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Sem veneno: produtores no Sul de Minas mostram como o café pode ser 100% orgânico e rentável

Na contramão do agronegócio, o cultivo livre de agrotóxicos resiste e conquista cada vez mais no Brasil e no exterior

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Sistema orgânico de produção de café tem potencial de promover preservação ambiental aliada à valorização social e econômica - Valter Campanato/ Agência Brasil
sempre convivi com meu pai produzindo café sem veneno; se ele produzia, eu também posso

Você acorda de manhã, bem cedo e coloca a água para esquentar. Espera, passa o seu café e, logo depois, bebe uma xícara cheia de veneno. Parece uma brincadeira de mau gosto, mas não é.

De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o brasileiro consome, em média, 7,6 litros de agrotóxico por ano, levando em consideração a produção de alimentos como o café e outros produtos, como algodão, eucalipto e soja. Mas, você sabia que produzir café orgânico é possível?

E não é só isso. Com os cuidados devidos, o produtor pode ganhar mais e produzir quase a mesma quantidade do que se produzisse café convencional. Silvano Rage Belineli é produtor e conta que logo percebeu que a bebida, uma paixão nacional, não combina com veneno. 

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"Meu pai produziu café sem veneno, sem nada. Depois começou, nos anos 70 e quando começou a aparecer “ferrugem” e tal, aí vieram os agrotóxicos, Mas, eu sempre convivi com meu pai produzindo café sem veneno. Aí, depois eu comecei a jogar agrotóxico e tal, mas vi que não era viável. Depois veio a consciência: se meu pai produzia, eu também posso produzir", relembra".

O uso de agrotóxicos no Brasil começou a ser intensificado nas décadas de 60 e 70. Com um discurso de modernização do campo, a pressão da indústria chegou até a produção de café na região do sul de Minas Gerais, onde Cássio Franco Moreira cultiva o grão. Apesar da pressão, ele insiste na produção orgânica.

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"A tecnologia, hoje, para produzir café orgânico existe. Se você for ver, 20 anos atrás era uma tecnologia que não existia, hoje tem controle biológico e uma série de insumos. Eu, particularmente, gosto de trabalhar muito nessa tecnologia de processos, mais com a natureza, no manejo do mato na parte de arborização", diz. 

Os pontos positivos da produção orgânica são reforçados pelo agrônomo Lucas Muzzi, que atua na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais.

"Acho que a primeira coisa é saúde mesmo. É diminuir o risco de intoxicar, se intoxicar, a família e os trabalhadores, acho que a principal questão é essa. Então, você melhora a saúde e melhora o ambiente que você trabalha também. Eu vejo que os produtores orgânicos têm essa satisfação de ver que estão contribuindo para isso: de um ambiente mais equilibrado, não só para eles, mas para todo mundo", avalia. 

Silvano Belineli mostra como é possível acabar com o mato que compete com o café de maneira sustentável e sem a utilização de veneno, utilizando o próprio espaço entre os pés de café para criar uma adubação verde, que além de servir de adubo, acaba com o mato que tira nutrientes do café. 

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"Você pode notar essa braquiária veio tudo pra cá, ó, então vocês podem notar que não tem mato, não nasce mato e eu não preciso jogar glifosato, tudo limpinho. E além da umidade, terra úmida, você vê que ela não está esfarinhando, conserva a umidade. Agora, vamos voltar no lugar que a gente não pode perder", comemora.   

Parte da narrativa do agronegócio é produzir mitos em torno da produção sem veneno. Entre eles, a queda na produção de safra comparada ao uso de agrotóxico. Mas, os produtores rebatem. 

"Ele [o produtor] pode sentir um pouco no começo, mas, logo, logo, ele recupera e a produção praticamente fica igual. Mas se ele cair na produção, vamos supor que ele caia 20% a produção, acontece que a aceitação dele no mercado e o preço que o pessoal paga pra gente, compensa tudo isso, você tem uma valorização por saca muito grande. E o mercado está crescendo, a gente tem procura e às vezes a gente não dá conta das encomendas", afirma Belineli.

Moreira concorda: "eu vejo que tem espaço para crescer, que tem muitas empresas grandes querendo comprar café orgânico do Brasil. E, não é só fazer orgânico, ele tem que fazer todo um trabalho de café especial, de buscar um comprador que queira essa história dele junto. E não vai ser um comprador, uma grande indústria, que vai misturar tudo e não vai saber quem é o produtor", acrescenta. 

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Os dois produtores conseguem garantir, em média, 30 sacos de café de 60 quilos por hectare. Atingindo a média nacional de produção de café convencional. Com um manejo adequado, conseguem baixar o custo de produção da lavoura e aumentar o lucro da produção.

Silvano Belineli é o produtor do café “Muchoqueiro” e “Chico Amado” que é vendido no Armazém do Campo de São Paulo e Rio de Janeiro.

"É importante que o produtor tenha também essa característica, essa vontade, de prestar mais atenção, porque você está trabalhando na natureza, com processos vivos diferentes do convencional", ressalta.

Já Cássio Moreira exporta seu café para países como Japão, Alemanha e Estados Unidos, por meio das cooperativas parceiras. Tudo longe de atravessadores e das grandes indústrias de café.

"A natureza agradece o que você faz para ela. E a gente começa a notar que voltou as borboletas, voltou os marimbondos, marimbondos já combate o bicho mineiro que é um dos vilões do café. A gente nota que a natureza agradece, a fauna e a flora agradecem", conclui. 
 

Edição: Douglas Matos