Ceará

Memória e legado

Artigo | Obrigada, companheira Rosa!

Ecila Meneses homenageia Rosa da Fonseca, a militante que foi grande educadora na missão de libertação da humanidade

Fortaleza, CE |
roda da fonseca
“A Rosa virou perfume”, disse Carri Costa - Divulgação/ Crítica Radical

“A Rosa virou perfume.” A frase poética do ator Carri Costa em homenagem à Rosa da Fonseca, em texto publicado nas suas redes sociais por ocasião da morte da histórica liderança da esquerda cearense, ilustra bem o legado de sua vida. A ex-vereadora e dirigente política sempre lutou com a paixão militante de quem tem a coragem para tomar a difícil decisão de amar o mundo, cuidando-o e reinventando-o. O mundo de Rosa era vermelho, verde, cor da terra, tinha as cores das gentes e das variadas criaturas do planeta. Em sua abnegada vida, Rosa tinha um compromisso com o resgate e com o cultivo das virtudes humanas, assim como, cultivava o desapego das miudezas do sistema. 

Militante desde sua juventude, Rosa sempre foi uma presença de coragem para todos e todas que a conheceram e que puderam dividir a luta com ela. Tinha um sorriso largo e fácil, e um olhar doce, mas mesmo assim, Rosa sabia ser espinhos. Era uma mulher valente, e que também trazia no rosto a concentração da obstinação comandante, dura e firme. Em suma, numa só mulher, muitas almas preciosas e humanas que hoje homenageamos e agradecemos. 

Dos múltiplos embates difíceis que ela viveu e que lhe exigiram muita coragem, cada um de nós tem sempre alguma passagem memorável de sua participação. Trago aqui um rápido relato da primeira luta que eu testemunhei Rosa em combate. 

Em plena Ditadura Militar, no fim dos anos 1970, a comunidade praieira da Iparana, no Ceará, estava ameaçada de perder a terra onde morava, cultivava, nascera e criava seus filhos. A população pobre, generosa e resistente das praias de Iparana e Dois Coqueiros, situadas no município de Caucaia, contou com a ajuda de três mulheres que abraçaram a causa como sua: a então deputada estadual Maria Luíza Fontenelle, a dona de casa Argentina Meneses e a liderança política Rosa da Fonseca. Junto com Mundola, Maria da Iparana e outras lideranças da comunidade local, estas mulheres conseguiram dar notoriedade ao fato, divulgando-o em rádios e jornais de Fortaleza. Elas sensibilizaram parlamentares para o drama das famílias e com o empenho ativo de advogados militantes de esquerda como Inocêncio Uchôa, venceram a causa. Foram anos de luta. Como testemunha deste embate, eu me lembro muito bem destas mulheres reunidas pensando juntas a estratégia mais eficaz. Elas estavam sempre acompanhadas de nós, as suas crianças, e compartilhavam entre si as suas apreensões, aflições, conselhos políticos, esperanças e saberes de toda sorte que cada uma tinha. 

Todo mundo tinha uma função. Maria travava a luta institucional, Argentina dava a acolhida logística, sendo a motorista, fazendo almoços e cafezinhos nos dias exaustivos de luta na árida e quente na cidade de Fortaleza. Maria da Iparana, Mundola e outras lideranças eram a voz da comunidade e também organizavam a resistência no local, informando todo mundo e fazendo reuniões. Rosa fazia o trabalho de conscientização política com as lideranças da comunidade. Cumprindo a função que mais amava, Rosa era a educadora política, até porque Rosa também era uma professora. Ela conversava com muita dedicação, persistência e didatismo com todas as pessoas da comunidade. A sua intenção era a de fazê-los entender a razão profunda de todo aquele conflito. Partindo de um drama imediato e comum a toda a comunidade, Rosa tentava mostrar como se organizavam as estruturas sociais do poder burguês e as históricas relações de espoliação. A luta pela terra era o motivo primeiro para a compreensão política de como se organiza a sociedade capitalista, e também para persuadí-los sobre a necessidade de organização da classe trabalhadora para resistir e superar à opressão da classe dominante e de seu Estado. 

Por vários os anos, Rosa e Argentina iam todas as noites de quarta-feira à Iparana para ler o jornal “Tribuna da Luta Operária” debaixo de uma luz de lamparina, pois a localidade ainda não possuía luz elétrica. Por este tempo, o Centro Comunitário de Iparana ainda não existia, por isso, as reuniões eram feitas nas casas das pessoas. Sentadas em tamboretes, no chão ou em cadeiras, a leitura dos artigos do jornal era feita para todos e seguida de um debate com o compartilhamento de interpretações sobre o texto e sobre a temática em questão. Os artigos sobre a conjuntura nacional sempre eram trazidos para as reuniões. O trajeto de Fortaleza até lá era muitas vezes de difícil acesso. Como outras localidades praianas, o terreno é arenoso, pois é região de dunas, e durante as estações chuvosas os carros comuns sempre atolavam e precisavam de força e perícia para sair deste areal. Mais isso, não impedia a ação educadora e militante de Rosa, que cumpria, rigorosamente, esta rotina.

Da peleja pela terra e da ação educadora de Rosa nasceu o Centro Comunitário de Iparana. Esta organização política teve sua sede construída pelos próprios moradores em ações cooperativas e compartilhadas.

Ao longo das décadas que se seguiram, Rosa continuou atuando em várias áreas importantes para a classe trabalhadora. Rosa da Fonseca foi uma das lideranças e articuladoras do movimento sindical cearense, estando à frente da CUT e do SINDIUTE; participou da articulação da União das Comunidades da Grande Fortaleza; e é uma das fundadoras da União das Mulheres Cearenses; foi uma das dirigentes do Partido Revolucionário Comunista (PRC) e da força política Crítica Radical. Em toda a sua trajetória, Rosa sempre se manteve fiel à sua paixão militante, sem deslumbramentos com o poder, sempre pautando a sua vida e a sua ação política e educadora na missão de libertação da humanidade de seu enclausuramento de sistemas opressores. Rosa era um patrimônio de nossa esquerda, mulher de luta e formuladora intelectual, é inspiração para várias gerações. 

Você se foi, mas nós estamos aqui guardando a sua memória, Rosa. Nós e a baixinha, agradecemos a sua vida. Cuidaremos de seu legado. E é como você sempre nos falava em momentos difíceis: A luta continua companheira! 

* atriz, professora,
Membra da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABDJ)

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Convite

A companheirada de militância, a famílias os amigos e amigas de Rosa convidam hoje, 07 de junho para a Celebração do 7º Dia de Encantamento

Dia 07/06/22 (hoje /terça-feira)
Na Praça da Gentilândia (João Gentil), a Praça da Rosa 
17h: Acolhida Agroecológica, com plantio de árvore em memória da Rosa
18h: Celebração Ecumênica, seguida de Ato em Saudação à Vida e às Lutas de Rosa

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Edição: Camila Garcia