CARTAS MARCADAS

MG: Mineradoras e órgãos empresariais têm maioria das cadeiras da sociedade civil no Copam

Aparelhamento do conselho em Minas já foi denunciado pelo Ministério Público, mas segue ignorado pelo governo Zema

Brasil de Fato | Minas Gerais (MG) |
De acordo com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), somente em 2022, 16 projetos de médio e grande porte foram aprovados pelo conselho - Foto: Mídia Ninja

Em teoria, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) tem a finalidade de “deliberar sobre diretrizes e políticas para a preservação e conservação do meio ambiente e dos recursos ambientais”. No entanto, na prática, as decisões do Copam não refletem suas diretrizes. Recentemente o conselho deu aval, por exemplo, para que a mineradora Samarco expanda suas operações em Mariana, desmatando mais 35 hectares de Mata Atlântica, além da vegetação já contaminada pela lama tóxica da barragem de Fundão. 

O emblemático caso da autorização de mineração no Curral, em Belo Horizonte, e em outras serras mineiras, também são ações que passaram pela aprovação no conselho.

 

Também em teoria, o conselho e seus órgãos internos – Câmaras Normativa e Técnicas e Unidades Regionais Colegiadas – devem ser paritários, ou seja, garantir metade das cadeiras ao governo e a outra metade à sociedade civil. É o que estabelece o artigo 15 da Lei nº 21.972, de 21 de janeiro de 2016. O mesmo item da lei também assegura a participação do setor produtivo no conselho. 

Com isso, entidades, como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o Sindicato das Indústrias Extrativas de Minas Gerais (SindiExtra) e o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), por exemplo, votam e falam em nome do povo. Das dez cadeiras disponíveis para sociedade civil, sete são cativas das entidades empresariais, conforme estabelece o Decreto 46.953, de 2016.

Além da Fiemg, do SindiExtra e do Ibram, participam dessas sete cadeiras a Associação Comercial de Minas Gerais, a Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais, o Conselho da Micro, Pequena e Média Indústria, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais e a Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais.

Máquina de aprovar licenças

De acordo com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), somente em 2022, 16 projetos de médio e grande porte foram aprovados pelo conselho, o que representa uma média de três empreendimentos por mês. Na avaliação do movimento, o Copam está estruturado para o interesse dos empresários. “É um jogo de cartas marcadas. Todos os projetos levados ao Conselho são licenciados”, critica Luiz Paulo Siqueira, da coordenação do MAM.

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Em dezembro de 2018, o Brasil de Fato MG denunciou a celeridade do conselho em aprovar abruptamente uma série de licenças ambientais para empreendimentos minerários, entre eles a ampliação das atividades da Vale em Brumadinho. Um mês depois, o estado vivenciou um dos maiores crimes socioambientais do país, com o rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão. 

Mesmo após o drástico episódio, o governo de Romeu Zema (Novo) seguiu promovendo a expansão das atividades minerárias em Minas, inclusive em complexos com barragem em risco iminente de rompimento. “O Estado está sempre alinhado com os interesses das empresas. “É uma grande fraude”, avalia Guilherme Camponês, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

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Com as cadeiras cativas e o apoio massivo do governo aos licenciamentos, a presença das organizações de proteção e de defesa do meio ambiente não tem poder de ação e são votos vencidos, a exemplo do que aconteceu no caso do licenciamento do empreendimento da Tamisa na Serra do Curral.

Análise dos impactos é superficial e parcial

Além da presença majoritária de entidades vinculadas às empresas, os relatórios e estudos de impacto ambiental dos empreendimentos (EIA-Rima) também são um problema para o efetivo exercício do Copam. É que os laudos são elaborados pelas interessadas no aval do licenciamento. Ou seja, são as próprias empresas que avaliam os impactos que suas atividades podem gerar ao meio ambiente e à sociedade.

 “O Rima tinha que ser desenvolvido por uma empresa contratada e gerenciada pelo Estado, só assim os dados poderiam ser confiáveis”, avalia Júlio Grillo, integrante do Copam, um dos representantes das organizações não governamentais de defesa do meio ambiente. 

O engenheiro e ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) explica ainda que os integrantes do conselho têm um prazo de apenas dez dias para analisar os processos. Muitas vezes, o tempo é insuficiente até mesmo para conseguir entrar em contato com as comunidades que serão atingidas. 

Além disso, segundo Júlio, outra manobra utilizada pelas empresas é o fatiamento dos empreendimentos. Primeiramente, são colocados para votação os pequenos projetos, depois, com maior facilidade, as empresas vão aprovando ampliações da proposta inicial. “Com isso, a gente nunca consegue avaliar os reais impactos cumulativos e sinérgicos de todo o conjunto de intervenções”, alerta.

Na avaliação do conselheiro, além de frágil, a legislação ambiental mineira é ultrapassada. “A Lei é insuficiente, considerando as necessidades que a gente encontra no século 21. Não estamos levando em conta informações importantes, como a divulgada pelo satélite Greece que aponta a perda de dez centímetros dos lençóis freáticos de Minas Gerais”, acrescenta.

Aparelhamento já foi denunciado, mas segue ignorado

O ambientalista Júlio Grillo explica que a composição do Copam foi inspirada no modelo europeu. No entanto, esse modelo veta a participação de entidades empresariais nos conselhos. As empresas podem até participar dos debates, mas não têm poder de voto nas decisões.

O aparelhamento do Copam já vem sendo denunciado há anos. Em 2019 uma auditoria da Controladoria Geral do Estado apontou a união entre os representantes do próprio governo estadual e do setor minerário para aprovar projetos de interesse das mineradoras. O caso foi divulgado pelo portal Lei.A. 

Desde 2020, também tramita na Justiça uma ação civil impetrada pelo Ministério Público de Minas Gerais denunciando o caso. A petição solicita que o governo redistribua as vagas destinadas à sociedade civil. Apesar disso, o executivo mantém as cadeiras cativas das empresas.

O que diz a Semad

Questionada sobre a presença majoritária do setor econômico nas cadeiras da sociedade civil, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou ao Brasil de Fato MG que a participação das entidades é assegurada pelo decreto 46.953, de 2016. E que as três cadeiras restantes, são escolhidas em eleição das entidades vinculadas ao setor, como ensino, defesa ambiental e atividades profissionais liberais vinculadas à área. 

A Semad afirmou ainda que garantiu mais paridade, por exemplo, na Câmara de Atividades Minerárias, com a inclusão de mais uma entidade da sociedade civil, do segmento de defesa do meio ambiente/organizações não governamentais. Com isso, a composição dessa câmara agora está assim:

Entidades da sociedade civil na Câmara de Atividades Minerárias: 

a) Sindicato das Indústrias Extrativas de Minas Gerais (Sindiextra);

b) Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg);

c) Fundação Relictos de Apoio ao Parque do Rio Doce;

d) Associação para Proteção Ambiental do Vale do Mutuca (Promutuca);

e) Sociedade Mineira de Engenheiros (SME);

f) Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes/MG).

Confira a distribuição das vagas à sociedade civil nas Câmaras Técnicas do Copam

Atividades Agrossilvipastoris (CAP):

  1. Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg); 
  2. Associação Mineira da Indústria Florestal (Amif);
  3. Associação para Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá);
  4. Fundação Relictos de Apoio ao Parque do Rio Doce;
  5. Sociedade Mineira de Engenheiros (SME);
  6. Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

Políticas de Energia e Mudanças Climáticas (CEM): 

  1. Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg);
  2. Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel);
  3. Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá);
  4. Espeleogrupo Pains (EPA);
  5. Sociedade Mineira de Engenheiros (SME);
  6. Centro Universitário Una.

Atividades de Infraestrutura de Transporte, Saneamento e Urbanização (CIF): 

  1.  Câmara do Mercado Imobiliário (CMI/MG);
  2. Sindicato da Indústria da Construção Pesada no Estado de Minas Gerais (Sicepot/MG);
  3. Associação Pró Pouso Alegre (Appa);
  4. Associação para Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá);
  5. Associação Brasileira de Engenheiros Civis de Minas Gerais (Abenc/MG);
  6. Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

Proteção à Biodiversidade e de Áreas Protegidas (CPB):

  1.  Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg);
  2. Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/MG);
  3. Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda);
  4. Fundação Relictos de Apoio ao Parque do Rio Doce;
  5. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG);
  6. Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

 

 

 

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Larissa Costa