Eleições 2022

De olho no Congresso, novos candidatos bolsonaristas surfam em brigas e no caos da internet

Partidos como PTB, PL e PROS abrigam candidaturas de aliados estreantes de Bolsonaro para cargos na Câmara e no Senado

Brasília (DF) |

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Maurício Souza (à esq.) jogou pela Seleção Brasileira de vôlei e foi demitido do Minas Tênis Clube em outubro de 2021, após acusação de homofobia - Reprodução

Uma nova onda de candidaturas bolsonaristas ao Congresso Nacional tentará tirar proveito, nas eleições de outubro, das brigas e confusões estimuladas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. Nomes que ganharam destaque e popularidade nas redes sociais e foram acolhidos pela extrema direita por se identificarem com pelo menos uma das muitas bandeiras conservadoras que foram empurradas ao debate público.

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Um exemplo é a médica Nise Yamaguchi (Pros-SP), responsabilizada no relatório final da CPI da Covid por seu papel como defensora do “tratamento precoce” com cloroquina e acusada de fazer parte de um “gabinete paralelo” para aconselhar Bolsonaro. Apesar das mais de 665 mil mortes e pela ineficiência do governo durante a crise sanitária, Nise manteve apoio na classe médica e popularidade para se candidatar a senadora por São Paulo.

A médica é um dos rostos identificados com o negacionismo na Ciência, que é apenas um dos carros-chefes ideológicos da direita bolsonarista nos últimos anos, conforme explica o jornalista Bruno Antunes, autor do livro “A disseminação da cultura troll: o debate (ou a falta dele) nas eleições brasileiras de 2018”. 

“Eles levantam essas bandeiras. Quem é o representante anti-LGBT? Quem é o representante armamentista? Quem é o representante dos caminhoneiros ou da família? O Zé Trovão entra no tema caminhoneiro, o Daniel Silveira entrando no tema ‘liberdade de expressão', seja lá o que isso signifique para eles, e o Maurício [Souza, ex-jogador de vôlei] virou ‘liberdade de gênero’, porque para eles a liberdade de gênero é a liberdade de xingar o outro gênero”, exemplifica Antunes.

Uma característica que une os novos candidatos, como Maurício Souza, afastado do esporte após uma série de postagens homofóbicas no Twitter, é a fidelidade a Bolsonaro e à agenda conservadora. Através de afagos públicos e demonstrações de afeto, o respaldo do ex-capitão se espalha rapidamente em grupos de aplicativo de mensagens e nas redes sociais, monopolizando as atenções e buscando anular o debate.

Essa é a avaliação de Leonardo Paz Neves, cientista político e analista de Inteligência Qualitativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). “No caso do grupo mais aliado ao presidente, tem uma meia dúzia de nomes que conseguiram se alavancar rapidamente por causa de um elemento interessante, que é uma solidariedade inerente aos grupos que defendem certas pautas da direita”, destaca.

Através de campanhas que, eventualmente, contam com o apoio explícito de Jair Bolsonaro, de seus filhos ou de ministros, as reputações vão sendo construídas e moldadas ao gosto da base de apoio do presidente. Todos que viram defensores das ideias colocadas pelo grupo se tornam quase ‘heróis’ que lutam em nome da verdade”, acrescenta o analista.

Nessa toada, a advogada Paola Daniel (PTB-RJ), esposa e companheira de sigla do deputado federal Daniel Silveira, anunciou sua pré-candidatura a deputada federal após os atritos entre seu marido e o Superior Tribunal Federal. Já Tércio Arnaud Tomaz (PL-PB), membro do chamado “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto para criar notícias falsas e atacar adversários nas redes sociais, vai concorrer como suplente do candidato ao Senado Bruno Roberto (PL-PB).

Uma imersão na cultura da 'trollagem'

Após observar o comportamento das pessoas no ecossistema dos jogos online, Bruno Antunes decidiu estudar as características e efeitos, nas eleições presidenciais de 2018, da "trollagem" (a expressão é originária do inglês e faz referência a humilhações, perseguições e insultos na internet). O tema se tornaria sua tese de doutorado na Universidade Metodista (SP), em 2019. 

Em levantamentos feitos nas redes sociais, ele observou que os discursos de ódio e os insultos, que caracterízam as "trollagens" e são alimentados inicialmente pela extrema-direita, acabavam dominando os algoritmos e gerando o que ele chama de “exploit”. O termo, retirado do mundo dos videogames, tenta explicar a ruptura de sistema causada pelo excesso de postagens sobre um mesmo assunto, o que com a ajuda de robôs, os “bots”, "superdimensiona os debates e esvazia seu conteúdo".

Para Antunes, os pontos de contato entre o mundo real e o universo mágico são bastante explorados pela extrema-direita em suas teorias conspiratórias. “Eles partem do princípio de que tudo é uma grande conspiração mundial para derrubar o candidato deles, que é o Bolsonaro. Então esse grande conluio esconde uma verdade que só eles sabem, um apelo até religioso”, explica.

Outro fator que influencia a audiência de potenciais candidatos a cargos públicos conta com a participação “desastrada e involuntária” da própria esquerda, que, ao contrário dos seus opositores, não possui uma organização centralizada e unida. Segundo Antunes, a direita se aproveita da “cultura do cancelamento” ao interagir em postagens de quem, na verdade, quer combater ou quando aponta o dedo para alguém que teve comportamento reprovável.

“Só que essa rede unida da direita vira para o cara que foi homofóbico, por exemplo, e diz ‘vem aqui que a gente te acolhe’, enquanto a esquerda tende a julgar e segregar até mesmo quem pensa de forma semelhante”, opina o jornalista. Por outro lado, ele também ressalta o “despertar tardio” dos grupos de esquerda para as armadilhas espalhadas no caminho e na importância de gerar conteúdos capazes de igualar o debate.

Justiça eleitoral colocada à prova mais uma vez

Apesar dos esforços do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para costurar acordos de cooperação com as grandes empresas do setor de tecnologia, como Telegram, Facebook e Twitter, o ambiente virtual ainda não deixou de ser uma “terra sem lei”. 

Na última quinta-feira (12), o TSE anunciou um acordo de cooperação com a plataforma de áudio Spotify para combater a desinformação. A empresa se comprometeu a ajudar a identificar perfis que propaguem notícias falsas e também a redirecionar os usuários até a página da Justiça Eleitoral, onde será possível obter informações de fontes oficiais sobre o pleito.

Rodolfo Tamanaha, advogado e professor de Direito no Mackenzie-DF, se diz otimista com iniciativas como essa, ou com os recentes acordos firmados com o Whatsapp e o Telegram para a defesa da democracia. Ele acredita que é dos interesses das próprias empresas manter a credibilidade para seguirem competitivas: “Existe um interesse legítimo de manter a percepção da plataforma ser usada de forma honesta, justa e legal”. 

Tamanaha ressalta que o ordenamento jurídico para combater crimes eleitorais na esfera virtual já existe, assim como condutas já são tipificadas e punições são previstas aos infratores. “O desafio está realmente na efetivação dessas normas jurídicas. Isso eu reconheço que é muito difícil porque a internet é um lugar difícil de fiscalizar inclusive se contar com a boa vontade das empresas”.

Se é impossível checar a profusão de informações que circulam a cada segundo em milhares de grupos, fóruns e páginas, o advogado acredita que a solução passa por continuar investindo na educação e na conscientização das pessoas. “Eu não imagino que a gente tenha uma bala de prata do ponto de vista da legislação que consiga impedir que 200 milhões de pessoas compartilhem informações sem pé nem cabeça, se assim quiserem”, pontua.

Edição: Felipe Mendes