Câmara de gás

Caso Genivaldo não afeta promoções de diretores da Polícia Rodoviária Federal

PRF não diz se vai rever decisão de transferir diretores aos EUA, tomada antes do assassinato

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Entidades do movimento negro na sede nacional da PRF, em Brasília, em protesto para cobrar justiça por Genivaldo de Jesus - Bruno Zaidan

O chocante assassinato de Genivaldo de Jesus dos Santos por asfixia numa ação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no último dia 25 não teve consequências até o momento nas carreiras de dois chefes do órgão. Jean Coelho (diretor-executivo) e Allan da Mota Rebello (diretor de inteligência), foram promovidos a postos de trabalho nos Estados Unidos, conforme publicado no Diário Oficial da União no dia 17 de maio.

Apesar de as promoções terem sido anunciadas antes do ato de tortura seguida de assassinato, não há indicações de que elas vão ser revistas. Perguntada sobre o assunto pela reportagem, a PRF ainda não se manifestou. 

Uma semana antes do caso da câmara de gás, os dois diretores da PRF foram designados para a função de oficiais de ligação no Colégio Interamericano de Defesa, em Washington, capital dos Estados Unidos. O prazo da missão é de dois anos.

Leia a portaria que dispensou os diretores:


Dispensa dos dois diretores foi publicada no Diário Oficial da União desta terça (31), mas não tem ligação com assassinato de Genivaldo Jesus dos Santos / Reprodução/Diário Oficial da União

Leia as portarias que promoveram os diretores da PRF: 

 

Portarias de 13 de maio de 2022, publicadas no último dia 17, reportam promoção de diretores da PRF a cargo nos Estados Unidos / Reprodução


Portarias de 13 de maio, publicadas no último dia 17, reportam promoção de diretores da PRF a cargo nos Estados Unidos / Reprodução/Diário Oficial da União

Posicionamento da PRF

Três dias após agentes da PRF matarem Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, numa abordagem em Umbaúba (SE), a corporação divulgou um novo posicionamento sobre o caso e mudou seu discurso.

Na primeira versão, na quarta-feira (25), dia da morte de Genivaldo, a PRF informara que ele havia resistido à abordagem de agentes. Disse ainda que, por conta da “agressividade” de Genivaldo, foram usados instrumentos “de menor potencial ofensivo” para conduzi-lo à delegacia (íntegra abaixo).

Genivaldo teria passado mal durante o deslocamento, sido levado ao hospital e lá foi constada sua morte. Vídeos que circularam na internet mostram que, antes de morrer, ele foi imobilizado, colocado no porta-malas de uma viatura e sufocado com gás disparado pelos agentes da PRF.

Mas no sábado (28), a PRF divulgou um vídeo em redes sociais no qual informa que não compactua com a ação de seus agentes (íntegra abaixo).

“Assistimos com indignação os fatos ocorridos na cidade de Umbaúba, em Sergipe, em que uma ação envolvendo policiais rodoviários federais resultou na morte do senhor Genivaldo de Jesus Santos. Não compactuamos com as medidas adotadas durante a abordagem ao senhor Genivaldo”, declara Marco Territo, coordenador-geral de comunicação institucional da PRF, no vídeo divulgado pela corporação. “Nos solidarizamos com a família e amigos do senhor Genivaldo e não mediremos esforços para colaborar com todas as investigações”, acrescentou.

A morte de Genivaldo causou protestos e manifestações pelo Brasil. Na sexta-feira (27), o movimento negro realizou um ato em frente à sede da PRF em São Paulo. Também na sexta-feira, o Ministério Público Federal abriu um procedimento para acompanhar as investigações sobre a morte.

Leia a íntegra do posicionamento da PRF divulgado na quarta (25):

“Na data de hoje, 25 de maio de 2022, durante ação policial na BR-101, em Umbaúba-SE, um homem de 38 anos resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe PRF. Em razão da sua agressividade, foram empregados técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil em Umbaúba.

Durante o deslocamento, o abordado veio a passar mal e socorrido de imediato ao Hospital José Nailson Moura, onde posteriormente foi atendido e constatado o óbito.

A equipe registrou a ocorrência na Polícia Judiciária, que irá apurar o caso. A Polícia Rodoviária Federal em Sergipe lamenta o ocorrido e informa que foi aberto procedimento disciplinar para averiguar a conduta dos policiais envolvidos”.

PRF atuou em pelo menos três chacinas

chacina na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e a morte de um homem dentro de uma viatura transformada em câmara de gás, no litoral de Sergipe, marcaram a semana passada. Os dois casos chamaram a atenção pelo protagonismo de agentes da PRF.

Não é a primeira vez que a corporação está envolvida em operações que terminam com um elevado número de mortes. Desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), a PRF atuou em parceria com polícias militares em pelo menos três chacinas.

Além da parceria na ação com o Batalhão de Operações Especiais (Bope), deflagrada na VIla Cruzeiro – que já chegou a 25 mortes confirmadas –, agentes da PRF estiveram ao lado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano, na mesma região.

A operação deixou pelo menos oito mortos, no complexo da Penha. Na ocasião, a PM afirmou que os agentes estavam cumprindo mandados de prisão contra uma quadrilha de roubo de cargas. A operação visava prender Adriano Souza Freitas, conhecido como Chico Bento, suposto chefe do Comando Vermelho.

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Em outubro do ano passado, pelo menos 25 pessoas foram mortas em uma ação conjunta da PRF com a PM de Minas Gerais, em Varginha, no sul do estado. De acordo com a PRF, a ação combatia o chamado "novo cangaço". Em nota, a corporação disse que os bandidos teriam atacado os policiais.

A ação ocorreu em duas chácaras. Segundo a PRF, no primeiro confronto, 18 criminosos foram mortos. Nesta ação, 10 fuzis foram recuperados, além de outras armas, munições, granadas e coletes a prova de balas.

Outra parte da quadrilha estava numa segunda chácara. Em novo confronto, mais sete criminosos foram mortos e mais armas recuperadas e grande quantidade de explosivos. Também foram encontrados 10 veículos roubados. Nenhum policial ficou ferido.

Em entrevista ao Brasil de Fato, a cientista política, antropóloga e especialista em Segurança Pública Jacqueline Muniz, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que, no país, não há limites claros sobre onde começa e termina a competência de cada força de segurança.

"Quando há uma pergunta sobre a competência, não é só a Polícia Rodoviária Federal. Nenhuma organização de força, e são mais de 10 mil no Brasil, passa nesse teste".

Muniz alerta que, apesar do nome, a atuação da PRF não se restringe às estradas. O próprio site da instituição destaca que "a PRF tem sob sua responsabilidade a segurança viária e a prevenção e repressão qualificada ao crime em mais de 75 mil quilômetros de rodovias e estradas federais em todos os estados brasileiros e nas áreas de interesse da União".

"Quando você não tem definição de competências partilhadas, exclusivas e redundantes [entre as polícias], você não tem como definir missão, não tem como definir padrão tático de atuação, não tem como validar logística ou armamento usado por qualquer polícia, e muito menos procedimentos. Vira uma 'bateção de cabeça'", aponta a pesquisadora.

Leia também: Chacina da Vila Cruzeiro: Anistia Internacional cobra governo do RJ e Ministério Público

Em todos os casos, houve participação do Núcleo de Operações Especiais (NOE), grupos de elite da corporação, sediado em cada unidade regional ou superintendência da PRF.

O NOE tem o objetivo de "planejar, coordenar e executar operações de enfrentamento aos crimes de roubo e furto de veículos e cargas, tráfico de substâncias entorpecentes e de armas, munições e produtos controlados, contrabando, descaminho, falsificação de produtos, adulteração de combustíveis".

Laços com o Bope e "agrados" do presidente

O diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, tem apostado no aprofundamento dos laços com esquadrões de elite de polícias militares. Pouco mais de três meses antes da operação desta semana, ele esteve reunido com o comandante do Bope, no Rio de Janeiro.

Em publicação em sua conta no Instagram, Vasques anunciou uma parceria com o batalhão, conhecido pela letalidade das operações: "Criamos um grupo de trabalho para ações operacionais, de inteligência, de ensino e projetos estratégicos entre a @prfoficial e o @bope.oficial".

"Estive reunido com o Comandante e seus oficiais do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Diretores e gestores da PRF da área de Operações e Ensino estiveram presentes", escreveu.

Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou um decreto autorizando o início do Curso de Formação Profissional para 625 excedentes do último concurso PRF. O anúncio foi feito em vídeo divulgado nas redes sociais, em que Jair Bolsonaro aparece ao lado do ministro da Justiça, Anderson Torres.

Segundo eles, a intenção é convocar todos os candidatos aprovados no último concurso da Polícia Rodoviária Federal. De acordo com o presidente, pode ser que a Polícia Rodoviária Federal tenha, com as novas convocações que virão, "o maior efetivo da sua história".

Reajuste diferente

Na semana passada, uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo apontou que o presidente recuou da ideia de conceder um reajuste maior para todas as carreiras de segurança pública. A ideia seria garantir a reestruturação da carreira apenas para a PRF.

O aumento aos agentes rodoviários é estimado em cerca de 20%. As outras polícias, como a PF, teriam o aumento de 5%, como já decidido em abril, da mesma forma que será para as demais categorias de servidores públicos.

Outra sinalização à PRF foi a escolha do ex-diretor geral da corporação Eduardo Aggio para cargo no Palácio do Planalto, como sub-chefe de Análise Governamental (SAG) da Casa Civil da Presidência da República.

Nas redes sociais, Aggio e Vasques exibem proximidade com a família presidencial. Atual chefe da corporação, Vasques publicou recentemente uma foto ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), vestido com o boné da PRF.

Edição: Rebeca Cavalcante e Rodrigo Durão Coelho