A alta de 1 ponto percentual na taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, anunciada nesta quarta-feira (4) pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, terá impactos significativos no Orçamento Público. Com a Selic a 12,75% ao ano e em tendência de alta, consultorias já estimam que o governo federal gaste até R$ 760 bilhões só com o pagamento de juros da dívida pública --valor que seria recorde, 51% acima dos R$ 501,8 bilhões gastos em 2015.
Caso o cenário se confirme, isso representaria também um aumento de 70% no gasto público com juros da dívida de 2021 para 2022. No ano passado, segundo o Banco Central, o governo gastou R$ 448,3 bilhões.
Naquele ano, porém, a taxa Selic começou o ano em 2% ao ano. Subiu com o passar dos meses e, em dezembro, estava em 9,25%.
Em 2022, ela já foi reajustada três vezes: em fevereiro, março e, agora, em maio. Subiu 3,5 pontos percentuais ao todo e atingiu o seu maior patamar desde fevereiro de 2017.
:: Taxa de juros tem a décima alta seguida ::
Taxa Selic
A Selic é a taxa que, entre outras coisas, corrige cerca de um terço da dívida pública federal. Portanto, conforme ela sobe, aumenta também o valor dos juros que o governo tem que pagar para os detentores dos títulos da dívida. Bancos e fundos de investimentos, juntos, têm quase 65% de todos esses papéis, de acordo com o Tesouro Nacional.
Por causa do aumento dos juros, em fevereiro, a agência de classificação de risco Moody’s emitiu um relatório sobre o gasto do governo brasileiro com os juros. “A Moody´s calcula que as despesas com juros fecharão o ano entre R$ 600 bilhões e R$ 700 bilhões”, informou a empresa, em documento elaborado no dia 16 daquele mês.
Naquela data, a Selic ainda era de 10,75%. Instituições consultadas pelo Banco Central para elaboração do Boletim Focus ainda estimavam que a taxa fechasse o ano em 12,25% – hoje, já está em 12,75%.
Já em março, a gestora de investimentos Armor Capital realizou um estudo, divulgado pelo G1, em que apontava que o gasto com os juros chegaria a R$ 760 bilhões em 2022. Para o estudo, a Armor também estimava que a Selic encerraria o ano em 12,25%. O Boletim Focus desta semana já aponta que ela estará em 13,25%.
Procurada pelo Brasil de Fato, a Armor Capital não recalculou sua previsão ante ao novo cenário de Selic. Matematicamente, é possível esperar que o gasto com juros cresça mais por conta dos aumentos da taxa.
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De acordo com estudo divulgado pelo Banco Central na segunda-feira (2), a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) era de R$ 5 trilhões em fevereiro deste ano. Ela aumentava R$ 34,1 bilhão toda vez que a Selic subia 1 ponto percentual e permanecia aí por um ano.
O orçamento do programa Auxílio Brasil, que pagará benefícios de R$ 400 a mais de 17 milhões de pessoas, é de R$ 89,9 bilhões em 2022. Ou seja, segundo o próprio Banco Central, o último aumento da taxa Selic já compromete o equivalente a mais de um terço do orçamento do programa só com o aumento da dívida.
Impactos diversos
Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da organização Auditoria Cidadã da Dívida, disse que o aumento dos juros não elevam só o gasto do governo com a dívida pública. Ela explicou que a alta da Selic tem como consequência o aumento dos juros pagos por consumidores. Lembrou ainda que mais de 77% das famílias brasileiras já estão endividadas por conta de juros altos.
Fatorelli também disse que a alta da Selic encarece empréstimos para empresas que precisam investir. Sem investimento, elas não geram empregos e a economia não cresce.
Por fim, ela ressaltou que o aumento da Selic não resolve o problema o qual ele deveria solucionar: a alta da inflação.
:: Gasolina faz da prévia da inflação de abril a mais alta desde 1995 ::
Em 2021, quando a taxa Selic começou a subir, a inflação fechou o ano em 10,6%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A prévia da inflação de abril aponta que esse mesmo índice, em doze meses, já acumula alta de 12,03% – ou seja, continua subindo apesar da Selic.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o aumento dos combustíveis, da energia e dos alimentos são os grandes responsáveis pela inflação. Segundo Fatorelli, a alta desses produtos é "provocada" por políticas de governo, e a Selic não vai segurá-la.
"Essa inflação tem sido provocada pelo aumento de combustíveis por conta do preço de paridade de importação aplicado pela Petrobras, pelo aumento do preço de alimentos porque o grande agronegócio quer exportação e pelo aumento da energia por falta de investimentos para preparar a privatização da Eletrobras", listou. "Aumentar juros não vai reduzir esse tipo de inflação, como não tem reduzido", concluiu.
Fora do “teto”
Vale lembrar que os gastos do governo com pagamento da dívida e dos seus juros não precisam respeitar a Lei do Teto de Gastos, idealizada durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). A lei proibiu que os investimentos em políticas públicas como Saúde e Educação subam além do percentual da inflação por 20 anos.
Bancos apoiaram a adoção da medida em 2016, argumentando que o controle de gastos do país seria positivo. Segundo Uallace Moreira, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), esses mesmos bancos não defenderam o controle de gastos com juros e hoje são beneficiados com a alta da Selic.
“É a contradição pura. Eles estão argumentando que precisa manter o ajuste fiscal, mas ao mesmo tempo elevam juros, aumentando os gastos públicos. Ficam muito em evidência os interesses de classe na coordenação da política econômica”, disse Moreira ao Brasil de Fato ainda em outubro de 2021, quando a Selic estava em 7,75% ao ano.
“O Teto de Gastos não congela pagamento com serviços da dívida. Então, você pode fazer a festa no orçamento, pegando dinheiro público e transferindo ao setor financeiro. Enquanto isso, o governo mantém o argumento de cortar gastos da saúde, da educação, e 92% do orçamento da ciência”, criticou Moreira.
:: Bancos brasileiros têm lucro recorde em pior ano da pandemia ::
Em 2021, no início do ciclo de aumento da Selic e no ano mais mortal da pandemia, bancos brasileiros registraram lucros recordes.
Só as quatro maiores instituições financeiras com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo –Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander– lucraram juntas R$ 81,6 bilhões.
O valor é o maior já registrado pela empresa Economatica, que acompanha os resultados contábeis dessas instituições financeiras há 15 anos. Segundo ela, o lucro desses cinco bancos subiu 32,5% de 2020 para 2021.
Edição: Rebeca Cavalcante