Rio Grande do Sul

POVOS ORIGINÁRIOS

Situação dos garimpos em terras Yanomamis é pior do que na década de 90

Ex-presidente da FUNAI, Sydney Possuelo conta que lideranças afirmam haver hoje cerca de 70 mil garimpeiros na região

Garimpo ilegal no rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami - Foto: Bruno Kelly/HAY

“Quando o branco se aproxima do índio, acontece uma sucessão de perdas”, pondera o ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Sydney Possuelo, em entrevista exclusiva ao Espaço Plural - Debates e Entrevistas, na tarde da última sexta-feira (6). Considerado autoridade em conhecimento dos povos isolados e um dos indigenistas mais reconhecidos do país, ele falou sobre suas experiências no contato e demarcação de terras indígenas, sobre o que acha do marco temporal e o porquê devolveu sua medalha do Mérito Indigenista.

Possuelo tinha os sertanistas Irmão Vilas Boas como seus heróis e começou nas expedições como uma aventura de “rapazinho”, mas revela que o aprendizado com os indígenas mudou a sua vida. Ele conta que por muito tempo se dedicou às expedições para fazer contato com comunidades isoladas e integrá-las ao convívio social, mas que com o tempo viu que não era correto fazer aquilo, pois o contato com o homem branco só trazia prejuízos para os indígenas, como doenças, perdas de terras e mortes.

“Pessoas passavam e atiravam neles por nada, seja para ocupar terras, tirar madeira, até para brincar”, lembra Possuelo.

Terras Yanomamis

Comunidade indígena que tem estado na mídia nos últimos tempos, Possuelo comenta sobre sua experiência de demarcar as terras deles. Ele conta que em 1991, em questão de poucos meses, foi possível demarcar as terras Yanomamis e retirar quase 40 mil garimpeiros da região. E revela que em conversa com seus líderes, soube que hoje encontram-se por lá cerca de 70 mil garimpeiros, estando pior do que naquela época. “E só está assim porque é uma decisão clara desse governo atual de promover isso, a ocupação dos brancos nas terras dos índios”, pondera ele.

Neste sentido, o indigenista lembra que a demarcação de terras indígenas não é uma prisão para eles, mas, sim, um limite para o branco. “A aproximação do branco faz eles perderem a língua, perderem a terra, as mulheres são cobiçadas e retiradas…”.

Marco temporal

Com relação ao marco temporal, que se trata de uma ação que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988, Possuelo considera mais uma manobra do mundo branco, do governo federal e do Congresso. Para ele, tem por finalidade acabar com os povos indígenas, abrir as suas terras para a ação do agronegócio e virar tudo uma fazenda.

Lembra ainda que se trata de um ato ilegal, visto que a reserva das terras aos povos indígenas é um direito garantido pela Constituição. Ele ainda faz uma análise de que uma terra demarcada é uma terra da União, ou seja, demarcar terras é garantir ao próprio Estado a posse das mesmas, não deixando todo o território livre para se fazer o que quiserem.

Devolução da Medalha do Mérito Indigenista

Em março passado, Possuelo devolveu a medalha recebida com muito orgulho há 35 anos. “Certos momentos da vida te colocam em situações que precisam de uma ação, e a ação é mais forte do que qualquer palavra”, reflete o ex-presidente da FUNAI. Ele considerou extremamente ofensivo aos indígenas Bolsonaro receber esta mesma medalha. “Foi como um tapa, transformando um algoz em herói”, revela, dizendo que não poderia ficar com uma homenagem que já não fazia mais sentido e jus ao trabalho prestado por ele e por outros que já a receberam.

Na entrevista, Sydney Possuelo ainda contou diversas histórias pessoais de expedições pelo Xingú, estratégias de aproximação e dados históricos. Assista à entrevista concedida à Rede Estação Democracia na íntegra:

 

 

Edição: Rede Estação Democracia e Marcelo Ferreira