Contagem regressiva

Em um mês acaba a suspensão de remoções no Brasil e 132 mil famílias têm despejo marcado

A Ocupação dos Queixadas, em Cajamar (SP), é uma das tantas que, com o tempo acabando, lutam para manter a moradia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Pressionando que a prefeitura de Cajamar apresente uma alternativa ao despejo, moradores dos Queixadas acampam em frente à sede do governo municipal - Paulo Pereira / teia documenta

Maria Estela Silva, aos 47 anos, tem 12 filhos e 15 netos. Chegou na Ocupação dos Queixadas, em Cajamar (SP), logo que o terreno foi ocupado em 2019. A área que, em suas palavras "era só mato e escorpião", atualmente é a moradia de 105 famílias, organizadas com o movimento Luta Popular. Elas integram as 132.290 famílias no país que têm exatamente um mês para tentar reverter a remoção iminente.

Isso porque só vale até 30 de junho a proibição dos despejos, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por conta da pandemia. São Paulo, Amazonas e Pernambuco são os estados onde mais pessoas estão ameaçadas de perder a moradia, de acordo com a Campanha Despejo Zero.

Das 42.599 famílias que vivem esse risco só no estado paulista, a de Maria Estela faz parte das muitas que, se despejadas, não têm para onde ir. "Morar de aluguel? Com que dinheiro, pelo amor de Deus?", afirma ela, ao contar que está desempregada. "Vamos ficar na ponte, né?"


Maria Estela nasceu em Montes Claros (MG) e afirma não ter plano B de lugar para viver caso seja removida de sua casa / Gabriela Moncau

Lona preta na frente da Prefeitura

Outro destino cogitado pelos moradores da Ocupação dos Queixadas caso sejam retirados à força de suas casas é a frente da Prefeitura de Cajamar. Simbolicamente, foi o que fizeram durante manifestação na última sexta-feira (27).

Barracos de lona preta, botijão de gás e até fogão foram instalados na praça em frente à sede do governo municipal. O prefeito Danilo Joan (PSD) se comprometeu a comparecer em uma reunião com representantes dos Queixadas na próxima quarta-feira (1). 


A prefeitura de Cajamar amanheceu, na sexta-feira (27), com um acampamento na praça da frente / Lucas Martins

A condição para o agendamento da reunião era que o acampamento na praça fosse desmontado o quanto antes. O ato acontecia poucas horas antes da Festa do Peão, tradicional rodeio de Cajamar, que na última sexta (27) contou com shows de Gusttavo Lima, Felipe Araújo e Pedro Sampaio. Havia a expectativa que o presidente Jair Bolsonaro (PL), convidado para o evento, visitasse a cidade nesse dia. 

Já no seu segundo mandato, Danilo Joan não ofereceu, até o momento, qualquer alternativa ao problema habitacional das famílias dos Queixadas. Se a reunião de quarta-feira (1) se confirmar, será a primeira vez que o prefeito senta oficialmente para negociar. 

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"O prefeito tem que ver o nosso lado, a nossa pobreza, o que a gente passa. Precisamos da nossa moradia. Se a gente sair daqui, meu Deus, para onde a gente vai, seu Danilo?", questiona Estela.

O terreno sob litígio é particular, reivindicado pelos irmãos Vera e Aguinaldo Zanotti. Antes de ser ocupado, no entanto, ele estava há 19 anos sem cumprir o dever constitucional de dar função social à terra.

Procurada pelo Brasil de Fato, a prefeitura de Cajamar informou, nas palavras do secretário de Mobilidade e Planejamento Urbano, Leandro Arantes, que "não vai tomar partido de nenhum dos lados por ser uma questão judicial". Além disso, o representante da gestão municipal anunciou que a prefeitura apresentou um programa ao Governo Federal para "fazer parte de um financiamento com o qual vamos levantar 300 unidades habitacionais".

Essas casas, no entanto, ainda que sejam construídas, não dão conta de atender a demanda habitacional das cerca de 800 famílias que, segundo a própria gestão municipal, estão em "estado de vulnerabilidade". Em nota, a prefeitura afirmou que disponibiliza auxílio aluguel para 81 destas famílias, o que corresponde a cerca de 10% das famílias necessitadas, segundo o cálculo do governo de Danilo Joan. 

"Não vão olhar pela gente?"

Ana Lúcia Dias tinha duas meninas quando em 2019, sem condições de pagar aluguel, decidiu se envolver na luta coletiva pelo direito à moradia. Agora, com 25 anos, já tem quatro filhas e mora na rua de trás de Estela. 

A menorzinha, de um mês, era balançada pelo pai enquanto Ana explicava que a incerta renda mensal vem da Bolsa Família e dos "bicos" feitos por seu companheiro, entre cortes de cabelo e trabalhos como ajudante de pedreiro. 


Entre a vizinha e o companheiro, Ana aparece ao fundo, abraçando a mais velha de suas quatro filhas / Gabriela Moncau

"E realmente hoje a gente não está passando fome mesmo por Deus, porque as coisas muito caras, imagine pagando aluguel? Muito difícil. Tantas famílias sem teto e a Prefeitura fazendo show, parque, nós só vendo", salienta.

Ana balança a cabeça e, otimista, diz não conseguir crer que nada será feito para evitar que cerca de meio milhão de pessoas percam suas casas de uma hora para outra. "Eles [as autoridades] vão olhar por nós. Vão ver um monte de gente na rua e não vão olhar pela gente? Não é possível."  

A suspensão temporária dos despejos

O ministro do STF Luís Roberto Barroso ampliou até 30 de junho o período de proibição das remoções forçadas depois de mobilização nacional feita pela Campanha Despejo Zero, por movimentos sociais do campo e da cidade. 

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Entre eles, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento Luta Popular, as Brigadas Populares, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a União de Movimentos de Moradia (UMM), a Central de Movimentos Populares (CMP), o Movimento de Lutas em Bairros, Vilas e Favelas (MLB), e a Frente de Luta por Moradia (FLM).

Antes, a vigência da liminar era até 31 de março. No dia 17 daquele mês, sob o lema "Prorroga STF", manifestações aconteceram em dezenas de cidades do país.

Ao acatar a reivindicação pela prorrogação, no entanto, o ministro Barroso pontuou que seria a última vez que o prazo da proibição dos despejos seria estendido, a não ser que houvesse um agravamento da pandemia. 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho