tragédia repetida

Órfão de chacina, homem de 46 anos é morto por segurança da Vale no Pará

É o quarto episódio de violência na região envolvendo seguranças da mineradora; caso ocorreu em 14 de maio

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Agricultores instalados na Fazenda Lagoa, em Parauapebas (PA), protestam contra ação violenta de seguranças contratados pela Vale em 2020 - Arquivo pessoal

Um segurança que prestava serviços à Vale foi preso em flagrante por seu envolvimento com a morte de Reginaldo Pereira de Oliveira, de 46 anos. Oliveira levou um tiro e morreu às margens da ferrovia de Carajás, em Marabá (PA). É a segunda vez que a mesma família é atingida pelo longo histórico de violência no estado: morta no último dia 14, aos 46 anos, a vítima ainda era criança quando seu pai foi brutalmente assassinado na chacina da Fazenda Princesa, em 1985.

Segundo informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Oliveira foi alvejado por um tiro no joelho, que dilacerou a sua perna. As entidades de direitos humanos que acompanham o caso consideram improvável que o tiro tenha matado a vítima na hora, indicando que Oliveira pode ter agonizado até a morte sem receber os socorros que poderiam ter salvo sua vida. O corpo foi encontrado em uma mata próxima à ferrovia e, para a CPT, a ausência de marcas de sangue são indícios de que não houve fuga: ou o corpo foi levado até a mata ou o assassinato ocorreu ali. 

Polícia Civil do Pará informou à Repórter Brasil que o segurança da Vale foi detido por suspeita de crime de lesão corporal seguida de morte e que o caso ainda está sendo investigado.

No último dia 15, a comarca de Marabá do Tribunal de Justiça do Pará concedeu liberdade provisória ao segurança, que aguardará o julgamento em liberdade. A decisão se baseou no fato de ele não ter antecedentes e não ser considerado de alta periculosidade.

Em seu depoimento, o segurança alegou que Oliveira estava furtando pedaços de ferragens junto a outro homem. A acusação é rechaçada pela família, que afirma que a vítima era uma pessoa com deficiência física na perna e no braço – e que não tinha, portanto, forças para efetuar o furto. De acordo com o jornal Regional Norte, a vítima estava caçando curió, uma espécie de pássaro, e foi confundida com um ladrão quando foi alvejada.  

Questionadas pela Repórter Brasil, a Vale e a empresa de segurança Segurpro, que presta serviços para a mineradora em Marabá e pertence ao grupo Prosegur, informaram que acompanham o caso e que estão colaborando com as autoridades para o esclarecimento do crime. Procuradas novamente para informar se estão dando a assistência à família da vítima, a Segurpro disse que “adotará as medidas que forem cabíveis conforme resultado do processo investigativo”, enquanto a Vale não quis comentar (leia a íntegra das respostas).

“O assassinato de Reginaldo não é um caso isolado, mas uma prática recorrente de uso da violência, por parte da Vale, através das empresas de segurança que lhe prestam serviço. Nos municípios de Marabá, Curionópolis, Parauapebas e Canaã, há registros de inúmeros casos de violências praticadas contra pessoas e grupos que, por alguma razão, se aproximam da ferrovia ou de outras dependências da empresa”, afirma nota assinada por CPT, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Instituto Zé Claudio e Maria (IZM) e Movimento Atingidos por Barragens (MAB).

Quatro décadas de violência

Não é a primeira vez que prestadoras de serviço de segurança da Vale se envolvem em episódios violentos na região. Em junho de 2020, cerca de 50 seguranças da Segurpro que atuavam para a mineradora atacaram durante a noite agricultores acampados na Fazenda Lagoa, área reivindicada pela Vale no município de Parauapebas, próximo a Marabá. Pelo menos 20 pessoas ficaram feridas, incluindo idosos e crianças

Depois do episódio, o Ministério Público Federal no Pará enviou uma recomendação à Vale dizendo à empresa para não voltar a utilizar seus vigilantes em tentativas de despejo na fazenda Lagoa, onde os camponeses estão acampados desde 2015. A Procuradoria também recomendou a substituição da empresa de segurança que atuou no ataque, a adoção de medidas de reparação às vítimas que sofreram violência física e psicológica e a implementação de compromisso público de respeito aos direitos humanos.

O ataque na fazenda Lagoa foi o terceiro episódio em que seguranças da Segurpro agiram contra trabalhadores rurais e sem-terras na região a serviço da Vale. Na cidade vizinha de Canaã dos Carajás, há registro de ao menos outros dois ataques violentos. Em 2017, quatro seguranças foram indiciados por agredir um agricultor e seu filho cujas terras faziam fronteiras com propriedade da Vale.

Um ano antes, guardas atacaram trabalhadores rurais com armas de fogo na Fazenda São Luiz, onde havia um acampamento com 300 famílias, que acabaram sendo despejadas. Na época dos incidentes, a Vale afirmou que houve invasão de propriedade no caso de 2016 e tentativa de invasão no de 2017.

Questionada sobre as recomendações do MPF, a Vale afirmou somente que “já respondeu dentro do processo administrativo”. Sobre os confrontos anteriores, a empresa declarou que “prestou todas as informações e esclarecimentos, exigindo a mesma atuação da Segurpro, não havendo qualquer decisão sobre conduta ilícita nos procedimentos”. Já a Segurpro disse que “todos [os casos antigos] foram apurados pelas autoridades competentes, que concluíram não haver qualquer ilegalidade em nenhum dos eventos”.

Além de não ser um incidente isolado na atuação da Vale no Pará, o episódio do último dia 14 também tem precedentes na história da própria família do homem alvejado pelo segurança. A vítima teve o mesmo fim que seu pai, José Barbosa da Costa, também morto em um episódio de violência no campo. O pai de Oliveira foi torturado e brutalmente assassinado na chacina da Fazenda Princesa, em Marabá, em setembro de 1985, aos 38 anos.

O julgamento da chacina da Fazenda Princesa ocorreu apenas em 2014, quase 30 anos após o assassinato de cinco agricultores, entre eles o pai de Reginaldo de Oliveira (Foto: Érika Nunes/TJPA/Divulgação)

O caso ganhou notoriedade por sua crueldade e pela morosidade da Justiça, que demorou mais de 30 anos para condenar os responsáveis pela chacina, entre eles o proprietário da fazenda. O crime teria sido motivado por disputa de terra. 

De acordo com o promotor José Rui Barbosa, responsável pelo inquérito na época, as cinco vítimas do massacre foram atraídas por seus assassinos para  a sede da fazenda, sob o argumento de que uma juíza os esperava para resolver o conflito. 

No entanto, era uma emboscada. Os agricultores foram amarrados, torturados, queimados, assassinados e jogados no rio Itacaiúnas. Entre eles estava o pai de Reginaldo de Oliveira, que tinha oito anos quando ficou órfão – destino que agora compartilha com os oito filhos que deixou.