Coluna

A Colômbia rumará para a esquerda?

Morador da capital colombiana, Bogotá, no dia seguinte ao primeiro turno do pleito presidencial - Yuri CORTEZ / AFP
Primeiro turno no país mais conservador da região foi marcado por viés antissistema

 

*Por Ana Beatriz Aquino, Audrey Andrade Gomes, Felipe Teixeira, Gustavo Mendes de Almeida, Henrique Mario de Souza, Júlia Cardoso de Magalhães e Laura do Espírito Santo Silva

 

A Colômbia é palco da mais dramática e importante eleição presidencial de sua história independente. Pela primeira vez, um candidato de esquerda chega ao segundo turno com chances reais de vitória no país que vive um quadro de violência endêmica nas disputas políticas pelo menos desde o pós-guerra.

A nação exerce importante papel nas relações Norte-Sul, tanto por ser um centro da articulação estadunidense na América do Sul e por sua posição geográfica, que dá acesso aos países caribenhos, da América Central e dos andinos, como também por sua capacidade de influenciar o equilibrio dessas forças.

Uma eventual vitória da esquerda abrirá caminho para mudar a relação das soberanias latinas, ao contribuir para a não intervenção externa numa reestruturação progressista autônoma na região, vislumbrada com a probabilidade de vitória de Lula no Brasil.

No domingo (29), o resultado eleitoral do primeiro turno trouxe uma novidade inusitada: todas as facções identificadas de alguma forma com o sistema político vigente há décadas foram derrotadas. Chegam ao segundo turno dois candidatos com um discurso profundamente antiestablishment, um de direita e outro de esquerda.

Gustavo Petro, 62, economista, ex-prefeito de Bogotá e ex-ativista do grupo guerrilheiro M-19, alcançou 40,31% do total, seguido por dois candidatos de direita, Rodolfo Hernández, 77, grande empresário e ex-prefeito de Bucamaranga (28,17%) e Federico “Fico” Gutierrez (23,89%), 47, ex-prefeito de Medellin, apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe. A rodada eleitoral se completa em 19 de junho.

Num país em que o voto é facultativo, a maior expectativa da campanha de Petro é convencer parcela expressiva dos 45% do eleitorado que decidiu ficar em casa no último domingo. Ainda de acordo com as regras locais, os segundo e terceiro colocados da disputa assumem uma vaga no Senado e na Câmara.

A atual eleição tem sido registrada como a mais violenta da história do país, mesmo após quase seis anos do acordo de paz celebrado entre o governo e a guerrilha. Petro só se apresenta publicamente utilizando colete à prova de balas, é protegido por seguranças com escudos capazes de deter balas de fuzil e faz seus discursos num púlpito blindado. Somente nesta campanha, a brutalidade de grupos paramilitares, do crime organizado e do próprio Estado já fez mais de 200 vítimas, segundo dados da Fundação Paz e Reconciliação - Pares.

O rechaço ao oficialismo

Gustavo Petro concorre pela terceira vez pela coligação Pacto Histórico, um estranho no ninho institucional do país. Suas propostas visam fortalecer a capacidade de investimento do Estado, mudar o modelo de economia exportadora de commodities para um padrão industrial, garantir direitos de trabalhadores e de pequenos produtores rurais, realizar uma reforma agrária e apoiar as agendas ambientais, além de promover políticas para indígenas, mulheres e afrodescendentes.

Rodolfo Hernández é um demagogo de extrema-direita que já elogiou Adolf Hitler publicamente. Coloca-se como o candidato antissistêmico e da antipolítica. Não à toa, sua coligação denomina-se Liga de Gobernantes Anticorrupción, buscando repetir um mote que garantiu a eleição de Jair Bolsonaro, no Brasil. Afirma que vai criar programas de habitação e uma política de zero impunidade na questão da criminalidade. Também planeja investir em ciência e tecnologia. Curiosamente, enfrenta investigações por denúncias de corrupção.

Federico "Fico" Gutiérrez é o postulante da direita neoliberal tradicional. Concorreu pela Coalición Equipo por Colombia. Suas propostas giravam em torno da criação de leis contra a máfia e combates à corrupção. Embora não fosse inicialmente o candidato de Álvaro Uribe, acabou recebendo o apoio do ex-presidente nas últimas semanas. Isso lhe foi fatal. O uribismo se transformou na mais importante corrente política colombiana nos últimos vinte anos, desde a eleição de 2002, mas enfrenta séria rejeição popular. O ex-presidente é um advogado com especializações em Harvard e Oxford, ex-governador do departamento de Antioquia e o mais expressivo líder da extrema-direita colombiana. Tornou-se popular pela violência empregada contra a guerrilha, que se estendeu a setores da oposição.

O presidente da República Iván Duque Márquez é seu apadrinhado político. O uribismo é um segmento pró-EUA da política colombiana e promoveu políticas de caráter liberal e autoritário durante o seu mandato.

Em 2021, Duque propôs uma grande reforma tributária, que envolvia aumento de impostos que incidiriam sobre mercadorias e serviços (aumentando em até 19% o preço de luz, gás e saneamento). A medida reduzia a parcela de cidadãos isentos do imposto de renda (passando a incluir os trabalhadores que recebem mais de dois salários mínimos).

As reformas geraram uma forte reação social. Milhares de pessoas foram às ruas no que ficou conhecido como a maior paralisação da história do país, com duração de mais de dois meses, entre abril e junho do ano passado. A resposta do Estado foi enviar a polícia e as forças armadas para confrontar os manifestantes, o que resultou em cerca de 4,2 mil feridos e 52 mortos, segundo o levantamento de organizações de direitos humanos. Acresça-se a isso o virtual descontrole da pandemia, que gerou um total de mais de 140 mil mortes, proporção semelhante à do Brasil.

A aprovação do governo – e do uribismo - desabou, após uma contração do PIB da ordem de 6,8%, em 2020 (Banco Mundial). Duque descumpriu, desde o começo do mandato (2018), diversas regras estabelecidas no Acordo de Paz. Assinado em 2016, em Havana, durante a presidência de Juan Manuel Santos, um ex-aliado de Uribe, o pacto celebrado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) apresentou-se como uma proposta promissora, que poderia gerar mudanças significativas para o país.

Entre os anos de 2016-18, as FARC entregaram armamentos e territórios, e muitos ex-guerrilheiros ingressaram na vida civil, apesar da pauta de reforma agrária, constante nos documentos firmados, não ter avançado muito. Após a posse de Duque, a violência tornou a aumentar e lideranças sociais ligadas ou não às FARC foram vítimas de homicídios e ameaças. Alguns dos territórios que antes estavam sob posse dos guerrilheiros, hoje estão sob domínio de grupos paramilitares e do crime organizado.

Hoje o Pacto Histórico não possui força política para promover mudanças estruturais, mesmo assim, a necessidade de renovação política na Colômbia urge por um governo que faça forte oposição à base política historicamente já estabelecida no país.

 

*O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho