Coluna

"Educação Insurgente": Livro conta história da Turma Nilce de Souza Magalhães

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Para muitos de nós, era a primeira vez morando na cidade, a primeira vez no Sul do país, as primeiras pessoas de suas respectivas famílias a cursarem Direito - MST/Divulgação
O livro é parte de uma longa luta pelo direito à educação no Brasil

Em fevereiro de 2015, a Turma Nilce de Souza Magalhães subiu, pela primeira vez, as escadarias do imponente prédio de colunas brancas em estilo neoclássico situado no meio da cidade de Curitiba: o Prédio Histórico da Universidade Federal do Paraná.

No total, 47 estudantes, com imensa diversidade de sotaques, vindos das cinco regiões brasileiras, provenientes de 17 estados. Éramos 30 mulheres e 17 homens, incluindo dois estudantes haitianos, que tornaram aquele encontro ainda mais diverso. Havia gente de acampamento, assentamento, da agricultura familiar, quilombolas e ribeirinhos que, de comum, carregavam suas origens na luta pela terra e as raízes nos movimentos populares.

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Para muitos de nós, era a primeira vez morando na cidade, a primeira vez no Sul do país, as primeiras pessoas de suas respectivas famílias a cursarem Direito. Nascemos formalmente como turma especial no projeto idealizado, mas fomos cultivados no sonho de uma Universidade Popular, pintada de povo. A nossa Turma era a concretude da luta pela educação do e no campo, diante do acesso negado historicamente a nossos pais, avós e antepassados. A inspiração que nos guiava vinha da pioneira Turma Evandro Lins e Silva, que abriu caminhos para o curso de direito na Universidade Federal de Goiás.

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Em 2015 não imaginávamos o que a experiência de cursar a Faculdade de Direito na capital ecológica no Brasil, em suas visíveis contradições, significaria, de fato, para nós mesmos, povos do campo, das águas e das florestas, bem como para aquele espaço que nos recebia, o qual era conhecido por sua notória e tradicional importância acadêmica.

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Possibilitados pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera, política pública conquistada pelos movimentos sociais, ao nos depararmos com a história de uma mulher e um rio, nos construímos como "Turma Nilce de Souza Magalhães"; uma homenagem a Nicinha, ribeirinha amazônica tombada na luta contra violações de direitos humanos no Rio Madeira, no ano de 2016. Nilce não se tornou apenas o nome de nossa turma, mas também o nome da sala 203 do Prédio Histórico, por nós ocupada ao longo dos cinco anos da graduação.

É sobre esta quarta experiência do Pronera no curso de Direito (e única no Sul do país), que lançamos nesta quinta, dia 5 de maio, o nosso livro: um registro e memória dessa trajetória pedagógica.

O livro é organizado pelos professores Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo Prestes Pazello e Eloísa Dias Gonçalves, e reúne os resumos de trabalhos de conclusão de curso das e dos estudantes, provocando uma reflexão sobre o direito construído pelas mãos dos filhos e filhas da luta popular. A obra conta ainda com artigos de professoras e professores do direito sobre a importância da turma nos diversos espaços da universidade e da educação jurídica.

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Com os pés na prática insurgente dos movimentos populares e na construção jurídica da Turma Nilce de Souza Magalhães, o livro é parte de uma longa luta pelo direito à educação no Brasil, sobretudo, da luta pela valorização da educação do/no campo, e o acesso à universidade por povos excluídos. Tal qual a nossa passagem pela UFPR, tal qual a luta das gerações anteriores, nosso livro é uma conquista e também uma homenagem a todas as lutadoras e lutadores que forjaram a possibilidade dessa experiência.

Dedicamos, especialmente, este livro à memória de nossa querida amiga de turma Aline Maria dos Santos, que nos ensinou a semear uma sociedade mais feminista, agroecológica e popular, e que representava a mística da nossa própria turma.

"Afinal, o que temos a dizer sobre a universidade? Que ela continue se pintando de negro, de índígenas, de classe trabalhadora, de camponeses e camponesas, de quilombolas, de ribeirinhos, que se pinte de povo".

Viva Aline!

Viva a Turma Nilce de Souza Magalhães!

Viva o Pronera!

 

*Texto escrito coletivamente pela Turma Nilce de Souza Magalhães - Turma de Direito pelo Pronera na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

**Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.

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***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Felipe Mendes