entrevista

"Temos medo de mais mortes, os yanomami estão desaparecendo"

Liderança que denunciou desaparecimento de criança e estupro e morte de adolescente na TI Yanomami relata ameaças

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Comunidade palco de crime brutal foi encontrada queimada e abandonada - Divulgação/Júnior Yanomami

Uma semana após divulgar um vídeo denunciando o desaparecimento de uma mulher, de uma criança de 3 anos e a morte de uma adolescente de 12 anos vítima de estupro em consequência da ação de garimpeiros na Terra Indígena (TI) Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek'wana (Condisi-YY), ainda tenta entender os detalhes da tragédia.

Os casos foram relatados por indígenas da comunidade Aracaçá, localizada numa área em Roraima que viu o número de invasores explodir nos últimos anos, segundo a Hutukara Fundação Yanomami.

Após a denúncia, representantes da Polícia Federal, Ministério Público Federal, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) visitaram o local e avistaram a comunidade em chamas.

As versões dos participantes da missão especial, no entanto, são divergentes. Enquanto o Ministério Público afirmou, por meio de nota, que "não foram encontrados indícios materiais da prática dos crimes de homicídio e estupro ou de óbito por afogamento", o Condisi diz o contrário.

A denúncia suscitou uma onda de comoção na internet com a campanha "Cadê os Yanomami".

Em carta, o conselho divulgou que alguns indígenas que moravam na comunidade relataram que "não poderiam falar pois teriam recebido 5 gramas de ouro dos garimpeiros para manter o silêncio".

Depois desse breve relato ao Condisi durante a visita, nenhum dos 25 moradores da comunidade Aracaçá teria sido encontrado.

O fogo nas habitações, segundo análise posterior de indígenas que verificaram as imagens gravadas durante a missão, faria parte de uma tradição: após a morte de um membro querido, a aldeia é queimada e os moradores buscam um novo lugar para viver.

Em entrevista à DW Brasil, Júnior Hekuari Yanomami diz que o medo de que novas mortes de yanomami por garimpeiros é grande, e que os invasores se sentem donos das terras. "Eles falam para as lideranças: 'Se vocês denunciarem, a gente vai matar a comunidade inteira'. É muito assustador o que está acontecendo", declara.

"Temos medo de que mais mortes aconteçam nas comunidades. Isso está fazendo com que nós, os yanomami, desapareçamos", diz.

A Hutukara estima que existam atualmente mais de 40 mil garimpeiros na TI Yanomami, uma situação parecida à observada na década de 1980, que antecedeu a demarcação do território, finalizada em 25 de maio de 1992.

"O povo yanomami está totalmente abandonado. O governo federal é culpado. Ele não está nos protegendo", afirma Júnior Hekurari Yanomami.

DW Brasil: Já se sabe onde estão os indígenas que habitavam a aldeia Aracaçá? Foi possível obter novos relatos mais detalhados do que aconteceu?

Júnior Hekurari Yanomami: Ainda não temos informações concretas. Temos informações de que o povo da aldeia Aracaçá está dentro da floresta. Eu não consegui falar lá hoje (quarta-feira, 04/05) porque está chovendo muito. A comunicação que a gente faz é por radiofonia. Estou esperando o pessoal me ligar para dar mais informações.

Eu mandei alguns indígenas para procurar os parentes desaparecidos. Segundo o censo nosso, são 25 indígenas que moravam lá na aldeia. Foi lá que aconteceu o caso da criança de 3 anos, que foi jogada no rio Uraricoera, e o estupro e morte da menina de 12 anos.

Como os moradores da aldeia conseguiram avisar vocês sobre os crimes?

Uma outra aldeia nos comunicou. Os yanomami atacados comunicaram essa outra aldeia, que nos contou. O ataque foi causado por garimpeiros.

Como é a presença de garimpeiros na região desse ataque?

É muito grande! O garimpo está dentro da aldeia. A comunidade está tomada por garimpeiros! Tem muitos, muitos mesmo. Só naquele local, no Aracaçá, são uns 10 mil garimpeiros.

Quais são as maiores preocupações do Condisi neste momento?

Nossa preocupação é com a segurança dos yanomami e das crianças, principalmente. A gente já denunciou, as autoridades já têm conhecimento, a Polícia Federal tem conhecimento, o Ministério Público Federal já sabe.

Temos medo de que mais mortes aconteçam nas comunidades. Isso está fazendo com que nós, os yanomami, desapareçamos.

Precisamos que o governo retire os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami! Como eles já estão lá há muito, há quatro anos que eles invadiram a terra, foi tudo rápido, e eles entraram em muitos, alguns garimpeiros estão ameaçando as lideranças, se sentindo donos da terra.

Eles falam para as lideranças: "Se vocês denunciarem, a gente vai matar a comunidade inteira". É muito assustador o que está acontecendo.

A gente tem muitos relatos fortes, a gente tem vídeos mostrando tudo o que está acontecendo.

Faz quase um ano que houve um ataque numa outra aldeia na Terra Indígena Yanomami, na região de Palimiú, quando uma criança morreu afogada tentando se proteger dos invasores. O que mudou para as comunidades?

Dia 10 de maio vai completar um ano. Foi um tiroteio. Desde lá a gente não tem segurança nenhuma.

A Fundação Hutukara lançou o relatório "Yanomami Sob Ataque" há poucas semanas detalhando a situação, relatando casos de violência sexual e a destruição do território por causa do garimpo. Vocês percebem que está havendo aumento do número de garimpeiros neste ano em relação aos passados?

Sim, está havendo um aumento muito grande. Desde 2019, a entrada dos garimpeiros aumentou bastante. Onde não existia garimpeiro agora tem, e são muitos. Está sendo uma destruição muito rápida.

As denúncias que vocês têm feito desde então trouxeram algum resultado?

Não adiantou nada.

Ano passado, a Polícia Federal fez três ou quatro operações, destruiu muito material, mas os garimpeiros continuaram destruindo normalmente.

Eles têm maquinários, eles têm balsas… Em rios pequenininhos, eles usam maquinário e destroem tudo, a floresta inteira.

Como essas máquinas estão chegando à Terra Indígena Yanomami?

Helicópteros levam tudo. Agora eles não abrem mais pista de avião, agora eles usam helicópteros. São mais de 100 voos por dia.

Diante desse cenário, o que o povo yanomami tem a dizer?

O meu povo yanomami não fala muito o português. Mulheres não falam português, as crianças não sabem o que está acontecendo. Famílias estão tendo que fugir da própria casa… O povo yanomami está totalmente abandonado.

O governo federal é culpado. Ele não está nos protegendo. Nós precisamos de proteção urgente. Porque nós estamos defendendo a vida, a floresta, os rios pra gente poder ter água limpa. Estamos bebendo água contaminada, suja. As crianças, mulheres, a população está adoecendo por causa da contaminação.

Por isso, a gente quer viver em paz. Precisamos cuidar das nossas comunidades sem medo de estar nas nossas casas.