Paraná

Direito à moradia

PM despeja famílias que ocupavam terreno no Umbará, em Curitiba

Área estava sem uso, ação foi feita sem apresentação de decisão da Justiça

Curitiba (PR) |
"Disseram que deveríamos desmanchar os barracos e desocupar o terreno por bem ou por mal", contou ocupante - Foto: Pedro Carrano

No sábado (28/5), centenas de pessoas que ocupavam um terreno de seis mil metros quadrados no bairro Umbará, Região Sul de Curitiba, foram despejadas pela Polícia Militar (PM). O local foi ocupado na sexta-feira (27) por cerca de 40 famílias. Na ação, segundo ocupantes, a PM não apresentou nenhum documento que comprovasse ordem de despejo decretada pela Justiça.

Ao Brasil de Fato Paraná, uma fonte que pediu para não ser identificada contou que cerca de dez viaturas da PM chegaram ao local no sábado pela manhã e os policiais deram a ordem de retirada.

“Eles chegaram e simplesmente mandaram a gente sair. Não mostraram ordem de despejo, apenas disseram que deveríamos desmanchar os barracos e desocupar o terreno por bem ou por mal”, revelou. O terreno estaria sem uso há anos. “Sabemos que o dono não tem escritura. E o terreno está lá, sem uso social, criando mato, abandonado”, disse a fonte, que estranha uma ação de despejo tão rápida.

Ana Paula Hupp, advogada que faz parte do núcleo da Campanha Despejo Zero no Paraná, ressalta que, no geral, para promover uma reintegração de posse, a PM deve possuir decisão judicial.

“Além disso, as famílias devem ter conhecimento prévio da ordem e, caso contrário, no momento da reintegração, deve ser solicitada à PM a decisão. E no momento do despejo, medidas precisam ser adotadas, como a realocação adequada das famílias, presença da Fundação de Assistência Social, atentando-se para os grupos legalmente protegidos, como crianças, idosos, portadores de deficiência e gestantes, além da garantia de que as famílias consigam tirar seus pertences pessoais”, ressaltou.

A advogada esclareceu, no entanto, que em casos excepcionais, como de flagrante, ou seja, no exato momento da ocupação, a PM pode atuar sem uma ordem de despejo, desde que o proprietário privado tenha feito boletim de ocorrência. “A lei não determina um lapso temporal para configurar flagrante, mas elenca um conjunto de circunstâncias”, explicou Hupp.

Aumento de despejos

O ação em Curitiba faz parte de um cenário que se agravou em todo o Brasil nos últimos dois anos. Dados da Campanha Despejo Zero revelam que desde o início da pandemia de covid-19 houve aumento de 333% no número de famílias despejadas e de 602% no número de famílias ameaçadas de perder sua moradia desde março de 2020 em todo o país. No Paraná, 1.706 famílias foram despejadas no período.

Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Brasil de Fato Paraná apurou que, em 2019, 2020 e 2021, em todo o Paraná, foram feitos 3.317 pedidos de reintegração de posse. Alta de 487% no número de pedidos em 2020 na comparação com 2019, e de 200% na comparação entre 2019 e 2021.

Nota da PM

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Militar pedindo esclarecimentos sobre a ação de despejo e sobre a alegação dos ocupantes de que não apresentou ordem de despejo.

Em nota, a PM informou que não houve despejo e sim atendimento de ocorrência de danos ambientais em área de preservação ambiental. Reproduzimos abaixo a íntegra da nota:

"Sobre a ação da Polícia Militar ocorrida em data de 28 de maio de 2022, na Rua Miguel Angelo Pelanda, não se tratou de uma ordem de despejo, as equipes receberam a informação, via COPOM, de que alguns indivíduos estariam invadindo um terreno no referido endereço e que estariam também cortando árvores e fazendo fogueiras no local.

Foram enviadas equipes policiais até o terreno que verificaram a presença de cerca de 30 pessoas, que teriam adentrado ao local transpondo obstáculo (cerca), além do fato de tratar-se de uma área de preservação ambiental que estava sendo desmatada e prejudicada, o que foi constatado pelo Chefe de Divisão do Licenciamento Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Curitiba, que esteve presente após denúncia recebida por este órgão.

Em nenhum momento foi realizado qualquer tipo de acordo com os proprietários do terreno. A ação foi motivada não só pela denúncia destes, mas também pelo acionamento realizado por vizinhos que relataram os danos ambientais que estavam ocorrendo. No local, a equipe policial agiu orientando as pessoas presentes sobre as questões do esbulho possessório e dos danos ambientais ocorridos,  os quais compreenderam a situação e retiraram-se sem que tenha sido necessário utilizar qualquer tipo de força.

O cidadão que apresentou-se como líder do grupo foi encaminhado até o Cartório da 2ª Companhia do 13º Batalhão de Polícia Militar, onde foi lavrado termo circunstanciado, além de ter sido notificado pela Secretaria do Meio Ambiente Municipal, sendo liberado na sequência."

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini