PRÓXIMO PRESIDENTE

Segundo turno opõe esquerda e empresário de extrema direita na Colômbia

Com semelhanças com Bolsonaro e Trump, Rodolfo Hernández surpreende e disputa com Petro cargo de presidente

Brasil de Fato | Bogotá (Colômbia) |

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Com abstenção de cerca de 40% do eleitorado no 1º turno, decisão sobre quem será o próximo presidente da Colõmbia acontecerá no dia 19 de junho - Federico Parra / AFP

Os resultados eleitorais na Colômbia surpreenderam. Contrariando as pesquisas, o candidato da Liga de Governantes Anticorrupção, Rodolfo Hernández, obteve cerca de 900 mil votos a mais que Federico Gutierrez, desbancando o candidato forte da direita tradicional, e garantindo a vaga no 2º turno. 

Gustavo Petro e Francia Márquez, candidatos de unidade do campo progressista, confirmaram o favoritismo e venceram o 1º turno com 12 pontos percentuais de vantagem e cerca de 8,5 milhões de votos, quase o dobro das eleições de 2018, quando Petro passou para o 2º turno, mas foi derrotado pelo atual chefe de Estado, Iván Duque. 

A participação foi de cerca de 54% do eleitorado, superando as últimas eleições, mas para alguns analistas, uma cifra ainda insuficiente para determinar o futuro do país.

"Os cidadãos ainda não estão convencidos do exercício democrático. Não há uma educação política ou uma formação dos partidos tradicionais ou de esquerda. Os jovens, tanto de direita, como progressistas, também não comparecem às urnas, porque estão céticos em relação ao sistema", afirma o sociólogo Jhon Jaime Posada Gómez.

A chapa Pacto Histórico venceu em 19 dos 33 departamentos, confirmando a preferência por Petro em nove regiões que também já haviam votado pelo político de centro-esquerda quatro anos atrás. Ele ainda conseguiu desbancar a direita em quatro regiões: Cesar, San Andrés e Providencia, Magdalena e Bolívar.

"O que está em disputa hoje é mudança. O projeto político de Duque foi derrotado. A votação total na Colômbia envia uma mensagem ao mundo. É o fim de uma era", declarou Petro no seu primeiro discurso após conhecer os resultados preliminares.

Petro ainda ressaltou que agora os colombianos precisam decidir que tipo de mudança querem. "Agora se trata de construir um futuro. Agora se trata de ver o que vamos fazer com a Colômbia, o que é que a sociedade colombiana quer do seu próprio país, no que consiste essa mudança".

Por fim, ainda criticou seu oponente, "a corrupção não se combate com vídeos de Tik Tok".

A integra do discurso de Petro após os resultados prévios.

Já a Liga de Governantes Anticorrupção foi vitoriosa em 13 departamentos, a grande maioria na região central do país, nos departamentos de Tolima, Huila, Caldas, Boyacá, Santander, e nas regiões fronteiriças com a Venezuela, em Norte de Santander, Arauca e Vichada.

"Hoje ganhou o país que não quer seguir nem mais um dia com os mesmos que nos levaram à situação dolorosa em que nos encontramos. Hoje ganhou a vontade cidadã para acabar com a corrupção como sistema de governo. Hoje perdeu a politicagem e a corrupção", disse Hernández no seu primeiro pronunciamento após os resultados.

Apesar de declarar-se como um candidato "antissistema", Rodolfo Hernández será julgado no dia 21 de julho por irregularidades em contratos com empresas privadas para a coleta de lixo de Bucaramanga, capital do departamento de Santander, onde foi prefeito de 2015 a 2018. 

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Além disso, sua candidatura já recebeu apoio de representantes da direita tradicional colombiana, Federico Gutierrez (Equipe pela Colômbia), que ficou em terceiro lugar com 23,9%, assim como Ingrid Betancourt (Partido Verde Oxigênio), que abandonou a disputa faltando menos de 15 dias para o pleito, já declararam voto em Hernández. O candidato Sergio Fajardo (Centro Esperança) com 4,2% da votação também disse que irá dialogar com a Liga Anticorrupção.

"Na última semana, o candidato do estabelecimento, Federico Gutierrez, estancou nas pesquisas e se via ameaçado pela candidatura de Hernández. Então o Centro Democrático, de Uribe e Duque, e o partido Mudança Radical, de Germán Vargas Lleras, deixaram sua militância livre para apoiar qualquer um dos dois candidatos. Isso comprova que ele também recebeu apoio do uribismo", analisa o sociólogo colombiano.

Hernández baseou sua campanha nas redes sociais, com vídeos que se tornaram virais na plataforma Tik Tok. O engenheiro de 77 anos também não quis participar dos debates eleitorais, não realizou um ato público de encerramento de campanha, e se pronunciou sobre os resultados preliminares através de uma live no Facebook, diretamente da sua fazenda em Pidecuesta, no departamento de Santander usando uma tática similar a outros personagens de extrema direita, como Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Hernández possui um patrimônio avaliado em US$ 100 milhões e afirmou à imprensa colombiana que tem esses recursos divididos da seguinte maneira: "70% em terras e 30% em trocas, vendas e financiamentos".

"Hernández move muitas emoções num eleitorado com pouca formação. Ele não é um intelectual, é um empresário exitoso, com uma construtora na qual usurpa os pobres. Algo que ele se vangloria nos meios de comunicação", comenta Gómez.

Hernández já afirmou ser um seguidor do líder nazista Adolf Hitler, quem classificou como um "grande pensador alemão". Anos depois, se retratou dizendo que na verdade buscava citar Albert Einstein.

A candidata a vice na chapa do empresário, Marelen Castillo, é engenheira industrial da Universidade Autônoma do Ocidente, natural de Cali, e nunca ocupou cargos públicos. 

A dupla apoia-se na ideia de que são "outsiders" no mundo da política e, portanto, seriam os mais adequadas para "varrer" a corrupção do país.

Jornada eleitoral

A prévia das eleições foi marcada pela violência. Entre 13 de março e 13 de maio, 222 pessoas foram vítimas de violência eleitoral na Colômbia, sendo 29 assassinatos e 193 ameaças, de acordo com a Fundação Paz e Reconciliação (Pares).

Segundo ministro do Interior, Daniel Palacios, no dia do pleito somente duas pessoas foram detidas por delitos eleitorais. 

No seu informe final, a Missão de Observação Eleitoral indicou que recebeu 418 denúncias de irregularidades, vinculadas à restrição da liberdade de voto e a problemas com a biometria.

Estas eleições são consideradas decisivas para a implementação dos Acordos de Paz, assinado em 2016, entre a ex-guerrilha FARC-EP e o governo de Juan Manuel Santos.

Após seis anos da assinatura do documento, apenas 28% do que foi previsto no mecanismo de paz foi implementado, segundo levantamento do Instituto Kroc. 

"No programa de governo de Petro está bastante explícito seu apoio à implementação integral dos acordos de paz. Há que parar a guerra, tanto os assassinatos de líderes sociais como outros níveis de violência", diz Gómez.

Rodolfo Hernández se diz favorável ao processo de paz, que busca encerrar 57 anos de conflito armado no país, no entanto não explicita como seria sua postura em relação à implementação dos acordos assinados com as FARC-EP e as negociações de paz suspensas com o Exército de Libertação Nacional (ELN).

"Em um possível governo de Rodolfo Hernández, há vínculos com o Centro Democrático que já lhe ofereceu apoio e pode amarrar sua gestão. Como ele não participou em nenhum debate pouco se conhece sobre suas ideias, seu programa fica no papel, porque ele não diz qual é sua proposta sobre os acordos de paz", critica Gómez.

Edição: Thales Schmidt