ESPIONAGEM

Fábio Faria fez reunião no Palácio do Planalto com empresa de sistema espião vetado pelo TCU

Encontro ocorreu no dia 3 de maio; dono da Harpia Tech é ex-oficial de inteligência da Abin e deixou governo em 2019

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
João Bordon, conselheiro do governo da Finlândia, Fernando Castillo, diretor da Bittium, Filipe Soares, dono da Harpia Tech, e Fábio Faria, ministro das Comunicações (da esquerda para a direita) - Reprodução/Twitter

O ministro Fábio Faria (Comunicações) fez uma reunião no Palácio do Planalto com o dono da Harpia Tech, empresa que teve um contrato com o governo federal bloqueado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), após entidades da sociedade civil apontarem que a firma comercializa um "sistema de espionagem", que pode violar o direito à privacidade e impactar o exercício do jornalismo no Brasil.

O encontro ocorreu no dia 3 maio de 2022, às 10h, segundo a agenda oficial de Faria. O ministro recebeu Filipe Soares, ex-oficial de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que fundou a Harpia Tech em agosto de 2019, no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Soares foi analista da Abin, lotado no Gabinete de Segurança Institucional (SGI), até maio de 2019. 

Além deles, também participaram da reunião o diretor da Bittium para a América Latina, Fernando Castillo, e o conselheiro do Governo da Finlândia, João Bordon. Na agenda oficial, não há informações sobre outros representantes do governo na conversa.

O Brasil de Fato procurou a pasta para obter mais informações sobre os assuntos tratados. A assessoria de imprensa respondeu que consultaria o gabinete do ministro. Até o momento, no entanto, não houve resposta.


Reunião de Fábio Faria com representante da Harpia Tech apareceu em sua agenda oficial / Reprodução/Agenda Oficial - Ministro das Comunicações

Entenda o caso

Em janeiro, o TCU manteve uma decisão anterior, de novembro de 2021, em que suspendeu uma aquisição do sistema de espionagem da Harpia pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O caso foi parar na Corte depois que o Ministério Público, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e entidades da sociedade civil apresentarem pedidos para a paralisação do pregão feito pelo Ministério da Justiça.

:: Artigo | Pegasus: Espionagem cibernética, NSO e o governo israelense ::

Como revelou reportagem do portal UOL, a pasta estava interessada em contratar o software de espionagem Pegasus. Desenvolvido pela empresa israelense NSO Group, o serviço já foi utilizado por dezenas de governos em diferentes países para invadir celulares de opositores, jornalistas e defensores de direitos humanos. A empresa, no entanto, deixou as negociações com o governo após repercussão na mídia.

:: Programa espião desejado por Bolsonaro foi usado para invadir celulares de opositores poloneses ::

Como a licitação seguiu com outras empresas, a Harpia Tech, portanto, foi a escolhida pelo governo federal para entregar serviços. Segundo a ONG Conectas, uma das que se mobilizou contra a contratação, mesmo com a retirada da empresa israelense, o TCU apontou "a ilegalidade da contratação de um sistema capaz de monitorar e perfilar cidadãos sem qualquer justificativa prévia" e "a ausência de mecanismos de controle e fiscalização".

Atualização (segunda-feira, 16 de maio, às 10h10)

Em contato com a reportagem do Brasil de Fato na manhã desta segunda-feira (16), a Harpia contestou as alegações das entidades da sociedade civil de que comercializa um "sistema espião". O dono da Harpia Tech, Filipe Soares, disse que não tratou sobre a sua própria empresa com o ministro Fábio Faria, e que apenas atuou como intermediário dos interesses da Bittium.

Soares apontou ainda que a decisão do TCU ainda pode ser revertida, após relatório apresentado pela empresa que refutaria as acusações de uso da plataforma da empresa para espionagem. O tema, de fato, aguarda análise final por parte da Corte de Contas. Por fim, o diretor da Harpia Tech afirmou que oferece apenas um serviço de investigação em fontes abertas.

"Basicamente, o sistema pega dados não estruturados da web e em alguns fóruns de dark web, fóruns, redes sociais, canais públicos de Telegram, e estrutura esse dados de forma pesquisável. Isso que o Ministério da Justiça foi comprar", declarou.

Edição: Lucas Weber