por litigância de má-fé, ou seja, interposição de sucessivos recursos processuais sem qualquer chance de êxito ou cabimento jurídico, com a clara intenção de protelar a condenação e seguir ocupando as engrenagens da Justiça Pública.

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A deputada ainda amargou receber, no bojo da condenação, uma série de reprimendas por sua defesa dos procedimentos de combate à pandemia de covid no Brasil. Leia trecho abaixo:

"A deputada associou a música dos embargados (Tom Zé e Wisnik) à política sanitária desastrosa do governo federal, o que, por si só, causa prejuízo injustificado a eles.

Com efeito, ninguém de boa-fé deseja ser associado à falta de vacinação, escândalos na compra (ou não) de vacinas (como revelado pela CPI da Covid-19), aglomerações desnecessárias durante uma pandemia que depende do contato social para alastrar-se e a cerca de seiscentos mil mortes, a grande maioria delas evitáveis."

Edição: Rebeca Cavalcante