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Entenda como a ação humana ameaça insetos e o futuro da biodiversidade do planeta

Atlas dos Insetos afirma que nas próximas décadas 40% das espécies de insetos podem desaparecer e apresenta alternativas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Abelhas são uma das vítimas do uso deliberado dos agrotóxicos no Brasil e no mundo
Abelhas são uma das vítimas do uso deliberado dos agrotóxicos no Brasil e no mundo - Agência Brasil | EBC

Visto por muitos apenas como pragas ou propagadores de doenças, os insetos são essenciais para a vida no planeta Terra. Esses pequenos seres vivos representam 90% de todas as espécies animais, sendo fundamentais para a manutenção dos ecossistemas e também para o futuro do ser humano. Entre suas diversas contribuições podem ser citadas a polinização de plantações, a melhoria da qualidade dos solos, a ajuda na decomposição de matéria orgânica e a contribuição com a biodiversidade vegetal.

Ao completar 50 anos neste domingo (5), o Dia Mundial do Meio Ambiente apresenta o Tema “Uma Só Terra”, colocando em debate os perigos que a humanidade enfrenta por conta do seu forte impacto sobre o planeta. Entre os diversos problemas está o declínio dos insetos, causado pela destruição dos habitats como resultado das ações do ser humano. Aqueles que são mais velhos lembram que algumas décadas atrás era possível ver vaga-lumes nas cidades – cena rara hoje em dia.

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O Altas dos Insetos, lançado pela Fundação Heinrich Böll em 2020, chama a atenção para o grave quadro: nas próximas décadas, 40% das espécies de insetos podem desaparecer. Fruto do trabalho de 34 autores de diversos países, o documento foi publicado no final de 2021 em português e está disponível para download gratuito no site da entidade.

“Um mundo sem insetos, além de menos colorido, seria um mundo com menos biodiversidade e, provavelmente, menos segurança alimentar”, ressalta o Atlas, chamando a atenção para o quão fundamental esses pequenos seres são para a própria manutenção da vida não só dos seres humanos, mas dos ecossistemas. Uma abelha, por exemplo – espécie que nos últimos anos aparece nos noticiários como vítimas de mortandades na região Sul do país – pode polinizar até 3.800 flores em um único dia, destaca o estudo.

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Monocultura e agrotóxicos ameaçam a vida no planeta

A coordenadora de agricultura da Fundação Heinrich Böll no Brasil, Joana Simoni, lista como fatores para esta realidade a introdução de espécies exóticas, o desmatamento e a urbanização das áreas, mas principalmente a agricultura intensiva, “que corresponde, segundo a literatura científica, a quase 24% das causas do declínio das populações de insetos”. Com destaque para “a monocultura e o uso excessivo de agrotóxicos – ambos muito presentes no modelo do agronegócio brasileiro”.

Levantamento da Rede Brasil Atual publicado em março deste ano revela que o governo Bolsonaro liberou 1.629 agrotóxicos em 1.158 dias de governo – uma média de 1,4 por dia, muitos deles altamente perigosos à saúde e ao meio ambiente e por isso proibidos em muitos países. O engenheiro agronômico, fundador da Associação Brasileira de Agroecologia e membro do Movimento Ciência Cidadã, Leonardo Melgarejo chama a atenção para o perigo deste cenário, que a longo prazo acaba fortalecendo os insetos e deixando a sociedade cada vez mais doente.

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“Pais e mães não sabem que seus filhos estão sendo envenenados, que os aquíferos estão sendo contaminados, que o futuro de todos está sendo comprometido pela ganância de poucos. A homogeneização do território, com grandes monocultivos dependentes de agrotóxicos, equivale à negação da regra universal da vida: a riqueza depende da diversidade e da complementariedade. A simplificação traz a fome e a miséria”, afirma.

O coordenador de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil, Marcelo Montenegro, ressalta ainda que esses processos, junto da poluição e das mudanças climáticas, também alteram a relação entre pragas e organismos benéficos. “O estresse climático pode reduzir a tolerância que as plantas agrícolas têm aos ataques de pragas”, afirma. Como exemplo, cita estudos que relatam que, no Brasil, a longevidade e capacidade reprodutiva de um pulgão que ataca forrageiras, da espécie Sipha flava, “foram significativamente maiores quando os insetos foram mantidos em nível de CO2 alto e constante”.


Sem polinizadores, sem comida na mesa / Fonte: Atlas dos Insetos

Avanço do pinus na Serra gaúcha reduz a biodiversidade

A mestra em Biologia animal Carolina Casas, que integra o Laboratório de Ecologia de Insetos da UFRGS, explica que quando florestas ou campos naturais são substituídos por monoculturas, que geralmente são de espécies exóticas, está se modificando drasticamente os ecossistemas. “A perda ou fragmentação destes habitats altera a dinâmica dos ecossistemas promovendo o declínio de populações até a extinção das espécies.”

Em sua pesquisa, que avaliou o impacto da substituição de florestas com araucária e campos de altitude por monoculturas de pinus na Serra gaúcha sobre população de borboletas frugívoras – que se alimentam de frutas em decomposição –, Carolina identificou o grande prejuízo deste modelo. “Várias espécies de borboletas exclusivas destes dois ambientes são deslocadas ou extintas localmente”, o que afeta negativamente outros organismos, como pássaros, que se alimentam das lagartas das borboletas.

“Estes eventos de extinção em cascata provocam homogeneização biótica, ou seja, redução da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos associados com a biodiversidade. O funcionamento da vida na Terra, incluindo a nossa, depende das relações entre todas as espécies”, ressalta a pesquisadora.

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Carolina destaca ainda que o pinus não é nativo do Brasil e que no RS é um grande problema ambiental, pois reduz drasticamente a qualidade do solo. “Invade as áreas de vegetação nativa, modificando a paisagem e afetando negativamente a nossa biodiversidade. O avanço é visto mesmo dentro de áreas de conservação, como o Parque Estadual de Itapuã, onde o pinus se espalhou amplamente e é um grande problema ambiental com altos custos econômicos para o seu controle.”

“Nosso estudo recém-publicado – “Different-aged Pinus afforestation does not support typical Atlantic Forest fruit-feeding butterfly assemblages” (Casas-Pinilla et al. 2022) – na Forest Ecology and Management, uma das revistas mais importantes de ecologia mostrou que a biodiversidade de borboletas em áreas de pinus, mesmo em áreas com pinus plantados há 70 anos, é muito menor do que a diversidade de borboletas da floresta nativa”, expõe. Para a pesquisadora, os robustos resultados podem servir de base para a regulamentação do plantio de pinus no Brasil.

Morte dos insetos gera insegurança alimentar


Modelo agroexportador de commodities está entre as principais causas da insegurança alimentar no meio rural. Na foto: colheita de soja em Salto do Jacuí (RS) / Foto: Silvio Avila/AFP

Segundo Joana, o Altas dos Insetos busca destacar também a relação entre a mortandade dos insetos e a insegurança alimentar que isso pode gerar para os seres humanos. “Os insetos são nossos aliados”, afirma, lembrando que além de polinizadores, algumas espécies “são responsáveis por fazer o controle biológico de pragas, o que pode ser levado em conta para se fazer o chamado manejo agroecológico de insetos”.

“Uma pesquisa da Universidade de Seattle (EUA) calculou que as safras de arroz, milho e trigo diminuirão entre 10 e 25% por grau de aquecimento global como resultado de mudanças nas populações de insetos”, apresenta Marcelo. “Um estudo da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), citado no Atlas, demonstra que a produção de alimentos como melancias, abóboras, cacau e castanha-do-Pará pode sofrer um declínio de mais de 90% na ausência da polinização por animais”, complementa.

Mortandade de abelhas

“Entre dezembro de 2018 e março de 2019, mais de meio bilhão de abelhas foram encontradas mortas em diversas partes do país”, afirma o Atlas. Em janeiro de 2019, a mortandade de 50 milhões de abelhas em Santa Catarina – maior produtor de mel do Brasil – virou notícia nacional. Segundo testes realizados, as mortes estavam relacionadas ao uso do inseticida Fipronil, aplicado em plantações de soja.

Pouco menos de três anos após este episódio, Santa Catarina tornou-se o primeiro do Brasil a restringir o uso desse veneno na forma de pulverização. O presidente da Federação das Associações de Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina, Ivanir Cella, afirma que a proibição não afetou em nada a produção agrícola do estado.

“Para a apicultura e o meio ambiente em geral foi muito bom, porque diminuiu em 70% a mortandade de abelhas do estado. A gente imagina também que insetos, de forma geral, incluindo inimigos naturais das pragas, também tenham sido poupados com essa restrição”, afirma Ivanir.

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Esta conquista, contudo, é pontual e localizada. “O Brasil tem uma das maiores diversidades de insetos no mundo e uma das maiores diversidades de abelhas também – cerca de 3 mil espécies. No entanto, não temos políticas sérias que visem à proteção desses animais”, pontua Joana. “Sabe-se hoje que pelo menos 23% das amostras de alimentos da dieta básica nacional estariam contaminadas com agrotóxicos, e os dados relativos ao desmatamento e ao avanço da fronteira agrícola no país também tem estado cada vez piores.”

Melgarejo reforça que o uso de inseticidas, que parece aliviar o problema de perdas na colheita de alguma safra, na verdade estará ampliando os problemas futuros. Ele também defende uma mudança no olhar, deixando de entender os insetos como pragas.

“Não conhecemos o mundo dos insetos e estamos em luta contra eles. Uma guerra suicida porque eles permanecerão no planeta quando não estivermos mais aqui. E não há motivo racional para aceleração da velocidade com que nos aproximamos deste momento”, defende ao ressaltar a importância pedagógica do Atlas.

Agroecologia, políticas públicas e educação como solução


Na Colheita do Arroz Agroecológico de 2022, o MST afirmou que vai trabalhar o Atlas dos Insetos nas Escolas do Campo / Foto: Letícia Stasiak

A coordenadora de agricultura da Fundação Heinrich Böll afirma aquilo que traz o Atlas como proposta para evitar o avanço do impacto humano sobre a vida dos insetos: apostar na agroecologia como forma de manter a diversidade genética e cultural dos diferentes agroecossistemas. “Repensar esse modelo, levando em consideração as suas mazelas – aí incluída a ineficaz guerra aos insetos – e cada vez mais urgente”, assegura.

Ela destaca que o país investe muito pouco na produção orgânica, livre de agrotóxicos, e na produção agroecológica “que além de não utilizar agrotóxicos, pressupõe uma série de princípios e mecanismos mais sustentáveis e justos do ponto de vista socioambiental”. Afirma que a proteção dos insetos também precisa de políticas públicas, como, por exemplo, uma Política Nacional de redução de agrotóxicos, defendida por organizações da sociedade civil engajadas nessa luta. “O Atlas dos Insetos aponta também para a necessidade de uma política nacional de polinizadores de forma ampliada, ancorada na conservação da biodiversidade.”

Grupos que praticam agroecologia produzem alimentos com esta visão mais ampla entre o uso dos recursos e a manutenção sustentável dos ecossistemas. É o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que ao longo dos anos vem se especializando nesta forma de produção que respeita a natureza em vez de somente a olhar como recurso a ser explorado.

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O MST é reconhecido atualmente como o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Durante a 19ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, promovida pelo movimento em março deste ano, no município de Nova Santa Rita (RS), foi anunciado que o Altas dos Insetos será trabalhado com os jovens nas Escolas do Campo.

Para Melgarejo, o MST colhe o resultado de inteligência, disciplina, formação profissional e convênios, tanto na produção do arroz orgânico como na produção de hortaliças, de sementes da Bionatur, do leite a pasto e no plantio de árvores. “Há todo um universo em construção envolvendo atividades apoiadas no conceito de parceria ao invés de guerra com a natureza. O Atlas traz argumentos que ajudarão a expandir estes conhecimentos e a consciência depende das informações que estão sendo oferecidas à juventude. Daí a importância de distribuí-lo nas escolas do MST”, afirma.

Carolina ressalta a importância do trabalho de iniciativas da área da educação como o Laboratório de Ecologia de Insetos da UFRGS, que através de suas pesquisas identifica habitats e espécies em risco de extinção por conta das ações humanas. “Os resultados gerados pelas pesquisas desenvolvidas podem apontar locais prioritários para esforços de preservação, como a criação de novas Unidades de Conservação e maior proteção para as preestabelecidas”, pondera.

“A manutenção de coleções e a formação de profissionais qualificados aptos a desenvolver avaliações de biodiversidade em campo e laboratório e a cuidar destas coleções biológicas requer investimentos contínuos em educação, ciência e tecnologia”, explica. Por isso, defende as universidades públicas como fundamentais. “Só assim, poderemos construir estratégias para que as futuras gerações herdem um ambiente saudável, que reflita a maravilhosa diversidade da vida”, finaliza.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko