Catar 2022

Ucrânia joga por vaga na Copa e partida ganha contornos políticos; veja outros casos históricos

Ucranianos enfrentam Escócia e tentam a chance de ir ao Mundial; geopolítica mundial tem influência na história da Copa

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Jogador ucraniano Zinchenko chora em entrevista coletiva antes do jogo desta quarta - Crédito ANDY BUCHANAN / AFP

A seleção de futebol da Ucrânia volta a campo nesta quarta-feira (1º), às 15h45 (hora de Brasília) contra a Escócia. A partida, na cidade escocesa de Glasgow, ganhou ares de evento evento importante na geolpolítica mundial, já que é a primeira do time ucraniano após quase seis meses sem enfrentar outras equipes nacionais. A equipe teve as atividades suspensas depois do início do conflito com a Rússia, em março.

O jogo faz parte da última etapa da classificação para a Copa do Mundo do Catar, e originalmente seria disputada no próprio mês de março. Com o confronto, a Fifa decidiu adiar a partida dos ucranianos, além de ter suspendido de forma definitiva a equipe russa, que, então, deixou de ter a chance de jogar o Mundial.

Em entrevista coletiva antes do jogo, o lateral ucraniano Oleksandr Zynchenko, que joga pelo Manchester City, da Inglaterra, e é uma das estrelas do time, chorou e disse que "todo ucraniano sonha com o fim da guerra".

"Falei com crianças ucranianas, eles não entendem nada, mas dizem uma coisa: 'Eu sonho que a guerra acabe'. No futebol, também temos um sonho. O sonho é ir à Copa do Mundo e dar essa emoção aos ucranianos neste momento difícil", falou, às lágrimas.

Quem vencer a partida entre Escócia e Ucrânia jogará no próximo domingo (5) contra o time do País de Gales, e, então, quem vencer estará classificado à Copa. Caso a vaga fique com os ucranianos, um novo jogo de grande simbolismo político será realizado no Mundial, já que o classificado dessa disputa europeia vai integrar um grupo que já tem a seleção dos Estados Unidos, além de Inglaterra e Irã.

Partidas que têm a política internacional como pano de fundo não são novidades na história das Copas do Mundo e de suas eliminatórias. Abaixo, listamos algumas outras que, se não tiveram grande repercussão pela qualidade da bola jogada ou pelos resultados, chamaram a atenção pela importância política.

Leia mais: Não é só um jogo: oito fatos da Copa que reforçam a ligação entre futebol e política

Copa de 2018 - Sérvia x Suíça

O confronto entre as duas seleções europeias, que faziam parte do grupo do Brasil no Mundial da Rússia, em 2018, é mais lembrado pelas questões políticas do que pela vitória suíça por 2 a 1. Isso porque jogadores suíços comemoraram os gols com um gesto de pássaro com as mãos, em referência à águia de duas cabeças presente na bandeira da Albânia. 

E o que uma partida entre Suíça e Sérvia tem a ver com a Albânia? É que os jogadores Granit Xhaka e Xherdan Shaqiri, que fizeram o gesto, são de famílias da região do Kosovo, cuja população tem origem albanesa, em sua maioria. O gesto nacionalista causou tensão, já que o Kosovo declarou independência de maneira unilateral da Sérvia, e os sérvios não reconhecem o país até hoje. Os jogadores declararam que fizeram o gesto em apoio aos kosovares. Sérvia e Suíça se enfrentarão de novo na Copa do Mundo do Catar – e, mais uma vez, estão no grupo do Brasil.

Copa de 1998 - Estados Unidos x Irã

A prestigiosa revista britânica Four Four Two definiu o confronto entre americanos e iranianos em 1998 como "o jogo com maior carga política da história da Copa do Mundo". Os dois países viviam em permanente tensão diplomática desde o fim da década de 1970, quando aconteceu a Revolução Islâmica, que instalou o regime dos aiatolás em Teerã. A tensão atingiu o ápice em 1979, quando a embaixada americana no Irã foi invadida por militantes que mantiveram mais de 50 americanos reféns por mais de um ano.

Em dezembro de 1997, quando o sorteio dos grupos colocou as duas seleções frente a frente, a tensão já não era tão grande, mas estava longe de terminar. As autoridades francesas se prepararam por meses até que a bola rolasse, com grande expectativa sobre animosidade entre jogadores e torcedores. O que se viu na cidade de Lyon, porém, foi uma cena que entrou para a história – do futebol e da relação entre os dois países. Os iranianos presentearam os americanos com flores e os times posaram juntos para fotos.


Americanos e iranianos posaram juntos antes da bola rolar / PASCAL GEORGE / AFP

Em campo, vitória do Irã por 2 a 1. Ambos acabaram eliminados (as seleções da Alemanha e da antiga Iugoslávia passaram de fase na chave). Em 2022, mais uma vez, iranianos e americanos vão se enfrentar, mas a Ucrânia – caso se classifique – é quem deve fazer o jogo com maior repercussão na política internacional, contra os americanos – seus aliados.

Eliminatórias para a Copa de 1974 - Chile x URSS

O jogo, neste caso, não chegou efetivamente a acontecer. Uma repescagem intercontinental determinou que chilenos e soviéticos deveriam se enfrentar para definir quem iria para o Mundial do ano seguinte, na Alemanha Ocidental. Mas a seleção da URSS não compareceu ao Estádio Nacional de Santiago, e os chilenos tocaram a bola até empurrá-la para o gol vazio e comemorar uma "vitória" que os garantiu na Copa.

A partida aconteceria em 21 de novembro de 1973, mas, desde outubro, era sabido que os soviéticos não entrariam em campo, em protesto contra o golpe de 11 de setembro do mesmo ano e o início da ditadura de Pinochet no Chile. O Estádio Nacional foi usado como centro de detenção e tortura. Esse é, até hoje, o único jogo boicotado na história da Copa do Mundo (que, formalmente, começam quando há as eliminatórias).

Soviéticos e chilenos chegaram a se enfrentar em Moscou, na partida de ida, em 26 de setembro, pouco depois do golpe que depôs e matou Salvador Allende. A União Soviética chegou a formalizar pedido para que o jogo de volta fosse realizado outro país, que não o Chile, para não ter de pisar no Estádio Nacional, mas não obteve sucesso.

Copa de 1938 - Suécia x Áustria

Mais um jogo que não chegou a acontecer, mas que entrou para a história. Suecos e austríacos foram sorteados para um dos confrontos da primeira fase do terceiro Mundial da história, disputado na França. A partida aconteceria em 5 de junho em Lyon (que 60 anos depois receberia o já citado confronto entre Irã e Estados Unidos), mas a bola não rolou. Poucos meses antes, em março, a Áustria foi anexada à Alemanha nazista e o país, formalmente, deixou de existir – assim como sua seleção de futebol.

Os suecos, então, avançaram à fase seguinte sem jogar. E alguns jogadores do time austríaco defenderam a Alemanha na Copa do Mundo. Um detalhe: o time que não jogou em 1938 ficou conhecido na Áustria como "Wunderteam", literalmente "time maravilhoso", pelo que apresentou nos campos nos anos anteriores, inclusive na Copa do Mundo de 1934, quando os austríacos conquistaram aquele que é, até hoje, seu melhor resultado em uma Copa do Mundo: o quarto lugar.

Edição: Rodrigo Durão Coelho