racismo estrutural

13 de maio: obras para entender a abolição inconclusa do Brasil

Historiador Douglas Belchior indica obras que ajudam a entender os impactos do modelo que pôs fim à escravidão mercantil

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Movimentos mostram que abolição da escravatura não incluiu população negra na sociedade.
Movimentos mostram que abolição da escravatura não incluiu população negra na sociedade. - Charge: Latuff

Data em que foi assinada a Lei Áurea, o 13 de Maio na prática omitiu durante muito tempo o protagonismo da luta e da resistência negra contra a escravidão. O fim do regime não permitiu condições de inserção social tampouco contemplou reparações históricas para este segmento da população, configurando uma situação de abolição inconclusa até hoje.

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"O 13 de Maio foi ressignificado pelo movimento negro e tomou um caráter de dia nacional de denúncia do racismo. Uma data que até a década de 70 era tida como momento festivo de libertação, inclusive de comemoração e agradecimento à princesa Isabel pela assinatura da Lei Áurea", aponta o historiador Douglas Belchior, coordenador da Uneafro Brasil e integrante da Coalizão Negra por Direitos

Para estimular a reflexão e os impactos deste processo inacabado na consolidação do racismo estrutural do país, Douglas listou sete livros que ajudam a compreender o contexto à época e a realidade da população negra desde então.

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As indicações de Douglas Belchior

"Há diversas produções teóricas que tratam do evento da abolição e do papel dos abolicionistas e como foram importantes naquele momento. Mas há também leituras mais macro que colocam em um contexto mais geral aquele momento específico do final do século 19, o que significava o fim da escravidão mercantil e seus efeitos na economia e na própria formação da sociedade brasileira naquele momento."

Dois grandes sociólogos negros escrevem sobre a abolição em um momento mais amplo, avaliando as consequências do modelo de superação da escravidão mercantil escolhido pelas elites brasileiras. 

Clóvis Moura tem duas obras que tratam tanto do contexto e do processo que teve a abolição como consequência quanto do que decorre dela em Rebeliões da Senzala e Sociologia do Negro Brasileiro

Alberto Guerreiro Ramos, também sociólogo, trabalha essas questões ligadas ao processo da escravidão, à abolição e ao modelo adotado no livro O problema do Negro na Sociologia Brasileira*.


Capas de Sociologia do negro brasileiro e Rebeliões da senzala / Reprodução

Em alguma medida, o nosso grande e querido amigo Matheus Gato, teórico mais jovem dessa safra atual, trabalha no seu livro O Massacre dos Libertos: Sobre raça e República no Brasil (1888-1889), focando os anos da abolição e quando é proclamada a república, uma leitura bastante interessante, conceituada e considerada. Em uma sociedade escravagista como a nossa, um modelo novo que coloca fim a outro de sociedade organizada a partir do trabalho compulsório baseado na violência, e o substitui com trabalho livre e assalariado, há de ser comemorado e visto como algo melhor do que o vivido até ali.

O Matheus afirma que a abolição foi festejada como uma conquista popular contra as injustiças sociais naquele momento, é importante colocar os olhos para o que significava a abolição, que enchia de esperanças a população negra no futuro. Depois isso não se confirma, não pela vontade da população negra ou por sua falta de esperança, mas pelo projeto genocida, etnocida e racista do Estado e das elites brasileiras. É uma obra que vale muito a pena ler.


O Massacre dos Libertos: Sobre raça e República no Brasil (1888-1889) foi publicado pela editora Perspectiva, em 2020 / Reprodução

Há muitas obras sobre a abolição da escravidão, contos, histórias de personagens de época, romances, e queria deixar duas sugestões mais leves, mas ao mesmo tempo profundas. Becos da Memória, de Conceição Evaristo, é muito importante para entender o racismo e aquele período a partir de 1888 através da história de Maria-Nova, uma menina muito melancólica e tristonha que presta atenção a tudo e a todos ao seu redor e então narra esse cotidiano. Muito bonito e muito forte.

Outro livro que também vale muito e diz respeito às consequências de uma abolição inconclusa ou uma falsa abolição da escravidão é Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, o diário de uma favelada em que ela, na sua narrativa, trabalha com a realidade dura, concreta e cruel de um povo que foi escravizado por 400 anos e que não foi alvo de política de reparação em nenhum momento da história brasileira."


Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, e Becos da Memória, de Conceição Evaristo / Reprodução

* Este texto pode ser conferido aqui.

Edição: Glauco Faria